ODS 16

A crise do verdadeiro ou falso

As redes sociais foram criadas sob a égide da universalização do conhecimento. Elas serviriam para guiar a sociedade através de um oceano de conhecimentos e saberes. No final, mergulhamos em um mar revolto do “verdadeiro ou falso”.

A crise do verdadeiro ou falso

Por Dal Marcondes*, especial para a Envolverde –

Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
ODS 16

Hoje recebi de um amigo um vídeo onde um narrador português acusa a Organização Mundial de Saúde (OMS) a incentivar a sexualização de crianças ainda na primeira infância. Em tom sensacionalista o narrador acusa a OMS de ensinar crianças a se masturbar através de uma grotesca encenação onde uma mulher conversa com uma menininha e a legenda dá a entender que ela está falando sobre masturbação. Acontece que o áudio original da mulher em questão é ininteligível.

O diálogo é em uma língua incompreensível, o que permitiu a completa adulteração do que está sendo dito. Essa é uma técnica grotesca, uma vez que boa parte das pessoas não tem a menor ideia do que realmente está sendo dito. Para a maioria tanto faz se a personagem está falando inglês, francês ou grego. Portanto a farsa ganha ares de veracidade.

A discussão sobre o uso de redes para a manipulação da sociedade é um dos temas mais importantes do nosso tempo. Desde que esse debate começou a sociedade, e não apenas a brasileira, foi lançada em um pântano de incertezas, com informações que se contradizem e se anulam. O debate político não trata mais de questões sociais ou econômicas, mas de narrativas morais e ideológicas. É o aborto, a liberação das armas, a criminalização da maconha, o fim das saidinhas dos presídios e coisas do tipo.

A crise do liberalismo e da mídia

Onde ficam as discussões sobre políticas de desenvolvimento, educação, habitação, mobilidade e outras questões de dia a dia das famílias e da sociedade em geral? O liberalismo, professado historicamente pela direita, defende pautas de liberdade econômica e pessoal, não legisla sobre o corpo ou sobre hábitos pessoais.

Tudo isso vem em meio, também, a uma crise de credibilidade do jornalismo profissional. A indústria do jornalismo se acomodou em uma zona de conforto até o início deste século e não se preparou para o enorme tubarão no aquário representado pelas plataformas digitais. Essas plataformas abocanharam uma enorme fatia das receitas publicitárias e os meios tradicionais, jornais e revistas, ficaram com uma receita marginal.

Essa crise financeira e de modelos de negócios fragilizou a presença dessas mídias tradicionais em diversos setores sociais. As plataformas, por sua vez, ampliaram fortemente a oferta de conteúdos grátis, mas sem a garantia de veracidade. Essas variáveis, e muitas outras, formaram a tempestade perfeita no cenário da comunicação social.

O futuro do processo civilizatório e da capacidade social em divergir sem produzir inimigos depende de um pacto de civilidade, com o reforço da capacidade do jornalismo profissional em incidir com informações checadas. Por outro lado, é necessário fornecer à sociedade meios de se proteger do sectarismo e da mentira.

Comecei este texto defendendo a necessidade de implementar educação sexual nas escolas, os dados sobre isso estão aí e contra fatos não há argumentos. No Brasil um a cada sete bebês que nascem é filho de mãe adolescente. Por dia, 1.043 adolescentes se tornam mãe no Brasil. E, por hora, são 44 bebês que nascem de mães adolescentes, sendo que dessas 44, duas tem idade entre 10 e 14 anos.

Para que possamos evoluir em nosso arranjo social precisamos de mais uma disciplina nas escolas de todos os níveis: educação midiática. É preciso ensinar as pessoas a checar as informações que recebem. A grande maioria das chamadas “fake news” espalhadas pelas redes não se sustenta com uma simples checagem nos instrumentos oferecidos pelas próprias plataformas.  No entanto grande parte desse conteúdo é compartilhado milhares e até milhões de vezes sem que as pessoas se deem ao trabalho de “dar um google”.

*Dal Marcondes é jornalista com especialização em economia, meio ambiente, sustentabilidade e ESG. É fundador e editor do site e do Instituto Envolverde e reconhecido pela ANDI – Agência Nacional dos Direitos da Infância como um JACA – Jornalista Amigo da Criança.

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