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Zanzibar fica mais violento contra as mulheres

Uma antiga fortificação na localidade de Stone, em Zanzibar, na Tanzânia. Em média, pelo menos um caso de violência de gênero, incluídas violações, são denunciadas diariamente em Zanzibar. Foto: Zuberi Mussa/IPS
Uma antiga fortificação na localidade de Stone, em Zanzibar, na Tanzânia. Em média, pelo menos um caso de violência de gênero, incluídas violações, são denunciadas diariamente em Zanzibar. Foto: Zuberi Mussa/IPS

 

Zanzibar, Tanzânia, 28/2/2014 – A história de Feiza (nome fictício), uma jovem de 18 anos que foi sequestrada e violada, é um funesto testemunho da situação que vivem as mulheres em Zanzibar, um arquipélago semi-autônomo da Tanzânia. Feiza caminhava por uma rua, em janeiro, quando um homem armado com uma faca a sequestrou, violou e depois fugiu.

Ela foi resgatada por um transeunte que telefonou para seu pai em busca de ajuda. “Não quero lembrar desse dia, foi horrível”, contou Feiza à IPS, da casa de sua tia, onde vive. Seu pai iniciou a perseguição ao violador e finalmente o deteve. Mas a única justiça que buscou foi monetária.

Acontece que o atacante é filho de um homem poderoso da região. O pai da moça disse à IPS que, embora esteja profundamente indignado pela violação, o máximo que pode esperar é um acordo extrajudicial para preservar a honra de sua família. “Mesmo indo à polícia, prenderão o suspeito e o libertarão no dia seguinte”, afirmou.

Estatísticas dos Centros de Intervenção em Crises de Violações em Zanzibar mostram que diariamente um caso de violência de gênero, incluindo violação, é denunciado. Segundo estudo divulgado este mês pela Associação de Mulheres dos Meios de Comunicação da Tanzânia, a gravidez precoce e o casamento infantil aumentam em ritmo alarmante em Zanzibar: entre 2012 e 2013 foram registrados 996 casos, em comparação com 398 em 2011.

Gladness Munuo, dirigente da Associação, afirmou à IPS que os incidentes aumentam apesar de ativistas locais e doadores internacionais se esforçarem para conscientizar sobre a violência de gênero. “O resultado de nossa investigação demonstrou, sem sombra de dúvida, que a violência contra as mulheres ainda é enorme em Zanzibar”, destacou.

No entanto, é possível também que se perceba um aumento porque a sociedade tem mais consciência e denuncia os casos mais rapidamente, admitiu Munuo. O certo é que poucas denúncias chegam aos tribunais. Asha Abdul, ativista da Associação, atribui o aumento dos ataques violentos contra as mulheres a vários fatores, como a crescente impunidade.

“A polícia é o principal obstáculo, não faz seu trabalho como deve nos casos de violação. É por isso que a maioria das vítimas não está disposta a apresentar queixa”, explicou Abdul. Assim, muitos responsáveis por esses crimes nem mesmo são acusados ou investigados.

Para a ativista, a escassa investigação expõe as vítimas de violação e as deixa mais vulneráveis ao estigma. Em alguns casos, as testemunhas se recusam a apresentar evidências por medo de serem isoladas por suas comunidades. A polícia reconhece que frequentemente vítimas e testemunhas de ataques violentos não apresentam provas sólidas para processar os suspeitos.

Mkadam Jamis, comandante da Polícia Urbana da Região Oeste, respondeu às acusações de incompetência. Em entrevista à IPS disse que os policiais trabalham segundo a lei e têm responsabilidade de proteger todas as pessoas e seus bens independente de seu status. “Nossa tarefa é proteger os cidadãos, seguimos os critérios legais quando investigamos casos de abuso. Não é verdade que não fazemos as investigações de maneira adequada”, afirmou.

A Associação afirma que tribunais, juízes e promotores carecem das habilidades para lidar com casos de violação de gênero, e isso faz com que os julgamentos durem anos, que aumente a intimidação de vítimas e testemunhas e, por fim, que muitas queixas sejam retiradas.

Mas o jurista Walid Adam, da Direção de Julgamentos Públicos de Zanzibar, disse à IPS que é provável que as organizações de direitos humanos estejam reagindo de modo exagerado porque advogados e juízes são profissionais qualificados com vasta experiência para lidar com esses casos. “Não duvido que os membros do Poder Judicial estejam fazendo seu trabalho muito bem, não duvidemos de suas capacidades”, ressaltou.

Adam destacou que é comum as pessoas destruírem evidências básicas antes de denunciar um crime. Por exemplo, os pais das jovens violadas as forçam a tomar banho, disse. “Inclusive quem sabe que este não é o procedimento a seguir encontra muita dificuldade em deixar sua filha nesse estado. Mas, no momento em que se banham a evidência se perde”, explicou. Envolverde/IPS