Ambiente

Dia Nacional da Araucária, pouco a comemorar: Se aprovado, projeto de lei pode extinguir Floresta com Araucária do Brasil

Reportagem do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), Especial para a Envolverde – 

O projeto 537/2019, do deputado Emerson Bacil (PSL), representa uma nova tentativa de madeireiros para voltar a derrubar araucárias em áreas naturais, mesmo ignorando a legislação federal e a condição altamente crítica da degradação da Floresta com Araucária no Brasil

Um projeto de lei protocolado em 2019 pelo deputado estadual Emerson Bacil (PSL) está em trâmite na Assembleia Legislativa do Paraná e pode ocasionar a perda definitiva da biodiversidade que ainda existe na rica Floresta com Araucária. As poucas porções que sobraram desse ecossistema associado ao bioma Mata Atlântica no Brasil e no mundo, ainda sobrevivem em estados como o Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul.

O projeto 537/2019 está em análise na Diretoria Legislativa da Assembleia e ameaça as florestas nativas com araucárias de todo o Sul do país. O texto do projeto quer regularizar o corte das araucárias, o que, na prática, representa uma abertura sem qualquer amparo legal e que tem por objetivo a degradação das últimas áreas bem conservadas de Floresta com Araucária, que estão reduzidas a ínfimos fragmentos onde antes havia uma cobertura contínua, que abrangia 1/3 de todo o território paranaense, por exemplo.

Incoerente e repleto de equívocos, o PL chega a explicitar, em seu artigo 3º, a intenção do corte de araucárias adultas em remanescente nativos, ao dizer que “os recursos florestais das florestas plantadas de domínio privado do pinheiro-do-paraná, não sujeitos aos regimes de reserva legal ou de florestas protetoras previstas na legislação federal, são suscetíveis de “utilização sustentável”, condicionadas aos planos de manejo florestal, nos termos da legislação em vigor”. O termo “utilização sustentável” pode aqui ser substituído por “derrubada da vegetação nativa ameaçada de extinção para a exploração de madeira”.

A lei atual proíbe o chamado “manejo” – ou derrubada de araucárias – para garantir a sobrevivência da Floresta com Araucária no Brasil. Esse ecossistema foi amplamente degradado em décadas de exploração irresponsável e omissão do poder público, ao não fiscalizar os crimes ambientais, nem assegurar o pagamento das multas ambientais resultantes de autuações feitas pela fiscalização ambiental.

A prática do manejo florestal, ativo no Paraná até o ano de 2006, permite a retirada das árvores mais velhas da natureza e sugere que elas sejam substituídas por árvores novas. Ocorre que não existem mais áreas significativas para que essa prática seja implementada hoje em dia sem afetar de maneira definitiva a saúde dos poucos e últimos fragmentos bem conservados que ainda existem, ricos em biodiversidade. “Essa riqueza já não está mais presente nas áreas remanescentes em estágio de conservação mais degradado, que representa a grande maioria das áreas naturais que o Brasil ainda reúne”, explica Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS). Além disso, ele complementa, esses “planos de manejo” podem ser usados, muitas vezes, como um meio legal para o avanço da destruição da floresta e como uma forma de explorar a madeira ainda existente até a sua exaustão, abrindo espaços, na sequência, para, onde havia mata nativa, consolidem-se áreas para agricultura, pastagens e plantio de árvores exóticas, como o pinus e o eucalipto.

“Em menos de cem anos, a araucária teve parte importante de sua diversidade genética original perdida, principalmente, em virtude da exploração madeireira predatória e da drástica redução da cobertura original do ecossistema. Árvores mais antigas, e com genes responsáveis por características particulares, como produção superior de pinhões e madeira, foram priorizadas para o corte, já que forneciam madeira de melhor qualidade e em maior quantidade. Dados já publicados apontam uma perda genética superior a 50% na variabilidade da árvore”, lembra o botânico, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), João de Deus Medeiros.

Ele diz também que a conservação genética dessas espécies raras e ameaçadas precisa ser assegurada. “São exemplares que devem ser resgatados e cuidados como um patrimônio, sem sofrer com novas perdas. Apesar de apresentar efeitos extremamente drásticos, em alguns casos, a erosão genética pode ser atenuada. A constatação dessa condição precisa induzir políticas públicas e ações enérgicas imediatas”.

Pinha de Araucária – Araucaria angustifolia

Exploração histórica

Ao longo de décadas, o pinheiro-do-paraná e a Floresta com Araucária sofreram com a intensa exploração madeireira e com a colheita do pinhão fora de época, o que prejudica diretamente a disseminação da espécie. Tudo isso ocorreu com a omissão de órgãos ambientais, que revelaram incapacidade de fiscalizar os abusos.

Essa ausência de estratégias para a conservação do ecossistema se soma à intensa exploração comercial da madeira e aos graves problemas trazidos pela intensificação dos efeitos das mudanças climáticas que, segundo estudos apontam, podem, inclusive, levar a Araucária à extinção até 2070. Essa é a conclusão de um estudo da Universidade de Reading, no Reino Unido. Atualmente, segundo dados apresentados pela professora do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marcia Marques, as áreas remanescentes florestais de araucária estão diminuindo expressivamente. “A Floresta de Araucária é uma das mais ameaçadas do mundo”, alerta a professora. O cenário é ainda mais dramático quando se observa que, originalmente, a Floresta com Araucária cobria um território estimado em cerca de 20 milhões de hectares.

O pinheiro-do-paraná entrou para a chamada “Lista Vermelha das Espécies em Risco de Sobreviver” em 1998, sendo considerado raro na época. Em nova atualização, passou para a categoria “Vulnerável” e, desde 2006, foi para a categoria “Criticamente em Risco”, com redução de mais de 97% de sua ocorrência em relação à porção original.

Imagem Zig Koch
Corte autorizado de araucárias – São José dos Pinhais – PR

Cortar ao invés de proteger?

“As intenções deste projeto de lei são opostas a qualquer valorização de remanescentes naturais. A antiga premissa de exploração madeireira permanece e se ensaia a partir de novos projetos de lei que preferem buscar meios de cortar a floresta ao invés de protegê-la e valorizá-la. “Muito embora a retórica utilizada seja a de que cortando as “grandes árvores” se justifica economicamente a manutenção das áreas naturais, evitando o corte raso, em nenhum momento há uma avaliação adequada sobre as perdas de biodiversidade a partir destas intervenções. Com uma visão antiquada dominante, não se buscam alternativas que permitam a valorização de áreas naturais bem conservadas de Floresta com Araucária e Campos Naturais como espaços de produção de natureza, promovendo a disponibilidade de serviços ecossistêmicos como a água. Não existe realmente nenhum tipo de política pública de proteção desse ecossistema. É isso que promove a sua extinção”, diz Clóvis Borges. “O plantio de novas mudas não representa um paliativo em relação ao corte das árvores adultas. Essa prática coloca a biodiversidade em risco. Em contrapartida, o caminho ideal seria o de proteger todos os remanescentes que sobraram depois de décadas de supressão dessa formação vegetal”, explica a professora Márcia Marques.

Em audiência pública realizada em setembro do ano passado, Emerson Bacil, o autor do projeto de lei, disse que a lei que proíbe o corte da araucária inviabiliza a atividade agrícola, além de não proteger o meio ambiente. “Não precisamos deixar como está apenas porque a lei proíbe. Precisamos rever esta lei para que nossas florestas não diminuam. Hoje elas estão diminuindo”, disse.

Já o deputado Goura (PDT), presidente da Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais na Assembleia Legislativa do Paraná, defendeu que a tentativa de exploração do pouco que resta de Floresta com Araucárias no Paraná será desastrosa. “Não podemos misturar os temas. Uma coisa é definir políticas de preservação da floresta e outra a proposta de permitir o plantio de araucária para a exploração comercial em áreas já degradadas”. Para Goura, é fundamental que cheguem à Assembleia Legislativa propostas mais pertinentes a dar soluções alternativas à visão única da exploração da madeira nas pouquíssimas áreas remanescentes que ainda sobrevivem. Para ele, existem hoje elementos técnicos e ferramentas para dar sentido econômico às áreas naturais remanescentes no Sul do Brasil fora do contexto convencional, que já deveria estar superado. “A Floresta com Araucária e os Campos Naturais não só são áreas estratégicas para oferta de serviços ecossistêmicos, como são atrativos de excelência para o desenvolvimento do turismo de natureza”.

Quem é Emerson Bacil?

O deputado estadual Emerson Bacil é natural de São Mateus do Sul e nasceu em 6 de outubro de 1983. É um advogado e político brasileiro filiado ao Partido Social Liberal (PSL). Apoiou Jair Bolsonaro para a presidência em 2018. Casado, é pai de dois filhos. Na infância, disse em entrevistas ter ajudado o pai, Ulisses Bacil, na fumicultura. Aos 19 anos tornou-se diretor da Rádio Cultura Sul FM, da qual família é sócia-proprietária. Essa é uma das emissoras mais influentes e potentes do Sul do Paraná. Logo após ser eleito deputado, deixou a direção da emissora, que passou para a irmã Élica Bacil Barbisan. Ele tem na erva-mate, fumicultura produção de batatas, frutas e hortaliças, entre outros, suas áreas principais de trabalho. Integrou nas campanhas de 2018 a Coligação Endireita Paraná, formada por PSL, PTC e Patriotas. Durante a campanha, recebeu doações de R$ 75.512,50, segundo consta no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O principal doador foi o então candidato a deputado federal Rossi, cujo nome completo é Edenilso Rossi Arnaldi, que repassou R$ 41.012,50 à campanha de Bacil.

 Gaeco e denúncias de corrupção

Rossi foi denunciado em 2015 pelo Gaeco. Na época, foram denunciados o coordenador-geral do Tribunal de Contas do Estado, Luiz Bernardo Dias, o diretor-geral do órgão Angelo Jose Bizineli, além de Juliano Woellner Kintzel, da Diretoria de Licitações e Contratos, o ex-funcionário e ex-deputado estadual David Natanael Cheriegatiex e os empresários Edenilso Rossi e Pedro Henrique Rossi Arnaldi.

De acordo com o Gaeco, os seis denunciados formaram uma associação criminosa para, mediante corrupção, favorecer uma das empresas na licitação para a construção do prédio anexo do Tribunal de Contas, estimada inicialmente em R$ 40,831 milhões. Na ocasião, o coordenador-geral do Tribunal, Luiz Bernardo Dias, foi preso em flagrante junto com o proprietário da construtora Sial, que é o próprio Edenilso Rossi, ao sair da sede da empresa com R$ 200 mil em espécie. A empresa foi a vencedora da licitação.

De acordo com as provas colhidas na investigação, no entanto, a propina combinada com a empresa seria de mais de R$ 2 milhões, além de 10% do valor dos aditivos contratuais. Após a prisão, a licitação da obra foi suspensa pelo então presidente do TCE.

 Bolsa para a família

O pai de Emerson, Ulisses Bacil, foi três vezes vereador em São João do Triunfo e duas vezes pre

prefeito da cidade. Morreu em 2018.  Uma denúncia veiculada pela Rede Globo em 2004 mostrou irregularidades envolvendo o nome Bacil no programa Bolsa Família na cidade. A cunhada do então prefeito Ulisses Bacil estava recebendo o pagamento, destinado a famílias de baixa renda do Brasil para garantir acesso a serviços essenciais, como alimentação, saúde e educação básicas.

Projeto de lei permite monocultura de araucária

O projeto 495/2019, já aprovado na Assembleia Legislativa do Paraná na primeira quinzena de maio, de autoria do primeiro secretário da Assembleia, deputado estadual Luiz Claudio Romanelli (PSB) e dos deputados Hussein Bakri (PSD) e Emerson Bacil (PSL), regulamenta o plantio e o posterior corte dos pinheiros em áreas já degradadas, ou seja, fora de remanescentes naturais

A proposta tem o objetivo de fomentar a atividade econômica no Paraná e se aplicaria apenas aos pinheiros plantados para fins comerciais. A lei, que já foi sancionada pelo governador Ratinho Jr. (PSD), permite a exploração comercial do pinhão e da madeira a quem plantar araucária fora dos remanescentes naturais nativos, das Reservas Legais, das Áreas de Preservação Permanente e demais áreas protegidas.

Por meio do projeto, será obrigatório cadastrar a plantação junto aos órgãos ambientais estaduais, informando tipo e idade da plantação, espaçamento e número de mudas, e produto a ser explorado. Também será preciso declarar previamente a exploração para que seja possível controlar a origem dos produtos e ainda que a propriedade esteja inscrita no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Para o diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges o governo deveria primeiro pensar em medidas protetivas, até hoje relegadas a último plano. No entanto, não há um risco determinante em relação a aprovação desta Lei. “Esse projeto considera uma árvore nativa, que é araucária, como uma espécie de exploração econômica a partir de formações de monocultura, fora de áreas naturais, assim como temos a monocultura dos pinus e dos eucaliptos. Não fomos contrários a esta Lei em função de não haver relação com o plantio econômico e a conservação da Floresta com Araucária”.

“O Paraná virou uma fazenda mecanizada”, diz especialista

Uma rápida avaliação da situação atual demonstra que as últimas áreas naturais do planalto paranaense são, hoje, pequenos fragmentos dispersos. A maioria do território foi transformada em áreas agrícolas, pastagens, plantações de árvores e cidades.

“De uma forma geral transformamos o território paranaense numa grande fazenda mecanizada, com centros urbanos que concentram a maioria da população, dentro de um modelo de desenvolvimento que abriu mão de considerar as áreas naturais como parte relevante da paisagem e também como provedora de serviços para os negócios e nosso bem-estar”, afirma Clóvis Borges.

Ele explica que ao longo das últimas décadas as florestas nativas foram usadas para o extrativismo madeireiro, que devastou as ricas florestas nativas do Paraná. “Ademais, a visão madeireira ainda permanece presente, com uma perspectiva de se buscar a exploração do que ainda resta”, constata.

Nessa toada, os deputados estaduais aprovaram a lei que permite e incentiva o plantio da espécie araucária para fins comerciais. “Conforme este instrumento, novos plantios, desde que efetivados em áreas já degradadas e sem impedimentos legais, podem ser exploradas à frente e se limitam praticamente a monoculturas de árvores, afirma.  Não é, contudo, uma medida para a preservação e conservação ambiental. “Essa lei regulamenta tão somente o plantio econômico. O Governo continua devendo ações consistente no campo da conservação e está permitindo que nossos ecossistemas desapareçam por completo”, ressalta.

Imagem Zig Koch
Pinha e pinhões – Sementes comestíveis da Araucária angustifolia

Empresa francesa pode condenar remanescentes de Floresta com Araucária e Campos Naturais

No fim de maio, bem durante o período de reprodução da semente da árvore-símbolo do Paraná, a Araucária, a multinacional francesa Engie foi responsável por uma das cenas recentes gravadas mais tristes do ano.

Segundo testemunhas, que compartilharam vídeos em que araucárias centenárias eram colocadas ao chão sob a trilha sonora de motosserras, cerca de 90 delas podem ter sido cortadas na região de Campo Largo, na região Metropolitana de Curitiba.

Ironicamente, o nome do projeto que promove os cortes com a intenção de instalar mais de mil quilômetros de linhas de transmissão em áreas naturais de 24 municípios paranaenses se chama “Gralha Azul”, a ave-símbolo também do Paraná e uma das espécies dispersoras do pinhão.

A empresa venceu um leilão federal para a instalação de mais de mil torres de transmissão de energia, muitas passando por áreas extremamente importantes do ponto de vista cênico e da conservação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, na região dos Campos Gerais. Algumas das quedas destruíram até a plantação agroecológica de Leandro Schepiura, um produtor local, que viu as toras das araucárias estiradas no chão, esmagando parte do pomar e da horta que ele cultivava há pelo menos dois anos. A cerca viva, que protegia a produção de contaminação pelos agrotóxicos dos vizinhos, segundo Leandro, também foi roçada. “Simplesmente, de um dia pro outro, entraram no espaço e derrubaram as araucárias em período de produção, sendo que isso é proibido por lei. E roçaram a cerca-viva, que é uma exigência, porque a gente é certificado orgânico. Então, agora estamos correndo o risco de perder o certificado por causa deles”, disse em entrevista ao jornal Plural. Segundo ele, o dono da área autorizou a entrada dos funcionários da empresa e não avisou os arrendatários. “O supervisor me falou que já abateram muitas araucárias. E cada propriedade é numerada. A nossa é a de número 100. Teve lugar em que foram abatidas quase 100 araucárias em uma única propriedade. Já pensou?”, questiona Leandro.

Os vídeos e mais informações sobre o caso foram compartilhadas nas redes sociais do OJC.

Todas as imagens são de Zig Koch

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