Opinião

COP 26 - Engasgada com Glasgow e os discursos cansativos

por Samyra Crespo, especial para a Envolverde –  

Um amigo me liga e pergunta: por que não escreve sobre a COP 26?

Resposta: estou digerindo fatos, clima (sem trocadilhos) as expectativas, frustrações e esperanças.

Uma entrevista televisiva que vi com a Suzana Khan, diretora da COPPE-UFRJ e que coordenou a redação das metas voluntárias do Brasil no 1º Plano nacional de Mudanças Climáticas em 2009, foi de um ceticismo revelador.

Uma reunião de “cúpula” ou das “partes” (assinantes de uma Convenção Global) é mais do que parece.

Como uma Isis dos 7 véus, tem camadas e camadas para se ver, ouvir e refletir. Muitos players e plateias que querem “dourar a pílula “.

Em geral, os resultados de uma Conferência assim são verificados no médio e longo prazos.

Vejamos: Paris foi em 2015 e nem 6 anos se passaram e governos correm para fazer ajustes.

A Índia colocou a régua em 2070!!! O Brasil voltou ( ver para crer) às metas de 2015.

Os dinheiros, ao final de três dias, prometeram aparecer: bancos, investidores e empresas vão turbinar a “economia verde”.

Os ativistas fizeram seu papel e as fotos da mocinha Greta e da juventude “consciente” viralizam mundo afora. As minorias ativas sempre comparecem.

Os cientistas divulgaram seus relatórios e milhares de pesquisas serão direcionadas às causas e efeitos do aquecimento global.

A mídia nos bombardeou com discursos de líderes e anti-líderes, e aqui e ali acertou o tom.

Para quem – como nós – acompanha há muito essas reuniões, sabe que os avanços vão além do que se vê em fotos e reportagens. Assim como aqueles que puxam o progresso com o freio de mão também o sabem.

Estratégias a favor serão perseguidas, muitas outras contra, também.

Hoje em dia os principais indícios de “vamos empurrar com a barriga” estão no adiamento. 2020 viraram a agenda 2020/30, que estará se tornando em breve a agenda 2050. Ou a risível promessa indiana de “2070”.

Esse adiamento é de quem tira a responsabilidade do ombro.

Naquelas datas distantes nós seremos pó.

O mundo em turbulência será a herança de quem nasceu há pouco e que frequentará este futuro.

Nossos filhos e netos que se virem!

A ONU Meio Ambiente publicou como insumo para a Rio + 20 em 2012 um relatório onde indicava os setores chave para a descarbonização da economia: combustíveis fósseis, energia, infra estrutura, produção de alimentos, retirar os subsídios das atividades mais poluidoras. Isto em 2012!!! Não aconteceu.

Se o chamado “setor produtivo” quisesse muito já teria sido feito. O que se vê, no entanto, é a desregulação ambiental prosperar e também a proteção dos negócios: exemplos gritantes? EUA e Brasil.

Clubes de empresas éticas não vão alterar o estado da maioria dos grandes e pequenos negócios.

Barreiras tarifárias e alfandegárias, no curto prazo empobrecem os paises exportadores e causam sofrimento às populações. O propalado comércio ambientalmente limpo e socialmente justo não cola num mundo altamente competitivo e de escassez relativa (muitas vezes provocadas).

O xadrez da ecologização do capital financeiro e produtivo levará décadas e pode não apresentar os resultados esperados. Temos este tempo?

Retomarei estes tópicos no próximo texto.

Por agora, afirmo que nosso principal desafio está na escala e no tempo. E no campo ético, mais do que no político as usual.

*Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.
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