O multilateralismo está em uma encruzilhada

Genebra, Suíça, agosto/2012 – O multilateralismo está em uma encruzilhada. Para sair dela é preciso atuar conjuntamente, por exemplo, nas questões ambientais e na sustentabilidade, temas centrais na recente cúpula Rio+20.

A encruzilhada é notória no comércio e em outros assuntos econômicos. A Cúpula do Grupo dos 20 (G-20) países industrializados e emergentes de Los Cabos, no México, pôs o seu foco precisamente em melhorar a resposta coletiva às atuais turbulências econômicas, que também estão no centro dos acontecimentos na União Europeia (UE).

A crise começou em 2008, mas a economia mundial ainda segue frágil. As projeções da Organização Mundial do Comércio (OMC) indicam que o intercâmbio comercial vai desacelerar, passando de 5% em 2011 para apenas 3,7% este ano.

O impacto da crise também é sentido no mundo em desenvolvimento. A previsão é de que a dinâmica economia chinesa crescerá menos este ano, enquanto diminui o crescimento da Índia. Muitos países pobres veem baixar suas exportações para seus principais mercados, a UE e os Estados Unidos.

Entretanto, surgem novos atores e novos sócios comerciais, o que muda sobremaneira a natureza do intercâmbio e aprofunda a interdependência econômica.

Na última década, a participação das economias em desenvolvimento e emergentes aumentou de um terço para metade do produto interno bruto (PIB) global. E a parte dos países em desenvolvimento nas exportações globais aumentou de 33% para 43%.

A estrutura do comércio internacional também está se transformando. Não faz muito tempo, numerosos produtos eram “Made in China” ou “Made in Germany”. Agora, a expansão das cadeias globais implica que a maioria dos produtos seja montada com contribuição de muitos países, e podemos dizer que são “Made in the World”.

Com taxa de crescimento de 6% ao ano, o comércio em bens intermediários agora representa 60% do comércio internacional e é o setor mais dinâmico.

O mapa das emissões globais de gases-estufa também mudou. As emissões do mundo em desenvolvimento aumentam bastante, e as da China são iguais ou já superaram as dos Estados Unidos.

O mesmo pode ser dito da cooperação macroeconômica. Como demonstraram as cúpulas do G-20, tanto nas políticas monetárias como nas fiscais, na luta contra os paraísos fiscais ou pela regulação das atividades financeiras, falta a cooperação global.

Porém, as regras que governam a cooperação multilateral não seguiram o ritmo dessas mudanças. Em boa medida, vivemos com as regras criadas na década de 1990.

Uma preocupante atitude surgiu nos dois últimos anos com relação ao multilateralismo. Em contraste com os múltiplos chamados diante da propagação da crise financeira global em favor de maior e melhor coerência regulatória, a cooperação internacional afundou e está mais precária ainda.

Algum cínico observador poderia dizer que, durante a década passada, os esforços internacionais para forjar acordos legalmente vinculantes puseram tão baixo o umbral das expectativas que, agora, até um acordo para continuar dialogando é considerado um êxito.

Tal cinismo passa por cima do fato de que, para a maioria dos países, mais multilateralismo e mais cooperação internacional continuam sendo o único caminho sustentável para avançar.

As mudanças dos últimos anos ditaram uma remodelação, uma reconsideração e um ajuste da cooperação multilateral tradicional, inclusive na OMC. A proliferação de diferentes coalizões informais e grupos de países e da sociedade civil, como G-8, G-8+5, G-20, B-20 e L-20, entre outros, é sintomática da natureza sempre mutante das relações internacionais.

Entretanto, creio que sua eficácia dependerá de serem suficientemente representativas para enfrentar os cada vez mais complexos desafios em nossa agenda. Uma economia global estável não pode ser construída sem incluir os principais interessados no processo de tomada de decisões.

E, o que é mais importante, enquanto a crise continuar golpeando fortemente os sistemas nacionais, será difícil alcançar um multilateralismo de alto nível.

A situação pode se converter em um círculo vicioso: sair da crise mais cedo do que tarde implica uma forte liderança para executar os necessários acordos de cooperação internacional. Mas a legitimidade dos governos diminui com o descontentamento popular gerado pelas dificuldades econômicas e sociais. Isto afeta a capacidade de atuar conjuntamente, o que, por sua vez, prolonga a crise.

Creio, então, que o multilateralismo está em uma encruzilhada. Ou avança no espírito de valores compartilhados ou enfrentamos uma retirada do multilateralismo, por nossa conta e risco.

Sem cooperação global no financeiro, na segurança, no comércio, no meio ambiente e na redução da pobreza, os riscos de divisão, conflitos e guerras continuarão sendo perigosamente reais. Não basta ficar à espera de tempos melhores. Devemos ser mais audazes para juntos enfrentarmos os crescentes riscos. Envolverde/IPS

* Pascal Lamy é diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC).