Pegada amazônica da China não teve atenção na eleição do Equador

Por Kevin Koening* No último domingo, 19 de fevereiro, o Equador realizou suas primeiras eleições presidenciais desde 2006 sem a candidatura do atual presidente do país, Rafael Correa. Apesar dos atrasos nos resultados oficiais, parece que nenhum dos candidatos tinha conseguido a maioria dos votos até o momento da redação deste artigo.

Atualizado em 24/02/2017 às 12:02, por Redação Envolverde.

Por Kevin Koening*

No último domingo, 19 de fevereiro, o Equador realizou suas primeiras eleições presidenciais desde 2006 sem a candidatura do atual presidente do país, Rafael Correa. Apesar dos atrasos nos resultados oficiais, parece que nenhum dos candidatos tinha conseguido a maioria dos votos até o momento da redação deste artigo. O antigo vice-presidente e herdeiro aparente de Correa no partido Alianza País, Lenin Moreno, e o ex-banqueiro de direita, Guillermo Lasso, devem se enfrentar no segundo turno das eleições, a ser realizado no dia 2 de abril.

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Embora as campanhas eleitorais dos oito candidatos que concorreram no primeiro turno tenham abordado questões diversas, incluindo empregos, corrupção e relações internacionais, um tema raramente abordado tem a ver com os laços que unem o Equador, especialmente sua região amazônica: os investimentos chineses nos setores de petróleo, gás e mineração.

Limitados pela geografia, os laços políticos e econômicos entre a Ásia e a América do Sul sempre foram moderados. Porém, ao longo da última década, a cooperação sul-sul entre esses dois continentes do Círculo do Pacífico se fortaleceu de forma considerável. A relação entre a China e o Equador, em especial, está em pleno florescimento. Ao mesmo, a pegada ambiental da China na Amazônia também está crescendo.

O relacionamento entre a China e o Equador teve início em 2008. Naquela época, o Equador enfrentava um cenário com opções limitadas de financiamento depois de ter dado um calote de US$ 3,2 bilhões no bônus do Plano Brady, em 2008, na tentativa de dar conta de uma grande expansão de gastos no setor público e para manter sua economia dolarizada funcionando. O país encontrou em Pequim um parceiro disposto a ajudá-lo, uma vez que a cidade chinesa buscava investimentos e recursos naturais além de suas fronteiras durante a “Grande Abertura” da China.

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Desde 2010, o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Exportação-Importação da China concederam ao Equador 11 empréstimos cujos valores somados totalizaram o montante de US$ 15,2 bilhões, na forma de investimentos estrangeiros nos setores de energia, infraestrutura e projetos de transporte. A China é agora o maior credor do Equador, fornecendo cerca de 60% do financiamento do governo. A dívida do Equador com a China atualmente chega a 38,7% do seu PIB. Muitos desses acordos de empréstimo devem ser pagos através da venda de petróleo ou combustível. Os pagamentos são feitos pela estatal equatoriana Petroecuador à PetroChina International Co, o que significa que muito do petróleo bruto do país terá como destino a cidade de Pequim até 2024.

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Estes empréstimos estão impulsionando um novo boom do petróleo na floresta amazônica do Equador. Embora o custo para extrair um barril do pesado e viscoso petróleo amazônico seja de aproximadamente US$ 39, o valor médio de mercado do barril alcançou apenas US$ 35 ao longo de 2016. O colapso nos preços do petróleo em 2016 forçou o país a conduzir suas atividades de perfuração no vermelho, ou a buscar alcançar o ponto de equilíbrio, ou break-even, para conseguir cobrir os custos incorridos, manter sua produção e pagar a China. Com os atuais preços de mercado, ao invés de um, o Equador precisa de quase dois barris de petróleo para pagar o mesmo valor de empréstimo devido para China.

Após denúncia de fraude, eleição presidencial no Equador vai a segundo turno. Foto: Andes/ César Muñoz

 

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Honrar suas obrigações contratuais de empréstimo é um dos principais motivos pelos quais o Equador tem se esforçado para abrir territórios amazônicos intocados para explorar petróleo. Em 2015, foram assinados contratos para duas novas concessões de petróleo – ambas localizadas em uma área remota do sul da Amazônia equatoriana – com a Andes Petroleum, uma subsidiária da Corporação Nacional de Petróleo da China (CNPC), e com a empresa Sinopec. O objetivo é obter petróleo para que o Equador consiga pagar o único acionista da companhia.

Entretanto, as novas perfurações causaram impactos enormes com efeito desastroso na floresta amazônica do país, tanto para a biodiversidade, que é reconhecida mundialmente – certas áreas da Amazônia equatoriana têm alguns dos índices mais altos de diversidade de espécies e endemismo do mundo –, como para alguns povos indígenas, que há muito rejeitaram os planos controversos de perfuração em suas terras. Algumas tribos vivem em isolamento voluntário – por enquanto. O embate cada vez maior entre direitos e recursos que tem marcado presença no Equador, durante os últimos anos, já se tornou uma grande fonte de conflitos na região.

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Corrupção na Petroecuador

Enquanto isso, uma série de escândalos de corrupção envolvendo o principal parceiro comercial da PetroChina, a estatal Petroecuador, pode prejudicar os acordos de empréstimos por petróleo, tanto os existentes como os futuros.

A troca de dinheiro por petróleo entre a PetroChina e a Petroecuador teve início em 2009. Na primeira “pré venda” de petróleo, a PetroChina emprestou US$ 1 bilhão à Petroecuador em troca de 69 milhões de barris de petróleo bruto, a ser pago ao longo de dois anos a juros de 7,25%. Porém, conforme revelado pelos Documentos do Panamá, o acordo permitiu que intermediários cobrassem uma comissão de US$ 1 por barril, o que significa que embolsaram US$ 69 milhões.

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Em outro escândalo relacionado, o governo equatoriano revelou que funcionários da Petroecuador desviaram cerca de US$ 12 milhões em fundos e contratos e conseguiram esconder os indícios de corrupção usando contas no exterior, inclusive na China. O escândalo levou à exoneração do ministro dos Hidrocarbonetos, além de pedidos de demissão e o indiciamento de vários dos principais executivos da companhia. Esta se tornou uma questão importante para os eleitores equatorianos, que foram às urnas no último domingo.

Mineração: a nova fronteira do conflito

Embora a flutuação dos preços do petróleo tenha deixado o Equador desnorteado, o país se voltou para o setor de mineração e fez grandes reformas em sua legislação na tentativa de trazer mais investimentos para o país. Depois do fim de uma moratória de seis anos sobre as concessões, o Equador assinou vários contratos novos de concessão e pelo menos três deles foram com empresas estatais chinesas.

Estes projetos rapidamente se tornaram objeto de controvérsia e tudo transbordou em dezembro de 2016. Conforme relatado anteriormente pelo Diálogo Chino, o povo indígena Shuar, que habita a província de Morona Santiago na fronteira amazônica do país, fez protestos após a tentativa infrutífera de abrirem um processo de consulta para discutir a expansão de uma mina de cobre, operada pelo conglomerado chinês Explorcobres, em seu território ancestral. Em resposta aos protestos, o governo equatoriano reprimiu duramente os manifestantes e os líderes Shuar foram presos.

O legado ambiental da China no Equador

A China aumentou de forma dramática a sua presença no Equador com seus empréstimos e investimentos bilaterais para projetos na floresta amazônica do país. A gigante asiática se tornou líder global em energia renovável, com a maior capacidade eólica e solar do mundo, e obteve grandes avanços na redução das suas emissões domésticas e em relação aos novos compromissos assumidos, como aqueles ratificados no Acordo de Paris durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) da UNFCCC. Mas é importante considerar como a liderança chinesa na esfera do desenvolvimento sustentável pode ser afetada pelos seus investimentos crescentes em projetos de petróleo na Amazônia, uma vez que estes projetos ameaçam a biodiversidade, os povos indígenas e o clima da região.

Conexão com a Califórnia

Ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, muito pouco do petróleo do Equador de fato vai parar na China. Um estudo realizado em 2016 pela Amazon Watch revelou que a maior parte do petróleo bruto extraído da região amazônica do Equador, cerca de 80%, vai para os Estados Unidos, principalmente para a Califórnia. O Equador é o terceiro maior fornecedor de petróleo para a costa oeste dos EUA, ficando atrás somente da Arábia Saudita e do Canadá.

Nova liderança, mesmas políticas

Nenhum dos dois candidatos à presidência do Equador, que segue para o segundo turno agora no dia 2 de abril, promete revisar os acordos de empréstimos por petróleo, embora Lasso tenha afirmado que iria analisar de perto os acordos e, caso fosse necessário, tentaria aumentar as exportações do Equador para a China. Ele é conhecido por apoiar políticas de estilo neoliberal e é a favor de financiamentos por parte de fontes como o Fundo Monetário Internacional.

Seja qual for o resultado da eleição, o novo presidente precisará enfrentar o legado da administração Correa, que hipotecou o futuro do país. (Diálogo Chino/ #Envolverde)

* Publicado originalmente no site Diálogo Chino.


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