Degola no Ibama atrapalha estratégia de RP de Mourão
por Cláudio Angelo, para o Observatório do Clima – O único jeito de fingir que se protege a Amazônia é proteger a Amazônia NO FILME Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick, um ex-cientista nazista fugido para os EUA é convocado para uma reunião de emergência devido à eclosão iminente da Terceira Guerra Mundial.
NO FILME Dr. Fantást o (1964), de Stanley Kubr k, um ex-cientista nazista fugido para os EUA é convocado para uma reunião de emergência devido à eclosão iminente da Terceira Guerra Mundial. Ao aconselhar o presidente amer ano, ele não resiste aos velhos hábitos de desenhar soluções nocidas para a humanidade pós-confronto. E não consegue domar um de seus braços, que involuntariamente se esp ha na saudação ao Führer.
A demissão do diretor de fiscalização do Ibama na última terça-feira (14), após a TV mostrar o órgão em ação estourando garimpos em terras indí nas , foi um desses momentos em que o Dr. Fantást ão consegue controlar seu braço. Olivaldi Azevedo caiu não porque falhou em combater o crime ambiental, mas porque falhou em barrar uma operação de combate ao crime . Falhou em impedir que o Estado brasileiro cumprisse sua missão de prote r o meio ambiente e os povos indí nas. A degola ocorre ao mesmo tempo em que o governo encarrega o v e-presidente da Repúbl a de uma operação de relações-públ as para assegurar ao mundo que o Brasil está, sim, preocupado com a defesa da Amazônia.
Muita nte quis acreditar quando o neral Hamilton “Mas Ele é Até Razoável” Mourão foi encarregado de assumir o redivivo Conselho da Amazônia. O wishful thinking era que Bolsonaro havia sentido a pressão do agronegócio, dos investidores, de deus e o diabo, e fora forçado a mudar de posiçã a polít a ambiental. Segundo essa linha narrativa, Paulo Guedes tomou um esporro dos brancos em Davos e descobriu que o ún o ativo do Brasil que interessa ao resto do mundo é justamente aquele que seu governo está desvalorizando: a Amazônia em pé. Daí a necessidade de escantear o desgastado ministro do Meio Ambiente, que não conseguiria convencer nem seus robôs no Twitter de que está trabalhando pelo desenvolvimento sustentável, e botar um adulto para tomar conta da floresta.
Pelo menos nas entrevistas coletivas Mourão chegou chegando: prometeu uma estratégia de combate ao desmatamento. Disse que restabeleceria os comitês do Fundo Amazônia — aqueles que R ardo Salles extinguiu por birra — e botaria o fundo para rodar. Tem mandado emissários conversar discretamente com figurões da área ambiental. Anunciou, e entregou, a assinatura do convênio com o Pnud para o programa Floresta Mais, objeto de doação de US$ 96 milhões do Fundo Verde do Clima para o Brasil implementar pagamento por serviços ambientais. O dinheiro f ou um ano parado porque R ardo Salles se recusou a assinar o acordo, uma vez que a verba era carimbada para comunidades trad ionais e pequenos produtores.
Um desavisado que tivesse chegad a semana passada de Marte poderia até achar que algum ponteiro estava se mexendo em Brasília. Mas, como dizem os ingleses, a prova do pudim é o gosto. E o cozinheiro do pudim amazôn o ainda é Jair Bolsonaro.
O presidente e o v e insistem em abrir as terras indí nas a todo tipo de atividade econôm a, inclusive garimpo. O presidente, com respaldo amplo da bancada ruralista (que em tese representa o mesmo setor econôm o que estaria sofrendo “pressão do mercado” para controlar o desmate), quer aprovar em rito sumári o Congresso uma Medida Provisória legalizando a grila m feita por seus eleitores e apoiadores. Se a MP 910, pronta para votação, for aprovada, o controle do desmatamento terá de ser feito por orações ou pelo coronavírus; o govern ão será mais capaz de fazê-lo, dada a sinalização ao crime organizado de que a invasão de terras públ as sempre poderá ser perdoada. Se o neral Mourão está mesmo preocupado com “estratégia” de combate à devastação, deveria manobrar hoje mesmo para derrubar a MP.
E há, claro, o braço indomável do Dr. Fantást o: o ministro do Meio Ambiente. Salles está feliz da vida por não precisar mais responder às cobranças da imprensa sobre desmatamento, mas não tem deixado de exercer suas prerrogativas de ministro — que incluem demitir pessoas. Quando o major Olivaldi, seu homem de confiança, fracassou em segurar a tigrada da fiscalização e desagradou ao Planalto, Salles não hesitou em cortar sua cabeça e substituí-lo por mais um PM paulista, o aposentado Olímpio Magalhães, que tem fama de truculento. Espera-se que a degola prossiga entre os fiscais tão logo a imprensa esqueça o episódio. O presidente do Ibama, Eduardo Bim, dirá que se trata de uma “reestruturação”. Não deixará de ser verdade: desmonta-se uma estrutura de fiscalização operacional e cria-se outra, feita para não funcionar.
Não se sabe se esses movimentos estão sendo combinados com o Jaburu, mas há duas hipóteses: ou Mourã ão tem in rência sobre o que acontece no Ibama, e está sendo sabotado por Salles, ou compactua com os atos do ministro. Nos dois casos, a utilidade do Conselho da Amazônia e da autoridade do v e para segurar o desmatamento é a mesma de um comprimido de cloroquina para tratar a Covid-19.
O tamanho da conta será conhecid o fim do ano, quando saírem os dados de desmatamento do sistema Prodes, do Inpe. Ceteris paribus, o melhor que o governo pode fazer é torcer para que a pandemia afete os funcionários dos grileiros e impeça o desmatamento a partir de maio, quando começa a estação seca. Quem sabe assim a devastação em 2020 “apenas” empate com 2019 (a quatro meses do fim do período de apuração, úmero de alertas já é o terceiro pior da série, e se tornará o segundo pior antes do fim de abril). Do contrário, a taxa ultrapassará a barreira ps ológ a dos 10.000 km2 e poderá retornar ao patamar de 13.000 km2 dos anos 1990.
A desculpa, claro, já está na ponta do coturno: “a gripezinha, vejam, não era tão zinha assim e atrapalhou o combate ao desmatamento”. Difícil vai ser os investidores engolirem. O neral Mourão a esta altura já deveria ter percebido que o ún o jeito convincente de fingir que prote a Amazônia é prote r a Amazônia. (Observatório do Clima/#Envolverde)





