Retomando o fio da meada, enfatizei nos primeiros textos desta série que o AMBIENTALISMO contemporâneo nasceu bem longe do marxismo, seja como doutrina política ou cultural.
Do conservacionismo norte-americano, seguiu incorporando outros legados: o da contra- cultura (não faça a guerra, faça o amor); o do pacifismo (não à bomba nuclear), até descobrir nos anos 60 que os agrotóxicos estavam contaminando água, solos e a natureza. Até topar com o ar irrespirável das cidades. Na época do carvão Londres chamava de FOG a densa atmosfera da cidade, principalmente no inverno. Nos anos 60, sem carvão, a fumaça era de outra natureza: da chaminé das fábricas.
O que chamávamos progresso estava nos envenenando.
Em 1968 surge a palavra trágica: poluição. Em 1972, a famosa Conferência de Estocolmo centra seus esforços na poluição urbana. E nos mesmos anos 70 temos a proliferação dos “Clean Acts”, assim como dos instrumentos de Comando e Controle (regulações). Um imenso rol de expertises técnicas começa a se consolidar em torno da prevenção e mitigação da poluição. Ponto. Congela.
No campo político as forças progressistas de esquerda ignoravam solenemente os ecologistas, vistos como seres exóticos. Não éramos chamados de ambientalistas.
Suas disputas se davam em outro campo: o do desenvolvimento.
Nenhuma nação renuncia ao seu direito ao desenvolvimento – era o mote. E o que o conceito revelava ou escondia era o alvo da disputa entre a esquerda e a direita liberal (esta coisa de extrema direita como se conhece hoje não se apresentava).
Duas turmas dominavam a discussão com suas respectivas fileiras de intelectuais: os economistas e os educadores. O desenvolvimentismo produziu no Brasil líderes como Fernando Henrique Cardoso que veio a ser nosso presidente.
A utopia era: se nos tornarmos um país fortemente industrializado e com altos níveis educacionais seremos desenvolvidos como os Estados Unidos e os europeus. Pensando melhor, igual a Europa onde reinava a social democracia e o estado de bem estar social.
A entrada dos ambientalistas nesse campo minado se deu sob a régua do ECODESENVOVIMENTISMO, via Paris, via um intelectual que ficaria muito conhecido no Brasil: Ignacy Sachs.
Foi professor de vários brasileiros, dentre eles, ainda nos anos 80, Cristovam Buarque que escreveu A Desordem do Progresso, livro inspirado nas ideias do mestre.
Trocando em miúdos o ecodesenvolvimento apontava para a necessidade de incluir o capital natural na conta. E também chamar os geógrafos, os biólogos e antropólogos para a conversa. Os cientistas políticos e sociólogos já estavam. Era necessário levar em conta os limites planetários (Clube de Roma, 1972), a vocação econômica de cada bioma, e as diferenças culturais entre os povos. Valoriza-las em vez de considera-las handcap. Aproveitar tanto o saber da academia quanto o saber não erudito das populações nativas ou tradicionais no manejo dos recursos naturais.
Foi meio natural, sem trocadilho, que os ecossocialistas (de quem já falei no post anterior) se bandeassem em boa parte para esse terreno. O Ecodesenvolvimento era um projeto alternativo ao industrialismo reinante. E combatia a ideia de que era necessário crescer sem parar.
Os sonhos da esquerda progressista de pegar uma carona nesta teoria e dela tirar vantagem política foi no entanto frustrada, e rapidamente, pelo rolo compressor do conceito de DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.
O Relatório Nosso Futuro Comum (1987) propôs uma outra utopia, e nela cabiam todos: militantes de direita e de esquerda, verdes e vermelhos, empresários, técnicos, políticos e quem mais chegasse.
Para esta utopia se realizar bastaria cada um fazer sua parte. Parece ingênuo? Eram os otimistas anos 90.
No próximo post vamos ver que parte o SOCIOAMBIENTALISMO tomou para si e como foi ganhando projeção nos anos pós.-Rio 92.
É um capítulo bem interessante.
(Os textos desta série estão sendo publicados pelo site Envolverde/Carta Capital, caso deseje conhecer os argumentos que venho apresentando na integra.)
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo ” O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.