Sociedade

O novo normal em tempos anormais

Por Amélia Gonzalez – 
E fiquei feliz quando recebi, da amiga Juliana Garçon, o relatório que acaba de sair do forno, feito pela Fairr (https://www.fairr.org/), grandes investidores que abordam questões de responsabilidade das empresas quando se trata de riscos e oportunidades materiais causados pela produção intensiva de animais.

Não fiquei feliz com os dados publicados, vejam bem, mas fiquei bem otimista com a iniciativa da rede.

Vamos logo aos números, para não cansar os leitores: das 60 empresas globais que vendem carnes, 44 estão em alto risco pandêmico. O que isto quer dizer? Que se essas empresas não mudarem seus métodos de matar os bichos e processá-los antes de irem às gôndolas dos supermercados, elas podem ser vetoras de outras pandemias.

Não, a Covid-19 não veio do gado. Mas a próxima pandemia pode vir, dizem os resultados do estudo. Simples assim. As chamadas doenças zoonóticas são aquelas que passam dos animais selvagens para os humanos.

“Ao substituir habitats selvagens por cidades e fazendas, entramos em contato com animais silvestres que abrigam vírus anteriormente desconhecidos. Globalmente, a agricultura animal é responsável por 70 a 80% do desmatamento”, diz o relatório.

E mais: o uso excessivo de antibióticos na agricultura animal ameaça a capacidade de tratar doenças infecciosas e não infecciosas. “Prevê-se que o aumento da resistência antimicrobiana (RAM) mate dez milhões de pessoas anualmente até 2050 se não for verificado”.

Mas, o que aconteceu no processo? Como a indústria pecuária permitiu que as coisas desandassem desse jeito? A resposta é simples: “O modelo industrializado de produção animal foi otimizado para priorizar os custos e a eficiência da produção, à custa de vários outros fatores, incluindo segurança do trabalhador, biossegurança e, finalmente, resiliência”.
Em outras palavras: para respeitar os mandamentos do sistema econômico, que exige acumulação de riqueza, as empresas ajustaram a produção para ampliar muito o número de consumidores. E os preços ficaram “acessíveis”.

É bom visitar também os dados históricos. Mundialmente, a partir do fim da II Guerra é que a proteína animal começou a entrar com força na mesa para servir como alimento. Antes disso, o foco estava nos grãos, nas sementes, no trigo e no milho.

Aqui no Brasil, segundo o trabalho “A alimentação e as principais transformações no século XX – uma breve revisão”, de Iracema Santos Veloso Maria do Carmo S. de Freitas, entre as décadas de 1960 e 1990 houve um aumento aproximado de 45% no consumo de carnes e embutidos (9,1 para 13,2%), de 60% para leite e derivados (5,1 para 8,2%) e uma estabilidade no consumo de ovos (1,0%).

Agora vem a parte mais polêmica: a ideia é que a carne custa muito barato (embora seja quase inviável o consumo para as classes menos favorecidas) e que, para que a produção encontre um caminho sustentável, é preciso que o valor cobrado seja maior. Na prática, isto já acontece. Não imagino os grandes chefs de cozinha usando acém, pá ou patinho para criarem seus pratos. O que quer dizer que a classe rica já paga mais caro por um produto muito mais refinado.

Basta acompanhar a série “Somebody Feed Phil”, para ver como isto acontece. Tem até gado de neve, coisa que eu nunca tinha ouvido falar. São carnes mais tenras e mais gostosas. Para um público também selecionado.

A mudança é possível, na visão dos autores do relatório da Fairr, se o consumo das proteínas vegetais, “mais eficientes e sustentáveis” passar a ser maior. Já existe o Hambúrguer do Futuro no supermercado onde eu faço compras. Provei, achei gostoso, é feito à base de grão de bico. Vamos ver se daqui a um tempo não teremos também plantações de grão de bico degradando áreas que poderiam estar servindo para outros produtos.

A questão é: precisa diversificar. Precisa também informar as pessoas sobre as múltiplas possibilidades que podem substituir a proteína animal. É possível.

Foto de destaque: Nicholas Sales, da FreeImages
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