Diversos

O que fazer com a diversidade étnica dos povos Amazônicos?

Por Marcos Colón* – 

É urgente repensar território, sociodiversidade e biodiversidade da Amazônia sob uma nova ótica de relacionamento em que não faz mais sentido a disjunção Natureza & Cultura. Natureza é Cultura. Cultura é Natureza. Existem muitas Amazônias, para os mais diversos gostos, cores, ideologias e projetos de ocupação. Nenhuma delas faz parte de um projeto governamental que respeite a autodeterminação dos povos e comunidades tradicionais e que, em sua interação com a comunidade acadêmica, poderia gerar conhecimento para um novo e muito mais que urgente modelo de vida humana sobre o planeta. Um modelo gerador de paz e aliança entre os povos. Os externos e os que vivem na floresta. Um modelo que ensinasse florestania à uma cidadania precária baseada no consumo de objetos com rápida obsolescência e eterna contaminação do ambiente.

Assunto: Pintura corporal feita com Urucum e Jenipapo para a festa do Kuarup em homenagem ao antropologo Darci Ribeiro<br /> Local: Aldeia Yawalapiti - Distrito de Gaúcha do Norte<br /> Data: 07/2012<br /> Autor: Renato Soares / Imagens do Brasil
Homens Yawalapiti se preparam para ritual do Quarup, Terra indígena Xingu – Renato Soares/Imagens do Brasil

A região amazônica, desde sua nomeação, experimenta diversas projeções de sujeitos externos sobre seu território. A começar pelo seu próprio nome em homenagem a um mito grego, o das amazonas. Sem contarmos com uma história prévia da Amazônia, podemos assegurar que esse corte epistemológico, o do batismo grego, no século XVI, com certeza, desde então, há mais de 500 anos, experimenta as agruras impostas por predatórios sistemas de exploração da vida que têm definido, tantas vezes, o destino trágico de suas comunidades.

Será novamente assim a partir deste ano. Mais um grupo de sujeitos externos ao território amazônico imaginará o destino que ali deveria habitar e, na contramão do Bem viver – como explica Alberto Acosta – tentará levar a cabo suas experiências. Para Acosta, o Bem viver não implica uma proposta acadêmico-política, mas a possibilidade de aprender a partir de realidades, experiências, práticas e valores presentes em diversos habitats, mesmo nos dias atuais em meio à civilização capitalista.

Apesar da mais refinada ciência ocidental seguir partilhando em revistas, livros, inúmeras aulas, palestras, demonstrações audiovisuais, que o melhor trabalho e o melhor destino para a Amazônia e seus povos, tanto quanto para o destino climático e da biodiversidade do planeta é manter e deixar que se reproduzam social, cultural e biologicamente os povos tradicionais que ali habitam – indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e extrativistas da terra e da água – enfim, aqueles que vivem ali muito antes dos predadores do mercado mundial, seja ele nacional ou internacional, chegarem, e que conservam a floresta para toda a humanidade. Para estabelecer o diálogo, quando falamos da ciência ocidental, podemos citar uma ganhadora Nobel e seu trabalho que faz o elogio dos sistemas de uso comum: a norte americana Elinor Olstrom.

Pensemos, por um momento, naquela Amazônia que não aparece nas mídias, nos escândalos e na imaginação científica contemporânea. Nela se escondem problemas verdadeiros da região: a começar pelo silêncio que acoberta a vulnerabilidade dos povos tradicionais, o desmantelo sociocultural e ambiental e os modelos de predação econômica e cultural empreendidos em longas escalas temporais e espaciais.

Esse silenciamento corre na esteira de um projeto civilizatório que não contempla índios, quilombolas, ribeirinhos, pequenos agricultores, trabalhadores da floresta, extrativistas, e não vislumbra dimensões da existência da Amazônia que considerem as suas culturas e a complexidade de seus biomas. Esse silenciamento nos impõe a todos uma nova relação com as informações, na qual, se quisermos ser ecologicamente corretos, devemos nos tornar pesquisadores, buscar e checar informações e compartilhar o que se sabemos comunitariamente. O que está em jogo é a sobrevivência de todos nós. O dia em que não houver mais lugar para o índio, não haverá lugar para o humano. Algo como “a morte da floresta é a nossa morte” é o que estava estampado na camiseta da Irmã Dorothy Stang, que foi assassinada em fevereiro de 2005.

Nossa agrura surge do fato de a Amazônia ser parte de um contínuo processo de renovação de sua colonização, que não terminou com a independência do Brasil. Novos tempos, novas colonialidades: a floresta segue como laboratório a céu aberto de interesses econômicos e empreendimentos que não deixam dúvida sobre o impacto da invasão e submissão de terras e gentes aos vencedores. Outro aspecto a ser considerado é que, mesmo diante do estágio contemporâneo da sociedade brasileira, o Estado não tem projeto para a região, salvo o de ceder a Amazônia como moeda de troca para qualquer forma de experiência e intervenção dita produtiva. Como se manter e reproduzir a floresta em pé – algo que os povos amazônicos fazem há milênios, gerando, inclusive, rios voadores, esses que chovem sobre nós em toda a América do Sul – não fosse suficiente produção.

Não se sabe o que fazer com a Amazônia do ponto de vista governamental. Como se os povos tradicionais, conjuntamente com as ciências, já não tivessem encontrado muitas soluções. No entanto, não são soluções imediatas para a ganância dos agronegócios que atuam na região. A Amazônia da atualidade é um território de enclaves – no Mato Grosso, na Zona Franca de Manaus, no Acre, no Pará – que não levam em consideração o melhor diálogo planetário que seria entre povos tradicionais e ciência, que seria produtor de muito rico conhecimento não só sobre a região. Os povos indígenas são exímios produtores de conhecimento para nossas necessidades ambientais contemporâneas.

Em síntese, o maior problema da Amazônia é essa violência lenta, contínua, da indiferença entre o governo e seus povos, que poderia ser feita a partir de uma ciência interessada no presente e no futuro humano. Mas a indiferença submete os inocentes, subverte o que poderia ser verdadeira e contemporaneamente nacional na política brasileira, e sabota todo e qualquer projeto autônomo de preservação da cultura, de biomas, da memória e da nossa história. Contra a ignorância, temos a ciência, os conhecimentos tradicionais, a memória.

O fim da Amazônia é o fim do coração da humanidade. Coração não no sentido biológico, como disse tantas vezes o senso comum substituindo coração por pulmão. Coração no sentido poético. Coração no sentido em que imaginação poética e científica são forças que deveriam guiar os projetos de diálogo entre políticas públicas e os povos da floresta.

A Amazônia ocupa cerca de 61% do território brasileiro. Lá vivem 25 milhões de pessoas. São cerca de 300 etnias e 180 línguas. Tudo isso são formas de vivenciar, experimentar, sentir e imaginar o mundo. Mundo este que está precisando de novas soluções para que toda a humanidade possa viver, com algum bem-estar. O bem-estar civilizatório, afinal, nunca chegou para ninguém. Mas quem paga continuamente a conta do mal-estar na civilização tem sido, em primeiro lugar, a alteridade radical ao Ocidente que se configura no “indígena”.

Marcos Colón é Professor Assistente (TA) no Departamento de Português e Espanhol e membro do Center for Culture, History and Environment (CHE) do Nelson Institute for Environmental Studies, da Universidade de Wisconsin-Madison. É diretor e produtor do documentário Beyond Fordlândia: An Environmental Account of Henry Ford’s Adventure in the Amazon.