O que esperamos da COP30
Observatório do Clima - A COP30, trigésima Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (UNFCCC), começa no dia 10 de novembro em Belém sob o contexto mais desfavorável à ação climática desde 1992. Eventos climáticos extremos como o furacão Melissa aceleram no mundo todo à medida que nos aproximamos da ultrapassagem (overshoot) do limite de temperatura de 1,5oC; ao mesmo tempo, a cooperação internacional se esfacela na esteira de guerras, genocídio, protecionismo comercial e autoritarismo político. Os Estados Unidos, maior emissor histórico do planeta, não apenas saíram do Acordo de Paris como jogam ativamente contra ele. Após o desastre da COP29, quando os países em desenvolvimento foram forçados a um mau acordo sobre financiamento, a desconfiança entre as nações está na estratosfera.

por Observatório do Clima -
A agenda de clima, apesar de mais urgente, está paradoxalmente despencando da lista de prioridades dos governos. Não há melhor indicador disso do que o fato de que apenas 15% dos países cumpriram o prazo de submissão de suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), em fevereiro. No final do prazo prorrogado do Relatório-Síntese da UNFCCC, em 30 de setembro, apenas 64 novas NDCs, cobrindo cerca de 30% do total das emissões globais, foram apresentadas. Somadas, elas colocam o mundo em rota para reduzir globalmente as emissões projetadas em apenas 4% em 2035 em relação a 2019, ao invés dos 60% indicados pela ciência para termos alguma chance de salvaguardar a meta de 1,5oC.
O próprio anfitrião parece ter perdido o apetite em relação ao principal evento internacional do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de a Casa Civil negligenciar por dois anos e meio a logística de Belém, a COP terá participação reduzida de delegações e da sociedade civil. E Lula não se constrangeu ao licenciar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas a menos de 20 dias da COP, após declarar que “nenhum país está pronto para abrir mão do petróleo”.
Apesar de tudo isso, Belém não pode ser uma COP apenas para cumprir calendário. A humanidade não pode se dar ao luxo de perder mais um ano sem ação climática decisiva, e o Acordo de Paris precisa ser reforçado e não rejeitado: ele é, afinal, a única coisa que nos separa hoje de um aquecimento global de 3oC ou mais. A COP30, que marca o primeiro decênio do acordo, precisa entregar resultados consistentes em todos os seus pilares para aumentar a ambição da ação climática, implementar os compromissos que já existem e recuperar a confiança na UNFCCC. E é fundamental que o eixo norteador para as decisões sejam os direitos humanos, o protagonismo das comunidades tradicionais, o combate ao racismo ambiental e a justiça climática. Não é tarde demais para isso.
Além de avanços imprescindíveis nas negociações, que passam por uma resposta à insuficiência das NDCs e pela implementação das decisões do Balanço Global, principalmente no que diz respeito às causas da crise climática (combustíveis fósseis e desmatamento), Belém pode, na melhor hipótese, deixar um importante legado para a sociedade brasileira ao causar um efeito catalisador da ação climática. A cobertura de imprensa sem prececentes na Zona Azul, onde ocorrem as negociações, se soma a uma cidade que ferverá durante duas semanas com debates, exposições, palestras, apresentações culturais e manifestações da sociedade civil. A Cúpula dos Povos, composta por mais de mil organizações e coletivos, reunirá movimentos sociais na primeira semana para apresentar demandas à negociação e, após três COPs consecutivas em ditaduras, uma grande marcha pelo clima ocorrerá no primeiro sábado da conferência, dia 15.
O Observatório do Clima espera que o espírito do “mutirão” de Belém contamine não apenas os negociadores, mas também a sociedade brasileira e o eleitorado, que irá às urnas em 2026 e terão a chance de substituir o pior Congresso da história e de evitar o retorno da extrema-direita ao poder.
O que a COP30 precisa entregar:
- NDCs e ambição
A COP30 precisa garantir uma resposta política ao gap de ambição das NDCs que seja crível. A resposta à lacuna de ambição e implementação não é parte da discussão formal e precisa ser tratada no mais alto nível político, que é a Cúpula de Líderes nos dias 6 e 7, com uma declaração/comunicado de Chefes de Estado/Governo promovendo um sinal de estabilização que (i) reconheça o problema, a lacuna, sua gravidade e urgência; (ii) reafirme o comprometimento com os objetivos do acordo de Paris; e (iii) chame as nações a acelerarem a redução de emissões nesta década crítica e acelerarem a implementação dos objetivos Balanço Global do Acordo de Paris, tudo isso em linha com os princípios de justiça e equidade. Esse comunicado ou Declaração Conjunta dos Líderes pode ser construído com uma estrutura aberta, que permita que outros países se juntem posteriormente.
O Presidente Lula fez uma sinalização nesse sentido na abertura da Cúpula dos líderes ao dizer que “precisamos de mapas do caminho para, de forma justa e planejada, reverter o desmatamento, superar a dependência dos combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos”. Agora é preciso que os demais líderes se somem a esse chamado.
Após uma forte declaração de líderes nesse sentido, idealmente haverá espaço e apetite para a criação formal de um fórum anual de alto nível dentro das negociações, por meio de uma decisão de capa ou similar, para promover esse chamado de acelerar a implementação das NDCs e do GST com relatórios encomendados a comitês de especialistas que abordem as barreiras, a cooperação internacional e os facilitadores sistêmicos. Caso não haja apetite, ainda é possível a sua criação via uma iniciativa do Brasil, como país anfitrião, ou dele juntamente com uma coalizão de países.
Tal fórum ambiciona ser o lançamento de um processo técnico e político para acelerar a implementação, envolvendo discussões setoriais e diferentes ministros (de energia, finanças, ambiental e das relações exteriores), com a participação de governos, bancos multilaterais de desenvolvimento, especialistas e sociedade civil, e que possam levar a recomendações acordadas.
- Transição para longe dos combustíveis fósseis
Na esteira do chamado do Presidente Lula de termos um mapa do caminho para superar a dependência dos combustíveis fósseis de maneira justa e planejada, a COP30 tem a oportunidade de dar uma resposta forte à causa primordial da crise do clima, os combustíveis fósseis. É preciso avançar em critérios internacionalmente consensuados que permitam implementar a decisão do parágrafo 28 do Balanço Global de fazer uma “transição justa, ordenada e equitativa para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos”, com vistas a um processo internacional para a definição de um calendário para essa transição, conforme expressou o Brasil em sua NDC.
Para isso, o maior exemplo de liderança seria a COP30 mandatar o processo de criação de um mapa do caminho para a transição energética, que detalhe o que seria justo, ordenado e equitativo, visando ao estabelecimento de um calendário para a transição.
Tal processo atenderia a dois chamados da Presidência Brasileira: o de ser a COP que mantém o multilateralismo vivo ao mostrar que ele funciona e que ele é capaz de responder aos desafios e mostrar comprometimento com as decisões já adotadas pelas partes, e o de ser a COP de implementação, ao dar consequência ao que foi acordado no Balanço Global.
- Natureza, biodiversidade e sistemas alimentares
Também seguindo a esteira do chamado do Presidente Lula, a COP30 também deve dar concretude às próximas etapas do compromisso do Balanço Global de interromper e reverter o desmatamento e a conversão de ecossistemas até 2030. Isso pode ocorrer como parte do processo técnico e político descrito acima para acelerar a implementação das NDCs e do GST com a criação de um mapa do caminho para acabar com o desmatamento e a degradação florestal até 2030. Também pode ser feito por meio de outra decisão relevante que adote um plano de ação para eliminar o desmatamento e a degradação florestal até 2030, abordando financiamento, vetores de desmatamento e direitos e conhecimentos de povos indígenas, afrodescendentes e comunidades tradicionais e locais. Essa abordagem abre espaço para ancorar a transformação dos sistemas alimentares como uma alavanca fundamental para acabar com o desmatamento.
Além disso, é mais que passada a hora de se estabelecer um Programa de Trabalho dedicado às sinergias entre Clima e Natureza como espaço permanente de discussão que assegure coerência política entre os regimes de clima, biodiversidade e solos. Essa governança deve alinhar as metas climáticas das três Convenções do Rio, incorporando perspectivas de integridade de ecossistemas e co-benefícios às medidas de mitigação e adaptação.
- Transição justa
Belém tem a oportunidade de deixar um legado ao estabelecer o Mecanismo de Ação de Belém para uma Transição Justa Global (BAM) e dar um passo decisivo em direção a um esforço global coordenado que vincula firmemente a ação climática à justiça social, à equidade e ao desenvolvimento sustentável para todos. O BAM é um novo arranjo institucional proposto no âmbito da UNFCCC, concebido para abordar a atual fragmentação e inadequação dos esforços globais de Transição Justa.
Embora as iniciativas de Transição Justa estejam se proliferando em todo o mundo, elas permanecem desiguais, carecem de alinhamento com as metas climáticas e, frequentemente, são mal contextualizadas e inadequadas, levando à duplicação, à confusão entre as partes interessadas e ao risco de não contribuírem para a equidade social.
O BAM visa transformar os princípios da Transição Justa atualmente em negociação, cumprindo três funções principais:
- Coordenação e Coerência: Uma Entidade de Coordenação central mapeará as iniciativas existentes de Transição Justa, identificará lacunas, orientará o mecanismo geral e garantirá que os esforços de Transição Justa estejam alinhados com os objetivos do Acordo de Paris e com o princípio de Responsabilidades Comuns, Mas Diferenciadas e Respectivas Capacidades (CBDR-RC).
- Compartilhamento e geração de conhecimento: uma versão aprimorada do Programa de Trabalho para uma Transição Justa (JTWP) existente servirá como um centro global para profissionais, facilitando o diálogo, compartilhando melhores práticas e gerando novos conhecimentos para informar políticas.
- Ação e suporte: Um componente dedicado fornecerá suporte direto por meio de um helpdesk ou plataforma facilitadora para países, conectando projetos e financiadores e trabalhando para mobilizar e canalizar financiamento não indutor de dívida e transferência de tecnologia, especialmente para o Sul Global.
Além dessa proposta de arranjo institucional, as partes precisam concordar em Belém com um conjunto de princípios orientadores dentro do processo da UNFCCC para garantir que todas as ações de Transição Justa sejam equitativas, inclusivas e baseadas em direitos. Esses princípios devem garantir os direitos humanos, trabalhistas, a justiça racial e os direitos de indígenas, afrodescendentes e quilombolas, incluindo o Direito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado (FPIC), e estabelecer processos de diálogo social e consulta robustos e inclusivos para todas as comunidades e trabalhadores afetados, além de proteger a biodiversidade. A Transição Justa deve ser projetada para reduzir, e não aprofundar, as desigualdades. Isso significa colocar trabalhadores e comunidades no centro das atividades, especialmente populações afrodescendentes e indígenas, mulheres e meninas, pessoas com deficiência, migrantes, LGBTQIAPN+, pessoas abaixo da linha da pobreza e outras comunidades marginalizadas para a criação de trabalho decente, garantindo proteção social transformadora de gênero, reconhecendo a economia do cuidado e defendendo o direito a serviços públicos de qualidade, como saúde e educação.
Dentro do Programa de Trabalho de Transição justa as Partes devem ainda assumir um mandato formal para financiar a Transição Justa, reconhecendo que a concepção e implementação de políticas, planos, programas e práticas de Transição Justa apoiam a ambição climática e, portanto, são elegíveis para receber apoio com meios de implementação. Esse financiamento climático precisa ser novo e adicional e não gerar dívidas, para permitir que os países em desenvolvimento implementem caminhos de Transição Justa e diversifiquem suas economias. As Partes devem também se comprometer a integrar planos abrangentes de Transição Justa, alinhados com os princípios acordados, diretamente em suas principais políticas e legislações nacionais sobre o clima, como NDCs e Estratégias de Longo Prazo.
Os compromissos assumidos no âmbito da transição justa devem combater as desigualdades globais e adotar posições antirracistas para prevenir e mitigar desproporcionalidades e violações de direitos humanos, além de reparar danos e perdas em seus múltiplos níveis e dimensões.
- Adaptação
Belém precisa concluir o Marco UAE–Belém para Resiliência Climática Global e aprovar o conjunto completo de indicadores do Objetivo Global de Adaptação (GGA). A lista final deve ter cem indicadores robustos, com base na Estrutura dos Emirados Árabes Unidos para Resiliência Climática Global, com métricas que reflitam o papel crítico da integridade dos ecossistemas na redução dos impactos climáticos sobre a biodiversidade. É imprescindível que essa lista inclua indicadores claros e acionáveis de Meios de Implementação (MoI) que meçam o fornecimento de financiamento, tecnologia e capacitação dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento. É necessário ainda o reconhecimento de populações afrodescendentes, povos indígenas, quilombolas e comunidades locais, jovens e mulheres enquanto grupos prioritários para adaptação climática, por isso faz-se necessária a inclusão de indicadores com dados desagregados por gênero, raça, etnia, idade e território e informação sobre adaptação liderada localmente e/ou adaptação baseada em comunidades.
É fundamental também vincular o GGA a um compromisso coletivo que suceda a meta de duplicar o financiamento até 2025, adotada na COP de Glasgow. As Partes devem concordar em ao menos triplicar o Compromisso de Glasgow de dobrar o fornecimento de financiamento para adaptação até 2030 para dar previsibilidade aos países em desenvolvimento, fortalecer as capacidades locais de implementação e equilibrar o esforço global entre mitigação e adaptação, tornando a resiliência um pilar mensurável, justo e financiado do Acordo de Paris. Além disso, são bem-vindos marcos claros no Roteiro de Baku a Belém para 1,3 Trilhão e no diálogo ministerial de alto nível sobre adaptação como priorizar recursos públicos e não ampliar o endividamento de países em desenvolvimento.
A COP30 deve ainda garantir que o Roteiro de Adaptação de Baku (BAR) seja uma ferramenta de implementação eficaz, dando-lhe uma estrutura clara e ajudando a integração de instrumentos relevantes como os indicadores do GGA, NAPs, comunicação de adaptação, BTRs e outros. Também deve garantir que a lista de indicadores seja aprovada com metodologias qualitativas para mensurar os impactos locais das políticas de adaptação, permitindo avaliar resultados de forma justa e contextualizada e garantir a menção a afrodescendente no texto final, reafirmando sua importância para a garantia de direitos.
Por fim, a COP30 deve fazer um chamado às Partes que ainda não tenham apresentado seus planos nacionais de adaptação os apresentem até 2026 e os implementem até 2030, reforçando a necessidade de financiamento e apoio de países desenvolvidos a países em desenvolvimento, especialmente os mais vulneráveis.
- Financiamento
A COP30 terá que lidar com as consequências da decisão desastrosa da nova meta de financiamento climático (sigla em inglês NCQG) definida no ano passado. O chamado Roteiro de Baku a Belém, que deveria restaurar a confiança, não conseguiu oferecer caminhos concretos para o financiamento público concessional, nem para corrigir as lacunas da arquitetura global de financiamento climático. Agora, caberá à COP30 reconstruir essa credibilidade, esclarecendo os elementos qualitativos da NCQG (como previsibilidade e proporção de subsídios) e conectando a agenda da UNFCCC a debates externos sobre reforma tributária, dívida soberana e custo do crédito nos países em desenvolvimento.
Os países em desenvolvimento querem um novo item de agenda para debater o Artigo 9.1 do Acordo de Paris e assim reforçar a obrigação legal dos países desenvolvidos, mas tal proposta enfrenta bastante resistência. Para lidar com a crise de confiança será necessário monitorar e impulsionar a implementação do NCQG. A COP30 poderia estabelecer uma via de negociação com foco na qualidade e na provisão de financiamento público por parte dos países desenvolvidos. Isso inclui harmonizar os relatórios, definir o que conta como financiamento climático e estabelecer marcos com prazos definidos para aumentar a participação de subsídios públicos, particularmente para adaptação e perdas e danos. Como parte do acompanhamento da NCQG, as Partes devem apresentar novos compromissos plurianuais de financiamento climático (2025 é o prazo para a renovação de muitos planos apresentados até o momento).
As partes, especialmente os países desenvolvidos, devem aumentar drasticamente o financiamento baseado em subsídios para o Fundo de Perdas e Danos (FrLD). A COP30 deve entregar US$ 250 milhões iniciais e enviar um sinal claro de que a estratégia de mobilização de recursos de longo prazo do fundo estará alinhada com a escala das necessidades, estimadas em centenas de bilhões anualmente.
Em relação às negociações do artigo 2.1.c, a COP30 deverá decidir sobre o seu futuro, renovando seu mandato e dando um impulso para uma abordagem mais orientada para a ação. Este trabalho deve estabelecer as bases para uma decisão para definir metas e prazos para alinhar os fluxos financeiros globais aos objetivos do Acordo de Paris, incluindo a eliminação de subsídios perversos aos combustíveis fósseis e a taxação de atividades poluidoras, além de continuar a enviar sinais a outros atores e fóruns de tomada de decisão que fazem parte da arquitetura financeira global.
- Plano de Ação de Gênero
Belém precisa consolidar um novo Plano de Ação de Gênero (GAP) que traduza em compromissos concretos a centralidade da igualdade de gênero, de raça, dos direitos humanos e da justiça climática no regime climático internacional. É essencial que o novo GAP reforce a transversalização de gênero em todas as áreas de trabalho da Convenção e do Acordo de Paris, com ênfase em financiamento climático, mitigação, adaptação, transição justa e mecanismos de perdas e danos.
A revisão deve resultar em um plano mais ambicioso, com metas mensuráveis e indicadores robustos, capazes de avaliar impactos reais e não apenas processos. É essencial que esses indicadores sejam desagregados por gênero, raça, etnia, idade, território e deficiência, de modo a revelar as desigualdades interseccionais que moldam as vulnerabilidades e capacidades de resposta às mudanças climáticas. Essa abordagem permitirá não apenas medir o progresso, mas corrigir assimetrias históricas na distribuição de recursos e poder dentro da ação climática.
Observatório do Clima/Envolverde





