Voo raso, entre a pressa e a privatização

Estudo do Ipea alerta sobre atraso nas obras em aeroportos e acelera debate sobre privatização.

Basta pouco, apenas um show da banda irlandesa U2, para gerar filas e atrasos nos aeroportos de São Paulo e Paraná. Basta menos ainda para o coro alarmista do “apagão” aéreo ganhar força, puxado pela mídia empresarial e conservadores de plantão.

Somado a isso, em anos recentes, a manifestação dos trabalhadores do setor aeroportuário tende a crescer. Afinal, 154 milhões de pessoas circularam nos aeroportos nacionais em 2010, configurando um aumento de 117% em oito anos no acesso a esse meio de transporte. Entre diversos fatores, foi determinante para isso o crescimento conjuntural do número de empregos no Brasil e a diminuição de preço do serviço.

Copa

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) gerou polêmica ao mostrar que nove aeroportos não estarão com as obras concluídas até o começo da Copa do Mundo de 2014, entre 13 terminais analisados, que receberão investimentos do governo. A oposição usa os dados disponíveis para reforçar o discurso de privatização do setor e suposta incapacidade de gestão da estatal Infraero.

Em relação ao modelo, o setor aéreo brasileiro já está submetido à lógica neoliberal da reestruturação produtiva.

A mira é então privatizar a infraestrutura dos aeroportos, controlada pela estatal Infraero, uma das maiores do mundo, cuja atribuição pertence ao Ministério da Defesa. Durante o governo Lula, o ministro Nelson Jobim defendia que a administração de todos os aeroportos fosse concedida à iniciativa privada. Dilma Rousseff, em suas primeiras declarações, mostrou-se defensora de um modelo aberto ao investimento privado. Em março, criou a Secretaria de Aviação Civil (SAC), para gerenciar a agência reguladora do setor (Anac) e também a própria Infraero. O setor torna-se cada vez mais lucrativo, e empresas como a consultoria Mckinsey, citada no estudo do Ipea, anseiam para o setor um investimento total de US$ 29,5 bilhões entre 2011 e 2030.

Fato é que a capitalização no ramo aumentou ao longo do mesmo período, de um total de R$ 502 milhões para R$ 1,3 bilhão em 2010, ano em que o Brasil foi eleito país sede da Copa e dos jogos olímpicos de 2016.

No total, foram R$ 8,8 bilhões. Porém, de acordo com o mesmo estudo, a desaceleração da economia prevista deve refletir no ramo. O crescimento de 1% do PIB tem correspondido a um aumento de demanda no setor aéreo de 3,17%.

Oligopólio consolidado

A economista Leda Paulani, professora da Faculdade de Economia da USP, comenta que o setor passou por um movimento de centralização de capitais para obter os lucros de hoje: “Também teve um momento muito turbulento, com grande quantidade de empresas que abriram e fecharam, até que foi consolidando o oligopólio da Gol e da TAM, uma centralização que facilita para que elas tenham lucratividade maior. Quais as condições para o setor privado se interessar na privatização dos aeroportos? Aumento de taxas de embarque seria uma delas”, sugere.

O estudo do Ipea focaliza a relação entre a capacidade de cada aeroporto e a relação com o aumento da demanda de passageiros até 2014. No período de 2011 a 2014, a perspectiva é de que a demanda no setor aumente em 46,4%, ou seja, 10% ao ano. O instituto governamental não se aprofunda, no entanto, sobre questões relativas ao impacto nos trabalhadores do ramo e nas condições estruturais de pista, etc.

O governo, por meio do secretário de Aviação Civil, nega a constatação de atraso e incapacidade dos terminais. Junto à imprensa, a Infraero manifestou-se dizendo que não chegou a participar da elaboração da pesquisa do Ipea, “de modo que não pode fazer qualquer tipo de avaliação a respeito”, como publicou a assessoria de imprensa da estatal.

Até o fechamento desta matéria, a reportagem do Brasil de Fato não conseguiu falar com os pesquisadores responsáveis pelo estudo do Ipea.

Quanto

R$ 8,8 bilhões de investimento público no setor entre 2003 e 2010, média de R$1,1 bilhão por ano

39,1% deve-se ao orçamento da estatal Infraero

187% é a taxa média de ocupação acima do limite entre os 14 aeroportos analisados pelo estudo

44% é a taxa de aplicação dos recursos previstos nos aeroportos

Fonte: Aeroportos no Brasil: Investimentos Recentes, Perspectivas e Preocupações – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA.

Lucratividade das empresas do ramo de aviação no Brasil

ANO                 TOTAL (R$)

2001                6.996.098.310

2006               10.791.359.473

2007               10.891.128.350

2008               14.204.156.283

2009               13.447.755.503

FONTE: Anuário da Agência Nacional de Aviação (Anac).

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* De Curitiba (PR).

** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.