Miami, Estados Unidos, julho/2013 – O espetacular concerto realizado no Camp Nou do clube Barcelona, no dia 29 de junho, em apoio ao “direito de decidir” (eufemismo respeitoso de autodeterminação catalã) e celebrar uma “consulta” (leia-se referendo) sobre a alternativa da independência (claro) e o abandono da autonomia, revelou que será um tanto insólito continuar usando a bandeira juridicamente correta da Catalunha.
A julgar pelas imagens dos adereços dos presentes ao ato, a bandeira tradicional das quatro barras vermelhas sobre fundo amarelo foi suplantada em massa pela que insere um triângulo azul e uma estrela branca em um de seus lados (lateral ou superior, segundo sua posição).
Como alternativa minoritária, observa-se também uma variante adotada por partidos e organizações marxistas, com o esquema triangular, mas com fundo amarelo e uma estrela vermelha.
Uma razoável maioria dos catalães conhece a história (ou mito) da origem da bandeira catalã constitucional e politicamente correta, mas uma pesquisa revelaria esmagadora ignorância sobre a origem das variantes com a inserção triangular.
Subsiste um certo conhecimento da origem legendária das quatro faixas (as pegadas de quatro dedos com sangue dos ferimentos do fundador da Catalunha medieval, Wifredo el Velloso) sobre o fundo dourado de um escudo de armas. Este contraste pode ter consequências intrigantes se em algum momento se conseguir a ansiada independência.
Porém, mesmo agora surge uma incógnita sobre o possível esquecimento que a bandeira “legal” possa vir a sofrer, diante do uso em massa da “estrelada”, como é chamada a alternativa, empregando a palavra catalã para estrela: “estel”.
Uma busca de respostas rigorosas a essas suposições sobre a simbologia da bandeira com triângulo e estrela revelaria que o inovador estandarte é significativamente uma homenagem dupla ao nacionalismo independentista de duas antigas colônias espanholas (Cuba e Porto Rico).
Paradoxalmente, considerando o certo ressentimento anti-ianque e antigalo (antifrancesa) nas sociedades catalã e espanhola, um uso sinceramente respeitoso da simbologia das cores das bandeiras norte-americanas e francesa é intrigante.
A evidência histórica mostra que a bandeira com o triângulo azul e a estrela branca é uma documentação e fiel adaptação da bandeira cubana, que, por sua vez, se desdobra na de Porto Rico, mas com as cores trocadas. Em lugar de faixas azuis, vermelhas, enquanto o triângulo é de fundo azul em Porto Rico e vermelho em Cuba. As três cores combinadas respondem aos ideais de liberdade (branco), igualdade (vermelho) e fraternidade (azul).
O elo entre a simbiose das bandeiras cubana e independentista catalã remonta à presença de emigrantes catalães em Cuba, como parte do maciço transpasso de espanhóis, antes e (especialmente) depois da independência.
Mas a exportação do experimento cubano-catalão foi produto dos esforços de um cidadão catalão, Vicenç Albert Ballester i Camps (1872-1938). De suas viagens a Cuba surgiu o novo desenho.
Em sua insistência por usar o redesenho da bandeira cubana, Camps considerou que a bandeira tradicional catalã não tinha atrativo visual, ficando neutralizada pela espanhola. O acréscimo das cores azul e branco era muito efetivo, com o dramático simbólico triângulo (que poucas bandeiras usam).
A inovadora bandeira ganhou status jurídico quando foi mencionada explicitamente na Constituição Provisória da República Catalã, aprovada em 1928 por uma assembleia do independentismo catalão na América.
Nela se diz que “a bandeira oficial da República Catalã é a histórica das quatro barras vermelhas sobre fundo amarelo, com a adição, na parte superior, de um triângulo azul e uma estrela branca de cinco pontas em seu centro”.
Enquanto os estatutos de autonomia catalã de 1932 e 1979 respeitam a tradição e declaram a bandeira histórica como a legal, o inovador texto da Constituição Provisória declara que a bandeira oficial seria a “estrelada”.
Considera-se historicamente que este é apenas um gesto reivindicatório, enquanto não se desfruta da independência, e, sobretudo, porque a histórica era ilegal.
Os acontecimentos recentes indicariam que a bandeira definitiva, em caso de se conseguir a independência, seria a “estrelada”, ficando a histórica e tradicional como uma ilustração de épocas anteriores.
A propósito da comemoração de 4 de julho, data nacional dos Estados Unidos, convém meditar sobre o impacto dessa ainda potência “necessária”, ou mesmo “insubstituível”.
A nova polêmica criada pela vergonhosa conduta de Washington de se converter em espião inclusive de seus aliados e pela impotência para corrigir os erros (Guantânamo é apenas um deles) das intervenções posteriores a 11 de setembro de 2001, aumentou ainda mais o fogo anti-norte-americano.
Porém, também merece reflexão a complexidade da pegada global criada pelo experimento mais ambicioso de nação forjada pela vontade, que pode ser imitada e adotada. Os traços “norte-americanos’ na bandeira independentista catalã são uma mostra. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).