SOBRE A NOTA DOS EMPRESÁRIOS:
Ontem um fato histórico e lamentável ocorreu. Federações e Confederações empresariais e sindicatos patronais publicaram anúncio de página inteira, nos mais prestigiados jornais, em apoio à cartilha de destruição do meio ambiente – em curso acelerado – conduzida por Ricardo Salles, ministro de um presidente que a contragosto não extinguiu a pasta logo no início do seu mandato.
Fui Secretária Nacional por seis anos em Brasília, justamente na pasta que atendia às demandas empresariais ligadas à pauta de produção e consumo sustentáveis, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente. Vivenciei e enfrentei os lobbies empresariais nada sutis quando tentamos reduzir, repito reduzir, e não eliminar o uso de sacolas plásticas. Iniciativa da gestão de Carlos minc e depois continuada por Izabella Teixeira.
A CNI – Confederação Nacional das Indústrias, que integrava o Conselho de Gestão do I Plano de Produção e Consumo Sustentável brasileiro (2011-2014), então enviou a tropa de choque para o GT que visava regular os conflitos em torno da proposta: tropa esta representada pela ABIQUIM, ABIPLAST E ABIPET para evitar qualquer avanço. E para nossa surpresa o lobby tinha base no Congresso, com vários deputados, eles mesmos empresários fabricantes de sacolas plásticas. Ou seja: os deputados são empresários, filhos ou donos de fazenda, representam quase sempre o poder econômico que os elegeu.
Ontem assinou a Nota de apoio à destruição do patrimônio ambiental brasileiro as mais expressivas Federações que representam o agronegócio e a indústria do atraso.
Pude acompanhar, ao longo do dia, várias empresas associadas “caindo fora”, se retratando ou publicando textos de repúdio nas redes sociais. Alegam que não foram consultadas sobre a tal Nota.
Para mim a cena é clara: foi articulada uma falsa frente para mostrar força e hegemonia. Uma falsa legitimidade.
Contudo, o quanto ela é verdadeira ou falaciosa terá que ser demonstrado.
O joio precisa ser separado do trigo e é fundamental que a sociedade brasileira saiba, com clareza, quem dá sustentação ao mais espúrio ministro do meio ambiente do Brasil, desde a criação do Ministério nas ondas modernizadoras de 1992.
Um ministro que tornou a pasta do meio ambiente subordinada à pasta da agricultura, e dentro desta última à banda podre do gado extensivo e do expansionismo da soja e da cana em terras públicas griladas.
Já há algum tempo, empresas com mentalidade progressista têm se alinhado em outros coletivos – como o caso do CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, o Instituto Ethos e a recente Coalizão Clima, Água e Florestas.
Diante do vulto que a coisa tomou ontem, não é suficiente o repúdio da nata empresarial “verde”.
Penso que uma ruptura entre atraso e progresso precisa ocorrer. Como nos anos 80 ocorreu a ruptura entre a velha e a nova mentalidade na FIESP – Federação das Indústrias de São Paulo, a toda poderosa de então.
Fundada por um grupo de empresários jovens nasceu o PNBE – Pensamento da Nova Base Empresarial.
Desta cepa surgiram, sem dúvida, as bases doutrinárias da responsabilidade social das empresas e de seu engajamento no tema da sustentabilidade. Alguns protagonistas dessa nova turma ainda estão aí na peleja: Emerson Kapaz, Oded Grajew, Helio Mattar, Capobianco, Ricardo Sendler e outros.
Penso que é chegada a hora de romper com os clubes dos sustentáveis e abrir um leque mais amplo: uma verdadeira frente empresarial progressista, que demonstre com atos e palavras que a Nota de ontem não os representa.
Se assim não for, o repúdio não passará de retórica fraca, coral desafinado de crianças.
Terá vencido a brutalidade, a ganância e a irresponsabilidade com o futuro.
Pagaremos um alto preço, então. Todos nós.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.