O tripé da globalização quebrou. Ameaça de nova crise mundial ressurge
.
por Carlos Drummond , em CartaCapital –
Globalização significa a extensão mundial do capitalismo e é impossível discutir o futuro de um sem discutir o futuro do outro
“A globalização econômica teve três componentes dinâmicos no comércio de bens e serviços, nos investimentos estrangeiros e nos fluxos financeiros. No entanto, apesar de seu forte crescimento nas últimas décadas, o comércio internacional compreende apenas um quarto do PIB mundial e o investimento estrangeiro (o novo ou greenfield ) cobre apenas cerca de um décimo do investimento produtivo mundial. Por outro lado, os fluxos financeiros representam uma proporção muito alta.
Por exemplo, uma estimativa mostra que os fluxos financeiros e cambiais atingem cerca de 40 vezes o valor do comércio internacional de bens e serviços”, critica o economista Ricardo Ffrench-Davis, professor da Universidade do Chile, no texto C hile en la Economía Internacional: Trayectoria Reciente y Desafíos . A relação entre fluxos financeiros e cambiais e o comércio é uma estimativa feita com base em números do Bank of International Settlements (BIS) , o “banco central dos bancos centrais”, do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio.
“Para alguns autores, a relação entre fluxos financeiros e cambiais e o valor do comércio chega a 60 ou 70 vezes”, observa Ffrench-Davis. A análise do economista é do início de 2017 e não contempla, portanto, a guerra econômica desencadeada pelos Estados Unidos contra a China, com sensível piora do prognóstico quanto ao aspecto comercial do tripé da globalização.
A promessa da globalização financeira, destaca o economista Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade de Harvard, era que ajudaria os empresários a levantar recursos e a realocar riscos a investidores mais sofisticados, com maior capacidade de bancá-los. Os países em desenvolvimento é que se beneficiariam mais, pois têm pouco dinheiro, estão muito mais sujeitos a choques que os avançados e são menos capazes de diversificar suas economias. Isso foi o prometido, mas não foi o que aconteceu: “Os países que tiveram melhor desempenho, como a China, não eram aqueles que recebiam ingressos de capital estrangeiro, mas os que estavam fazendo empréstimos para as nações ricas. Aqueles que confiavam nas finanças internacionais tendiam a se dar mal. As finanças globais liberadas não entregaram o prometido para as nações em desenvolvimento”, dispara Rodrik.
Autor de vários livros sobre o tema, entre eles The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy , o economista chama atenção para o fato de que “a globalização financeira estava no centro da crise. A bolha imobiliária e o enorme edifício de derivativos arriscados que ela gerou foram instigados pela poupança excessiva de nações asiáticas e petrolíferas. Essas crises não ocorreram porque eram imprevisíveis, mas porque não foram previstas. Os economistas e aqueles que os ouvem ficaram excessivamente confiantes na sua própria narrativa preferida do momento: os mercados são eficientes, as inovações financeiras transferem risco para aqueles mais capazes de suportá-los, a auto-regulação funciona melhor e a intervenção do governo é ineficaz e prejudicial. Eles esqueceram que havia muitas outras histórias que levaram a direções radicalmente diferentes. A arrogância criou pontos cegos.”
Não se trata, segundo o professor de Harvard, de fazer correções parciais e recolocar o modelo em pé novamente, pois o problema está no cerne da globalização: “Ao contrário dos mercados nacionais, que tendem a ser apoiados por instituições reguladoras e políticas domésticas, os mercados globais são apenas ‘fracamente incorporados’. Não há autoridade antitruste global, nenhum credor global de última instância, nenhum regulador global, nenhuma rede de segurança global e, é claro, nenhuma democracia global. Em outras palavras, os mercados globais sofrem de governança fraca e, portanto, são propensos a instabilidade, ineficiência e fraca legitimidade popular. Esse desequilíbrio entre o âmbito nacional dos governos e a natureza global dos mercados forma o ponto fraco da globalização.”
É preciso repensar o problema na sua concepção original, mostra o economista: “Um sistema econômico global saudável exige um compromisso delicado entre governos e mercados. Dê muito poder aos governos e você terá protecionismo e autarquia. Dê aos mercados muita liberdade, e você tem uma economia mundial instável com pouco apoio social e político daqueles que supostamente ajuda.”
Mas há solução? Rodrik garante que sim e toma por base fatos históricos. As primeiras três décadas depois de 1945, diz, foram regidas pelo acordo de Bretton Woods, batizado com o nome do resort homônimo de New Hampshire, onde americanos, britânicos e outros políticos de nações aliadas se reuniram em 1944 para projetar o sistema econômico pós-Segunda Guerra Mundial. O regime de Bretton Woods foi um multilateralismo superficial que permitiu que os formuladores de políticas se concentrassem nas necessidades sociais e de emprego domésticas, ao mesmo tempo em que possibilitavam que o comércio global se recuperasse e prosperasse.
O gênio do sistema de Bretton Woods, sublinha Rodrik, era que ele alcançava um equilíbrio que atendia a múltiplos objetivos admiravelmente bem. Algumas das mais notórias restrições aos fluxos comerciais foram removidas, deixando os governos livres para conduzir suas próprias políticas econômicas independentes e para erigir suas versões preferidas do estado de bem-estar social. Os países em desenvolvimento, por sua vez, foram autorizados a perseguir suas estratégias específicas de crescimento com restrições externas limitadas. Os fluxos internacionais de capital permaneceram fortemente circunscritos. O acordo de Bretton Woods foi um sucesso estrondoso: os países industrializados se recuperaram e se tornaram prósperos, enquanto a maioria dos países em desenvolvimento experimentou níveis sem precedentes de crescimento econômico. A economia mundial floresceu como nunca antes. O regime monetário de Bretton Woods acabou provando-se insustentável, já que o capital se tornou internacionalmente mais móvel e os choques do petróleo da década de 1970 atingiram duramente as economias avançadas.
Esse regime foi substituído nas décadas de 1980 e 1990 por uma agenda mais ambiciosa de liberalização econômica e integração profunda. Os acordos comerciais, descreve Rodrik, agora se estenderam além de seu foco tradicional nas restrições às importações e interferiram nas políticas domésticas; os controles nos mercados de capitais internacionais foram removidos; e os países em desenvolvimento sofreram forte pressão para abrir seus mercados ao comércio e investimento estrangeiros. “Com efeito, a globalização econômica tornou-se um fim em si mesma.”
Ao empurrar o modelo de globalização do pós-guerra além de seus limites, prossegue Rodrik, economistas e formuladores de políticas negligenciaram o que havia sido o segredo de seu sucesso original. O resultado foi uma série de decepções. A globalização financeira acabou promulgando instabilidade em vez de maior investimento e crescimento mais rápido. Dentro dos países, a globalização gerou desigualdade e insegurança ao invés de levantar todos os barcos. Houve sucessos estupendos nesse período – China e Índia em particular. Mas esses foram os países que escolheram jogar o jogo da globalização não pelas novas regras, mas pelas regras de Bretton Woods. Em vez de se abrirem incondicionalmente ao comércio e finanças internacionais, eles adotaram estratégias mistas com uma grande dose de intervenção estatal para diversificar suas economias. Enquanto isso, os países que seguiram as receitas mais padronizadas – como os da América Latina – padeceram. E assim a globalização se tornou vítima de seu próprio sucesso anterior.
(#Envolverde)





