Tem sido bastante divulgada pela midia, e pelas redes sociais, a Lei estadual – proposta e aprovada graças ao trabalho do deputado Carlos Minc, que proíbe os supermercados de distribuir sacolas plásticas “gratuitas” . Bilhões delas. E nunca foram de graça, saibam. O valor de cada sacolinha se acha embutido no preço dos produtos que se compra. Só para se ter uma ideia do volume, uma Rede de lojas tipo um Carrefour da vida, distribuía em 2010 cerca de 76 milhões de sacolas mensalmente. Imagine isso multiplicado por todos os supermercados, farmácias, padarias e demais estabelecimentos comerciais?
Muito plástico voando nas estradas, enfeiando cercas e quintais, sufocando animais marinhos e se amontoado em lixões. Prazo decomposição? A perder de vista. Sim, os lixões ainda existem. Quase 10 anos após a aprovação pelo Congresso – no apagar das luzes da legislatura de 2010 (fim do mandato de Lula) a Lei Nacional de Resíduos Sólidos que previa o fim dos mesmos.
20 anos em discussão no Congresso (lixo é dinheiro grande) e agora quase 10 anos depois não foi implementada. Coisas do Brasil tartaruga, quando poderosos interesses econômicos são contrariados.
Conheço bem o bastidor do assunto. Vou contar um pouco dele por aqui.
Carlos Minc, notório deputado ambientalista carioca e então secretário de meio ambiente, foi convidado em 2008 para substituir a ex Ministra Marina da Silva.
Minc levou uma turma do Rio que o assessorava e tentou aproveitar ao máximo a equipe que lá estava.
Do Rio lembro bem de Izabella Teixeira (que viria a se tornar ministra no mandato da Dilma) e de Suzana Khan, cientista da Coppe que o ajudou a elaborar o I Plano Nacional de Mudanças Climáticas do Brasil em 2009. Roberto Messias presidente do Ibama e Rômulo Melo presidente do recém criado Instituto Chico Mendes.
O Ministério era repleto de “órfãos da Marina”, acostumados com seu estilo pastoral e lunar – recatado. O oposto do Ministro Minc com seus coletes coloridos, linguajar descontraído, gestual agitado e midiático.
Minc tinha menos de dois anos para fazer e acontecer e queria mostrar serviço. Precisava recuperar o prestígio do MMA que era tido na Esplanada como “o ministério não governamental”. E não era um elogio.
O melhor para reverter essa imagem era “fazer entregas”, botar o bloco na rua e mostrar em todas as áreas de sua competência – que o Ministério era um player importante. Que fazia entregas à sociedade.
Aí é que eu entro. Nunca fui petista mas sim ligada ao PPS do Freire e do Arouca. Mas trabalhei muito pela agenda ambiental do Rio e eu e o Minc tínhamos um grande apreço um pelo trabalho do outro.
Ele chegou em maio à Brasília e lá pelo final de junho me chamou.
Tinha se indisposto com o Secretário da área que me confiou. O meu antecessor privilegiava os “processos” e não os “produtos”. Tudo indicava que não se adaptaria ao novo modelo de gestão. Preferiu sair.
O fato é que me tornei titular da Secretaria de Relações Instituicionais e Cidadania Ambiental. Uma área com várias atribuições mas o espaço não me permite detalhar. O importante é que estava na minha competência colocar em movimento o I Plano de Produção e Consumo Sustentável que encontrei em forma de rascunho e tratei de dar forma e conteúdo.
Ali nasceu a estratégia do Varejo Sustentável e com o total apoio de Carlos Minc a campanha nacional pela redução do uso e distribuição de sacolas plásticas.
Embora alguns países já tivessem adotado medidas para seu banimento Minc acreditava que era preciso uma campanha educativa antes de se partir para algo mais drástico. O Brasil era grande e diverso.
Com envolvimento das principais cadeias de supermercado, especialmente Walmart e Carrefour, com o apoio da ABRAS – Associação Brasileira de Supermercados, lançamos a campanha nacional SACO É UM SACO. Com vídeos, internet e distribuição gratuita de sacolas retornáveis – a idéia era mostrar o que estava por trás do hábito de embalar tudo, inclusive o lixo doméstico, em milhares de sacolinhas: destruição do ambiente, da fauna, enchentes na cidade, etc.
Minc ia a todos os eventos, apoiou a irreverência da campanha e mobilizou artistas para ajudar na divulgação.
Na retaguarda ficamos nós, eu Secretária e minha equipe enfrentando o Congresso e o lobby da indústria plástica – com a poderosa Brasken agindo no bastidor, inclusive financiando uma ONG laranja cuja missão era mostrar “a utilidade” do plástico . Para o segmento que defendia seus negócios o problema não estava nas sacolas mas na educação do consumidor.
Vale a pena contar o que foi essa “guerra santa” pela redução. E nem se falava em banimento das sacolas.
Mas o importante registrar aqui é como uma orquestra de interesses age e mobiliza uma opinião pública que resiste a mudanças de hábito.
Durante os 6 anos que permaneci em Brasília me bati incansavelmente pela redução na distribuição de sacolas.
Colecionávamos (no Brasil e no exterior) casos bem sucedidos, inclusive o de BH. Mas lá uma experiência que parecia exitosa retrocedeu.
Em Sampa uma Lei estadual foi barrada e no Rio uma primeira legislação anos atrás, não pegou também.
Então, agora vivemos, os cariocas e demais municípios do Rio, o desafio de avançar em um comportamento que todas as pesquisas demonstram ser danoso. As sacolas parecem práticas mas escondem um problema ambiental de grande magnitude.
As “sacolinhas”, entretanto, são apenas a ponta do iceberg da enorme, da ampla e complexa poluição causado por plásticos e assemelhados.
Voltaremos ao assunto.
Por agora – na torcida para que a Lei seja cumprida.
Este texto faz parte da série que venho escrevendo desde março para o site Envolverde/Carta Capital, sobre o ambientalismo no Brasil.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.