Há alguns dias um tsunami de excitação varreu o mercado: a compra da AVON pela NATURA e a sua consolidação como a maior empresa de higiene, cosmética e beleza do Brasil, com mais de 5 milhões de vendas diretas (feitas pelas ‘colaboradoras’).
Benchmarking de sustentabilidade, um alvoroço sacode especialistas e consultores: será a NATURA capaz de esverdear a AVON e torná-la parte da sua cultura? Será viável?
Todos conhecem o ‘case’ NATURA: em menos de 20 anos, uma empresa de fundo de quintal, tocada por amigos empreendedores torna-se gigante não só no seu ramo de negócios, mas atuante e exemplo de empresa que investiu sério na sustentabilidade.
Só pra recordar e informar os leigos, pouco acostumados com nossos jargões. As empresas, grosso modo cumprem quatro estágios para se tornarem membro do clube das corporações tidas como sustentáveis: primeiro é o piso mais baixo – o da conformidade ambiental, isto é cumprir as leis sobre licenciamento, controle dos impactos, etc. O segundo foi cunhado nos anos 90 de ECOEFICIÊNCIA: praticar os 3 RS- reduzir insumos, reciclar, reutilizar. O terceiro é verificar sua “pegada ecológica ‘ – o quanto consome de água, solo, energia e por aí vai. O quarto é colocar a sustentabilidade na estratégia dos negócios, ser líder e inspirar a mudança de paradigma em todo um setor. Para isso os líderes (donos, principais executivos e acionistas) têm que agir como vanguarda do segmento, e perseverar na “descarbonização” dos processos de produção, circulação e consumo de seus produtos. Ainda existe um quinto estágio difícil de ser alcançado que é buscar a sustentabilidade em toda a sua cadeia de valor. Há toda uma discussão sobre “sustentabilidade forte” e “sustentabilidade fraca” que vou ignorar aqui para não complicar. Para simplificar é como se do berço ao túmulo todos os seus processos tivessem que ser sustentáveis de modo atestado e público.
Conheci a fundo a trajetória da NATURA. E posso dizer que a semeadura foi feita lá atrás, nos anos 80 quando uma turma de jovens empresários se insurgiu contra o arcaísmo e o conservadorismo político da FIESP (Federação das Indústrias de SP) e fundou o PNBE – Plataforma das Novas Bases Empresariais.
Ali foi formada uma boa cepa – uma nova cultura empresarial: Emerson Kapaz, Ricardo Semler, Guilherme Leal, Pedro Passos, Capobianco (O irmão do nosso Capô), Hélio Mattar e Oded Gragew.
Todos eles envolveram-se em movimentos de defesa da ética, de novos padrões e escolas de administração dos negócios. Guilherme Leal e Pedro Passos são conhecidos atuantes em conselhos de organizações ambientalistas. Um grupo deles fundou o Instituto Ethos e Hélio Mattar o Instituto Akatu entre outros.
Oded Gragew tornou-se um verdadeiro militante do movimento Cidades Sustentáveis e fundador do Nossa São Paulo.
O espaço aqui não é adequado para fazer jus à toda a contribuição daqueles jovens empresários, hoje senhores de cabelos brancos. Muita estrada foi percorrida, erros e acertos foram feitos. Estão ainda na ativa.
Voltando à trajetória da NATURA, quilos de consultores foram contratados, contabilidades de todas as ISOs feitas, inserção internacional por meio do GLOBAL COMPACT e o sucesso do seu marketing ambiental é indiscutível pois bem fundamentado.
Há quem critique, sempre há, pois dos nossos exigimos a perfeição, a agenda máxima e todas as virtudes. Somos pouco exigentes com quem não cumpre mas diz que sim e somos draconianos com os que se esforçam e escolhem o lado certo da história. Há um quê de perversão no fato de quanto maior a accountability mais nos tornamos alvos de campanhas difamatórias. Pagamos um alto preço pela transparência e quase nenhum pela falta de.
A dor e a delícia de ser protagonista se misturam.
Sobre os empresários verdes e a crença na reforma ecológica do capitalismo restam ainda abordagens que farei nos próximos posts. É um tema vasto e apaixonante. Revela aliados e oportunistas.
Por agora, fica aqui a expectativa do que será essa união entre uma empresa antiga e global – a AVON, com a brasileira – nossa eco-campeã de prêmios e das consideradas boas práticas no tripé PEOPLE, PLANET, PROFIT.
E antes que me perguntem, conheci todos esses empresários pessoalmente. Com muitos deles convivi em conselhos, etc.
É uma história interessante na construção da matriz sustentabilista. É também um importante capítulo na contribuição da nossa geração. Não digam que não fizemos nada.
Este texto faz parte da série sobre o ambientalismo brasileiro que venho publicando, desde abril, no site Envolverde/Carta Capital
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.