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Exploração sexual ainda é tabu e invisível no Brasil

por Bruna Ribeiro para Rede Peteca –  Pelas ruas do Jardim Ângela, no extremo sul de São Paulo, duas meninas foram abordadas pela equipe da assistência social no início desse ano. Com 12 e 13 anos, elas sinalizavam com o corpo, as roupas e a postura que eram vítimas de exploração sexual.

Atualizado em 07/03/2019 às 22:03, por Redação Envolverde.

por   para Rede Peteca – 

Pelas ruas do  Jardim Ângela , no extremo sul de São Paulo, duas meninas foram abordadas pela equipe da assistência social no início desse ano. Com 12 e 13 anos, elas sinalizavam com o corpo, as roupas e a postura que eram vítimas de  exploração sexual . Mas ao serem abordadas pela equipe de orientadores, disseram que estavam “apenas” trabalhando, vendendo balas que não carregavam.

O que nem todo mundo sabe é que a exploração sexual  (conhecida por muitas pessoas pelo termo prostituição infantil)  é, sim, considerada uma das  piores formas de trabalho infantil . A classificação está de acordo com a Lista TIP, instituída pelo  decreto Nº 6.481/2008 , que regulamentou termos descritos na  Convenção 182  da Organização Internacional do Trabalho ( OIT ).

Crédito: Shutterstock/Jose As Reyes

Segundo  Vanessa Helvécio , coordenadora do Centro de Referência Especializado de Assistência Social  ( CREAS ) M´Boi Mirim, os casos de exploração sexual são muito incomuns e quase nunca são assumidos, o que não significa que não existam.

“Precisamos proteger as crianças e os adolescentes, além do encaminhamento criminal, que não é feito por nós. O processo de exploração é bastante diferente dos casos de  abuso sexual , mais comuns por aqui”, diz.

Os abusos geralmente são cometidos por pessoas conhecidas da vítima e não envolvem dinheiro. Já a exploração geralmente ocorre com pessoas de fora do círculo social. Além disso, Vanessa disse que a exploração ocorre em territórios mais centrais, como Pinheiros, Lapa e Moema, apesar das crianças e adolescentes explorados serem moradores da periferia.

Ainda de acordo com Vanessa, o baixo índice de denúncias também têm a ver com fatores culturais que naturalizam a violência. “Ouvimos muitas falas que culpabilizam as vítimas, principalmente quando são são meninas. O tabu também é grande, pois é um problema de polícia e não apenas de proteção. Se existe exploração é porque alguém explorou e esse alguém é um criminoso. Os melindres também passam por aí.”

Encaminhamento

O enfrentamento ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes é realizado de forma articulada entre os órgãos que compõe o  Sistema de   Garantia de Direitos.

Na cidade de São Paulo, a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social ( SMADS ) possui 24 serviços de Proteção Social à Criança e Adolescente Vítimas de Violência, Abuso e Exploração sexual (SPVV), que dispõem de mais de duas mil vagas.

De acordo com a SMADS, no ano de 2018, foram atendidas 43.096 pessoas, inclusive familiares e em alguns casos os agressores. A predominância do atendimento foi do sexo feminino, sendo 62% do total. Todos passam por atendimento individual e atividades que visam à proteção das vitimas e encerramento do ciclo de violência.

Segundo informações do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, no primeiro semestre de 2018, foram 1.182 denúncias de Abuso Sexual infantil por meio do  Disque 100.

O relatório  Out of the Shadows publicado em janeiro pela revista britânica  The Economist,  revelou como 40 países, que cobrem 70% da população global com menos de 19 anos, enfrentam o problema.

O Brasil apareceu como 11º melhor colocado, com 62,4 pontos, ficando abaixo da Austrália, Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul, Itália, França e Japão. O país está acima da média do grupo, que é de 55,4 pontos.

O estudo destacou os marcos legais, assim como o envolvimento do setor privado, da sociedade civil e da mídia. O  Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) , por exemplo, é considerado uma das leis de proteção às crianças e aos adolescentes mais avançadas do mundo.

Em 2018, também entrou em vigor a  Lei da Escuta Protegida (3792/15) , da deputada  Maria do Rosário (PT-RS)  e de outros parlamentares. Ela exige integração entre os  órgãos de atendimento de crianças e adolescentes , que deverão atuar conjuntamente.

A criança será ouvida preferencialmente uma vez só pela polícia e pelo Judiciário, por meio de profissionais que precisam ser capacitados para promoverem as entrevistas com  as crianças vítimas de violência.  Dessa maneira é evitada a revitimização.

Atendimento psicológico

Visando justamente promover a escuta protegida e evitar a revitimização, os  psicólogos  Rogério Carvalho  e  Jamille Georges Reis Khouri  desempenham um importante trabalho no SPVV Casa Verde.

“Atuamos com as famílias das vítimas e buscamos ressignificar a vida delas, pois é preciso seguir. Se a mãe revive o que aconteceu a todo momento, a superação se torna muito difícil”, diz Rogério, que também coordena o serviço.

Segundo Jamille, o trabalho lúdico, a partir de jogos, arte e brincadeiras, oportuniza um caminho, evitando a revitimização. “O processo de  relatar a violência muitas vezes gera ainda mais traumas do que o ato gerou , ainda mais se a pessoa que está na escuta não é preparada”, comenta a psicóloga.

O trabalho com as famílias também visa combater a cultura que normaliza o abuso e a exploração sexual. “O problema é cultural, com ligação ao patriarcado e à cultura do estupro, a partir do entendimento de que o corpo da criança pode ser manipulado pelo adulto”, diz Rogério.

Ainda de acordo com o coordenador, é também essa cultura que leva as pessoas a não denunciarem quando ficam sabendo de algum caso de exploração sexual, levando à subnotificação.

Subnotificação

Apesar de todas as políticas, o Brasil enfrenta o grande desafio da subnotificação. As poucas denúncias acabam resultando em dados incompatíveis com a realidade. Para  Luciana Temer , Diretora Presidente do  Instituto Liberta , a exploração sexual ainda é um tema nebuloso e escondido.

“Quando falamos de exploração sexual, muitas pessoas não sabem do que estamos falando, pois este é o termo correto, embora seja recorrente falarem em prostituição infantil. O tema ainda é uma ignorância no Brasil, pois uma boa parte não o reconhece como um problema, porque não acha que é um crime. A outra parte sequer sabe que existe”, comenta Luciana.

A naturalização da prática tem a ver com a cultura de responsabilização da vítima pela violência sofrida. Frases como “ela não era mais virgem, ela gostou ou ela usou o dinheiro para ajudar a família” são mitos a respeito da exploração sexual. Para Luciana, a violência é um  grave problema social , pois está relacionada à miséria.

“Muitos meninas e meninos explorados  deixam a escola  e muitas  meninas engravidam . Os filhos nascem sem estrutura nenhuma e caem no colo do estado, perpetuando o ciclo da pobreza”, diz a diretora.

Possíveis caminhos

Ainda de acordo com Luciana, em primeiro lugar, é preciso fazer com que a exploração sexual se torne um problema no Brasil. “Sabemos que a política pública só nasce a partir da pressão social. O governo não vai atender demandas que não são clamadas pela sociedade. Por isso precisamos deixá-la desconfortável com a violação.”Possíveis caminhos

Além da comunicação,  por meio de campanhas  e do levantamento de dados, o Instituto Liberta, que atua diretamente na causa, acredita que a educação tem um papel fundamental na rede de proteção.

“O primeiro lugar que a  situação aparece é na escola . Como é ela que vai endereçar a demanda, os educadores precisam saber que existe uma rede protetiva.  Há um registro de ocorrência escolares, conhecido como ROE, onde os professores anotam casos significativos. Esse é um canal muito importante que incentivamos em nossos projetos. Não é responsabilidade dos educadores resolverem a situação, mas falar com quem tem competência”

Muitas vezes as crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual precisam de apoio de toda a comunidade até mesmo para reconhecerem que estão sendo violadas. Para Luciana, como eles estão inseridos no processo de violência, pode ser que nem entendam aquele ato como violento, pois é naturalizado.

“Nós encomendamos uma pesquisa que revelou que 64% das pessoas que sabem que exploração sexual é crime optam por não denunciar. É possível perceber que existe essa dimensão da falta de importância e da culpabilização da vítima. Mas sem os dados que retratem a realidade, fica ainda mais difícil de atuar na erradicação do problema. Por isso sempre convidamos todos a se envolverem. Disque 100 e denuncie”, convida.

Exploração sexual no Carnaval

Por meio da Comissão Municipal de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (CMESCA) e com apoio da  Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil , a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) lança a campanha “ Escolha Ver: Exploração Sexual é Crime ”, na quinta (28), durante o bloco de rua Grito de Carnaval.

A concentração será às 9h, no Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo. Também em conjunto com a Comissão Municipal de Enfrentamento ao Trabalho Infantil (CMETI), a ação tem como foco o combate à exploração sexual no Carnaval, como uma das  piores formas de trabalho infantil.

Depois de apresentações culturais de crianças e adolescentes atendidos pelos  serviços da assistência , o grupo desfilará pelas ruas da região central e retornará ao local de partida, para o encerramento do evento. O samba enredo conta com a bateria dos grupos Unidos da Rua e Dom Bosco. DJ Valter Nu completa a festa. Haverá também panfletagem com os canais de denúncia para os casos de exploração sexual.

Desde 2005, o Grito visa mobilizar os setores do governo e da sociedade civil acerca da problemática da violência, abuso e  exploração sexual de crianças e adolescentes , previsto no  Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A expectativa de público é de mais de mil pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos atendidos pela rede socioassistencial, funcionários da SMADS e representantes de organizações sociais.

Segundo o secretário da SMADS, José Castro, enfrentar o problema da exploração sexual infantil é fundamental para garantir o  desenvolvimento humano integral deste público.  “Assim, quando a administração pública se une à sociedade civil com esse intuito, o trabalho torna-se mais efetivo.

(#Envolverde)