Diversos

Em nome do desenvolvimento, povos e ecossistemas são arrasados

Karine Jacquemart. Foto: Cortesia da autora
Karine Jacquemart. Foto: Cortesia da autora

Por Karine Jacquemart e Anuradha Mittal*

Paris, França e Oakland, Estados Unidos, maio/2015 – Nosso compromisso a favor do acesso e controle dos recursos naturais, no Greenpeace e no Oakland Institute, faz com que nos acusem constantemente de atuar contra o desenvolvimento, ou que nos tachem de “organizações do primeiro mundo que se ocupam mais com árvores do que com seres humanos”, apesar de trabalharmos com comunidades em todo o mundo, da China a Camarões ou República Checa.

Esse tipo de acusação – uma tentativa de desacreditar as lutas pela preservação da terra, da água e de outros recursos naturais dos países do terceiro mundo – oculta uma inquietante realidade. A intensa competição pela aquisição de terras desencadeada para explorar as riquezas do planeta não só é feroz e desigual como também provoca consequências fatais.

Estudos recentes, incluído um informe de abril da Global Witness, documentam o aumento dos assassinatos de ativistas e defensores da terra e do ambiente, que em 2014 chegou à terrível média de dois por semana.

Em resposta à intimidação, à repressão, aos desaparecimentos e às mortes que sofrem os ativistas que resistem à depredação de suas terras, é eticamente imperioso dar-lhes todo apoio possível para que possam enfrentar os avanços das corporações e dos governos que a apoiam.

É isso o que têm em comum as organizações não governamentais como o Greenpeace e o Oakland Institute.

Estima-se que, na última década, 200 milhões de hectares de terras – uma superfície cinco vezes maior do que o Estado norte-americano da Califórnia – foram arrendados ou comprados, muitas vezes mediante operações obscuras.

Anuradha Mittal. Foto: Cortesia da autora
Anuradha Mittal. Foto: Cortesia da autora

Os recursos naturais da África talvez sejam os mais cobiçados do planeta, como demonstra o fato de neste continente acontecerem 70% das transações agrárias.

Para ali se dirigem companhias multinacionais, assistidas por instituições poderosas – o grupo do Banco Mundial e os oito maiores países doadores – para aplicar seu modelo de “desenvolvimento econômico” que, afirmam, promove, mediante investimentos em grande escala, a exploração intensiva de vastas superfícies de terra e impulsiona o crescimento econômico que espalha seus benefícios pelo país receptor.

Entretanto, nosso trabalho revela uma realidade muito diferente e digna de preocupação. As comunidades locais e os povos indígenas denunciam que as decisões expropriatórias são adotadas sem consultá-los, e que suas terras, suas casas e as florestas são arrasadas para implantar a agricultura intensiva e de monocultura que os investidores exigem. E seus sistemas de vida são destruídos.

Que esse tipo de “desenvolvimento” é adverso à vontade da população é evidente. Disse um fazendeiro da República Democrática do Congo: “Quero continuar sendo um camponês e cultivar minha terra. Não quero me converter em um trabalhador dependente de uma empresa estrangeira”.

E um chefe da tribo bodi da Etiópia afirmou: “Não quero abandonar minha terra. Se tentarem nos tirar pela força, lutaremos. Em qualquer caso, continuarei em minha aldeia, vivo sobre minha terra, ou morto debaixo dela”.

Esses testemunhos representam as multidões de aldeões e camponeses vítimas do despojo de seus recursos naturais, cometido sem que seus protestos sejam ouvidos, calados pelos que definem o que é a favor ou contra o desenvolvimento.

E, como se a devastação de suas vidas e sistemas de vida não fosse suficiente, os que resistem encaram a violência repressiva por parte de governos e empresas privadas.

A companhia norte-americana Herakles Farm projeta uma plantação de palma em Camarões, que deslocará milhares de pessoas de suas terras e destruirá parte da segunda floresta chuvosa do mundo em extensão.

Em resposta às críticas, o responsável pela empresa escreveu em uma carta aberta: “Meu objetivo é apresentar a Herakles Farm e esse projeto pelo que realmente são: um projeto comercial para a produção de óleo de palma de modesta dimensão, que criará postos de trabalho, promoverá o desenvolvimento social e elevará o nível de segurança alimentar por meio da incorporação dos melhores procedimentos industriais”.

O que faltou o empresário responder é por que Nasako Besingi, um ativista camaronês que dirige uma organização não governamental local, foi incessantemente perseguido por se opor ao projeto.

Besingi foi preso em 2012 enquanto planejava uma manifestação pacífica e mantido vários dias na prisão junto com dois colegas.

Imediatamente após sua libertação, enquanto acompanhava uma equipe de televisão francesa em visita à área do projeto, lhe armaram uma emboscada e o agrediram. Besingi reconheceu entre os atacantes alguns empregados da Herakles Farm.

Em lugar de conseguir proteção para suas atividades, Besingi e sua organização agora devem se defender de ações legais, incluindo um julgamento por difamação, que é uma das táticas preferidas pelas corporações para intimidar ou dissuadir seus oponentes.

Se não se colocar limites e controles, a privatização das terras e o roubo dos recursos naturais serão irreversíveis e colocarão em risco povos, florestas e ecossistemas.

É hora de optarmos por um caminho para o desenvolvimento que tenha como prioridade os povos e o planeta, não a ganância dos ricos e de suas empresas. Envolverde/IPS

* Karine Jacquemart é coordenadora do Projeto Florestal para a África do Greenpeace, e Anuradha Mittal é diretora-executiva do Oakland Institute.