Por Cristiano Felix*
Com cerca de 12% da água doce disponível do planeta, o Brasil viveu por décadas acostumado à ideia de que esse recurso natural, tão fundamental para a vida, era abundante. Lavar carros e calçadas com água tratada era uma atitude comum. Somente no último ano é que começamos a perceber, de fato, a importância da passagem de uma cultura do desperdício para o consumo racional. Expressões como “estresse hídrico”, “volume morto” e “reserva técnica” passaram a fazer parte de nosso dia a dia e o aumento da consciência coletiva para o uso sustentável da água tornou-se uma questão de sobrevivência.
A crescente escassez hídrica indica que não estamos diante de um desafio trivial. Na busca por soluções, já demos o primeiro passo que foi superar o mito da abundância. A população já acompanha com ansiedade os níveis dos reservatórios da região Sudeste. Em 2014, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) chegou a afirmar que a estiagem no Sudeste foi a maior dos últimos 80 anos. As captações nos rios e riachos já estão mais restritas e muitas indústrias já sentem a crise, seja nos refeitórios e banheiros, como nas linhas de produção.
Segundo o Sistema Nacional de Saneamento Ambiental, do Ministério das Cidades, os brasileiros consumiam, em média, 166,3 litros por habitante/dia em 2013, o que representa uma queda de apenas 0,7% na comparação com 2012. De acordo com a ONU, 110 litros por dia é quantidade adequada para atender às necessidades de uma pessoa. Portanto, continuamos consumindo muito.
A água faz parte de uma rede de interdependências nem sempre percebida. Sua escassez impacta a oferta de alimentos, energia, saúde e mobilidade. E como é recurso finito, requer uma ampla revisão da forma como vem sendo gerenciada, seja pelo governo, empresas e cidadãos. Ou seja, precisamos aprimorar o manejo e o uso sustentável dos recursos hídricos no Brasil, em lugar de nos conformarmos com a escassez.
Um ponto de consenso é que os investimentos na gestão hídrica devem ser permanentes. No âmbito das empresas, ter visão de futuro é imprescindível para a perenidade do negócio. Por isso, a garantia da disponibilidade de água implica em duas atitudes importantes: planejar e inovar. As ações voltadas para a redução do consumo devem ser programas contínuos e não mais medidas emergenciais. Devem envolver também a criação de alternativas inteligentes para o aumento do reaproveitamento da água. Em São Paulo, por exemplo, já é lei. Em abril, a Prefeitura tornou obrigatório sistemas para reutilizar a água da lavagem de veículos em postos de combustível e lava-rápidos.
Na fábrica da Fiat, em Betim, em 2010, o emprego de mais de R$ 12 milhões na implantação do reator de membranas (MBR) e da osmose reversa para otimizar o reúso de nosso efluente já se comprovou como uma ação acertada. No ano passado, o investimento foi totalmente recuperado, com a economia de toda a água que deixou de ser captada em quatro anos. A fábrica é, hoje, praticamente autossuficiente ao recircular 99,4% da água em um sistema próprio de reúso, pioneiro na América Latina. Outra linha de ação que faz parte da estratégia da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) é produzir com menos água. O consumo por veículo fabricado reduziu, em cinco anos, 24,8%.
Isso só foi possível pois a gestão hídrica faz parte do planejamento estratégico e, portanto, de longo prazo da FCA. As empresas que têm essa mentalidade estão mais preparadas para enfrentar o cenário atual.
Mas ainda temos muito que aprender em um momento de crise. O contexto atual de escassez hídrica é importante para reflexões sobre a situação ambiental de nossos rios e está nos ensinando a olhar para nosso próprio modo de vida. Nesse momento, é fundamental que empresas, governos e a própria sociedade civil se engajem na ideia de que é preciso mudar. Não é possível continuarmos com práticas predatórias do século passado. É urgente buscarmos o uso sustentável dos recursos naturais. (#Envolverde)
* Cristiano Felix é gerente de Meio Ambiente, Saúde e Segurança do Trabalho da FCA para a América Latina.