O pangolim é um pequeno mamífero, de hábitos noturnos, que lembra fisicamente o nosso tatu. Come formigas e térmitas, as farejando até dois metros abaixo da terra e enchendo a barriga com até 70 mil formigas por ano usando uma língua do tamanho do seu corpo. Pra se proteger, emite um cheiro ruim e se enrosca, como nosso tatu bola, para usar suas escamas como barreira ao ataque inimigo. São oito espécies diferentes que vivem em zonas tropicais da Ásia e África. Ele está em risco de extinção e sua caça e venda são proibidos.
O pangolim é o animal mais caçado e traficado do mundo. Se estima que represente cerca de 20% de todo o comércio ilegal de espécies selvagens e que na última década mais de um milhão tenha sido capturado. Um animal vivo rende escamas, que depois de tostadas, moídas e cozidas, são usadas na medicina tradicional chinesa para o tratamento de malária, surdez ou reumatismo. Cada quilo de escamas precisa de três ou quatro animais mortos. Um pangolim vivo chega a custar até 600 dólares, sendo a sua carne, geralmente ensopada com gengibre e citronela, muito procurada pelas elites endinheiradas para demonstrar status.
Na China, é comum a existência de mercados onde se vende animais vivos, que escolhidos pelos compradores são abatidos, esquartejados e embalados alguns minutos depois. Os animais, das mais diversas espécies e portes, ficam em gaiolas amontoados e misturados de forma caótica, seres capturados em ecossistemas muito diferentes, entre si, trocam fluidos como sangue, fezes, urina e pus, o que, somado ao stress e baixa imunidade cria o ambiente ideal para a transmissão de vírus entre espécies.
Até agora, o pangolim é um dos principais ¨suspeitos¨ de ter sido o hospedeiro intermediário do novo coronavírus através de uma interação forçada com morcegos no mercado de Wuhan, China. Pesquisa de cientistas de diversas universidades chinesas publicada na revista Nature, concluiu que o pangolim é um potencial hospedeiro intermediário para a COVD-19. Os cientistas analisaram pangolins-malaios (Manis javanica) resgatados do tráfico de animais e encontraram diversos vírus parecidos com o que está infectando humanos atualmente.
Se o pangolim ainda é suspeito, por outro lado já há uma certeza: os morcegos carregam o coronavírus. Morcegos são conhecidos por serem hospedeiros de diversos vírus sem desenvolver as doenças. Eles foram os hospedeiros de outros dois tipos de coronavírus que já causaram problemas globais de saúde: o vírus da SARS (Síndrome respiratória aguda grave), que surgiu na China em 2002 e causou 800 mortes no mundo, e o da MERS (Síndrome respiratória do Oriente Médio), que também causou mortes quando surgiu na Arábia Saudita em 2012. Existem diversas cepas de coronavirus circulando, ou que já circularam entre os humanos: 229E, NL63, OC43, HKU, SARS COV, SARS-COV-2 e MERS-COV, com letalidades que chegam a 32%.
A regra geral é que esses coronavírus precisam passar de um morcego para um hospedeiro intermediário, outro animal, e antes passar pela mutação necessária para infectar seres humanos. No caso da SARS, por exemplo, a civeta, outro mamífero de zonas tropicais, foi identificada como a hospedeira. As civetas são exploradas por exemplo para produzir café, vendido como elixir e também são facilmente encontradas nos mercados chineses. Já a MERS, provavelmente chegou nos humanos através de dromedários. Outra pesquisa, também publicada na revista Nature, demonstrou que o código genético do coronavírus que nos infecta é 96% semelhante aos que circulam em morcegos na China.
Não só a interação forçada em mercados tem sido responsável pela transmissão zoonótica dos vírus. Em 1998, o desmatamento em uma região da Malásia fez com que morcegos começassem a migrar em busca de alimento e estabeleceram-se em uma nova região onde a produção de mangas se dava junto com a criação de porcos. Os morcegos comiam as mangas que, depois caíam em cima dos porcos, que também as comiam. Um vírus carregado pelos morcegos pulou para os porcos, passou por uma mutação e pulou para humanos. Desde então, pessoas estão morrendo na Malásia, Cingapura, Bangladesh e Índia do vírus nipah, nome de um vilarejo na Malasia onde os primeiros casos foram descobertos. O HIV veio dos chimpanzés e o Ebola também dos morcegos.
Outra causa tem sido a crise climática, com o aumento médio da temperatura do planeta causada por nossas atividades. O ciclo reprodutivo de muitas plantas mudou em função da alteração do clima. Isso fez com que árvores frutíferas mudassem seu padrão e diversos animais, que antes não se cruzavam na natureza, busquem a mesma árvore para se alimentar. Podem comer a mesma fruta, trocar fluidos e depois se conectarem com humanos. Um pulo na transmissão do vírus causado por nós mesmos, pela redução drástica de seus habitats naturais, forçando uma convivência que não existia na natureza.
Animais domesticados também nos apresentam novos vírus. Sarampo e tuberculose vieram da nossa relação com rebanhos de gado durante o processo de domesticação. A gripe e suas mutações vêm de aves, em especial dos frangos e porcos. Essa produção em escala de animais apresenta outro risco: algumas criações recebem altas doses de antibióticos, que ajudam na seleção de bactérias cada vez mais resistentes que depois são consumidas por humanos.
Exploração de animais, desmatamento, mudanças climáticas, enfim: nosso modelo de desenvolvimento e consumo está em aguda crise há algum tempo e tem produzido surtos, epidemias e agora uma pandemia de escala inédita com efeitos sociais, ecológicos e econômicos. O planeta é um sistema. Nada acontece por acaso. E, cada vez mais alto, a ciência e a natureza vêm nos gritando que uma mudança de rota é nossa única opção. Nossa atual situação fala por si só.
André Fraga é Engenheiro Ambiental e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana.