por Samyra Crespo –

Em história da ciência, minha especialidade acadêmica por anos, se diz que toda a ciência que se vê hoje se escora em ombros de gigantes do passado. Não teríamos a matemática sem Pitágoras, nem a literatura tal como a conhecemos sem Shakespeare. Sem falar em Einstein que revolucionou a física. Cada especialidade, cada corpo de conhecimento evoluiu a partir da genialidade e esforço de toda uma linhagem de pensamento e trabalho. Foi Alex Humboldt, cientista e naturalista quem deu o nome à disciplina: ecologia. Do OIKOS (casa em grego). E tudo o que conhecemos sobre capacidade de carga (carrying capacity) – o quanto de animais ou vegetais determinadas áreas comportam sem que o habitat ou ecossistema entrem em degradação e risco de morte – deve-se à Ecologia Animal/Vegetal (ramo da Biologia da Conservação).

Mas o passo definitivo para o manejo de fauna e flora que se faz nos parques nacionais e em áreas protegidas mundo afora, não sendo diferente no Brasil se deve a Aldo Leopoldo, um engenheiro florestal Norte americano que tinha múltiplos talentos. Atuou como cientista, ensaísta, gestor de parques, na política de seu país na implementação de áreas protegidas. Nascido em fins do século XIX atuou até sua morte em 1948. Foi um gigante.

Seu ensaio “Thinking like a Mountain” (Pensando como uma Montanha) é até hoje fonte de inspiração para a ética conservacionista.

Os conservacionistas, repito o que disse nos textos anteriores, são o eixo estruturante do ambientalismo.

Não vão encontrar suas raízes e seu desenvolvimento em nenhuma doutrina marxista ou qualquer país da Cortina de Ferro (como eram chamados os países integrantes da ex-união soviética hegemonizada pela Russia). Aldo Leopold e Rachel Carlson, pais do conservacionism eram norte-americanos e ambos cientistas. O citado ensaio de Leopold e o livro “Primavera Silenciosa” (lançado em 1962) de Carson, denunciando o envenenamento dos rios, lagos e córregos por agrotóxicos com consequências severas no ambiente natural e humano – são os gatilhos sobre os quais o movimento conservacionista se desenvolveu. Claro que tivemos antes deles os naturalistas dos séculos XVII e XVIII e também do seguinte. Mas somos filhos do século XX e nossos desafios, bem como nossa dívida para com as gerações futuras estão em movimento no século XXI.

Se você vai ao Kruger Park na África e vê leões nas savanas e hipopótamos e zebras nos banhados, bebendo a mesma água, se você vê no Brasil uma onça pintada com seu filhote no Parque do Iguaçu (vídeo viralizado na internet), saiba que você está gozando dos benefícios da ciência e do movimento conservacionista. Ligas mundiais foram criadas e também organizações especializadas. O conservacionismo não é amador nem brinca com a Natureza. Sabe que ela tem dinâmicas próprias e limites. Movimento com base científica e técnica.

Movimento que a cada passo que dá para reflorestar, repovoar regiões devastadas por fogo ou desmatamento, descontaminar um rio, ou ainda conservar fragmentos de biomas inteiros (como a Mata Atlântica ou a Caatinga) se escora em tecnologia e luta política. Política sim, como o fez Aldo Leopold, pois é evidente, contraria interesses.

Voltarei ao tema e falarei, dando nome aos bois, que interesses são esses e como podemos identificar a que valores e causas o conservacionismo brasileiro está ligado.

Lembre-se: nosso Ministério do Meio Ambiente acha -se sob forte ataque. A quem interessa o desmonte?

 

Samyra Crespo é ambientalista e autora da série de pesquisas “O que o Brasileiro Pensa do Meio Ambiente”.

 

 

Imagem: Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland no Orinoco