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Mineração congela o mapa das geleiras

Buenos Aires, Argentina, 23/3/2012 – Desde o final de 2011, cientistas da Argentina realizam um inventário de geleiras para sua preservação e controle, mas não conseguem obter acesso à área mais crítica, onde coincidem os gelos com projetos de mineração de grande escala. Foi em razão desses empreendimentos suspeitos de contaminação que instituições ambientalistas passaram a reclamar insistentemente uma lei que proteja a contaminação dos glaciais argentinos ao longo do ocidente do país, junto à Cordilheira dos Antes.

A primeira iniciativa foi convertida em lei em 2008, mas a presidente Cristina Fernández, no poder desde dezembro do ano anterior, a vetou por considerar que afetava o desenvolvimento das províncias mineradoras, ao limitar a atividade econômica em torno das geleiras. Dois anos depois, um novo projeto obteve consenso. A lei de Orçamentos Mínimos para a Preservação das Geleiras e da Área Periglacial, aprovada em 2010, declara esses campos de gelo “reservas estratégicas de recursos hídricos”.

A lei proíbe a mineração nessas áreas e ordena a proteção das geleiras porque estas preservam água para consumo humano e agricultura, além de enriquecer a biodiversidade e serem atração turística. A norma também determina a criação de um Inventário Nacional de Geleiras, que forneça “a informação necessária para sua adequada proteção, controle e monitoramento” a cargo do Instituto Argentino de Nivologia, Glaciologia e Ciências Ambientais (Ianigla). Ordena, ainda, que esse inventário comece por onde já existem projetos de explorações mineiras ou de hidrocarbonos, e que estas atividades sejam suspensas e seus responsáveis multados, caso se comprove que contaminam.

Ricardo Villalba, diretor do Ianigla, disse à IPS que o inventário começou no final de 2011. Já está finalizado na província de Mendoza, e bem avançado em Santa Cruz. Villalba explicou que o Instituto está criando uma série de núcleos regionais para que coordenem o trabalho de campo e o mapeamento com instituições acadêmicas das províncias onde há geleiras, no oeste do país junto à Cordilheira.

Entretanto, admitiu que a tarefa ainda não começou na província central de San Juan, onde já funcionam dois grandes projetos de mineração, a cargo da empresa canadense Barrick Gold, a maior do mundo em exploração de ouro a céu aberto. O diretor do Ianigla declarou que a administração provincial determinou que sejam técnicos da Universidade Nacional de San Juan a realizarem a capacitação para o monitoramento, e que o governo central “não colocou obstáculos” ao demorado trabalho.

A nova lei de geleiras estabelece que as atividades de mineração, de hidrocarbonos, as grandes obras de infraestrutura e a utilização de substâncias químicas estão proibidas em áreas de geleiras ou periglaciais, onde ocorrem os processos de transformação da água em gelo.

Mediante uma disposição transitória foi determinado que o inventário deve começar por “áreas prioritárias”, aquelas onde já funcionam atividades econômicas, em um prazo não maior do que 180 dias após a promulgação da lei.  Contudo, com dois recursos de amparo apresentados à justiça, a Barrick Gold conseguiu suspender a aplicação da lei em San Juan, sob o argumento de que é “inconstitucional” por travar a atividade econômica na província. Por se tratar de um questionamento da constitucionalidade da lei, é o Supremo Tribunal de Justiça que deve dar a palavra final.

O governo provincial apoiou tacitamente a posição da empresa e não convocou de forma urgente o Ianigla, explicou Villalba. Por isso, o Instituto ainda não trabalha nessa área de geleiras onde a transnacional tem seus projetos. “As províncias são as autoridades competentes para determinar qual é uma área prioritária. O Instituto só responde pela realização do estudo no prazo de cinco anos”, acrescentou.

Desde 2005, a Barrick explora em San Juan a mina a céu aberto de Veladero, com vida útil de 14 anos, que fornecerá 11,4 milhões de onças de ouro. Para processar o mineral utiliza o contaminante método de lixiviação (extração composta de sólido e líquido) com cianureto. A partir de 2013, também estará produzindo outras 14,4 milhões de onças de ouro na mina de Pascua Lama, a primeira exploração binacional que se realiza em San Juan, do lado argentino, e na região de Atacama, no Chile.

Para o projeto, que também utiliza essa mesma tecnologia, a empresa pretende deslocar três geleiras, mas, diante das queixas de ambientalistas e moradores da área, dos dois países, se comprometeu a evitar esse movimento. De todo modo, diversas organizações ecologistas, com base em estudos de impacto ambiental da própria empresa, garantem que a Barrick está afetando geleiras e áreas periglaciais.

“Barrick: Mineradora responsável por destruir geleiras”, título de um documento publicado pela organização Greenpeace em julho de 2011, denuncia que os projetos de Veladero e Pascua Lama se desenvolvem em geleiras e ambiente periglacial. “A mineração afeta as geleiras na fase de prospecção e exploração”, insiste o informe, bem como com “sua remoção, construção de estradas, perfuração e uso de explosivos, e o levantamento de poeira que acelera seu derretimento”.

A Barrick “nega que esteja atuando sobre áreas glaciais e periglaciais, mas fizemos os estudos e acreditamos que há uma ocultação intencional da informação”, disse à IPS o ambientalista Gonzalo Strano, do escritório do Greenpeace na Argentina. Ele descreve as declarações da mineradora, que assegura não estar afetando as reservas de água doce. “Se não causa impacto nas geleiras, por que apresentou os recursos de amparo para deter a aplicação da lei?”, perguntou.

Para Strano, “é fantástico” que se esteja começando a realizar o inventário, mas duvido que os cientistas possam entrar nas áreas de exploração em San Juan com a urgência necessária. “A Cordilheira dos Andes é uma zona prioritária para o monitoramento, mas, sobretudo, a província de San Juan, onde estão sobre a mesa mais de 150 projetos de mineração, do total de 600 que há no país”, acrescentou.

Diante desta negativa em controlar o que ocorre na província, este mês, o Greenpeace e outras organizações não governamentais, como Fundação de Meio Ambiente e Recursos Naturais e Associação de Advogados Ambientalistas, apresentaram uma solicitação ao Supremo Tribunal. Nela pedem o “fim imediato” da atividade da Barrick em Veladero, que estaria descumprindo a lei de geleiras, e a realização “urgente” do inventário na província de San Juan. Envolverde/IPS