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Por quanto tempo os oceanos poderão absorver o calor da Terra

Por Cheryl Katz –

Durante décadas, os oceanos da Terra absorveram mais de nove décimos do excesso de calor preso na atmosfera pelas emissões de gases de Efeito Estufa (GEE). Ao armazenar essa energia extra em suas profundezas, os oceanos livraram o Planeta de experimentar todos os efeitos causados pelo uso excessivo de carbono da humanidade.

Mas à medida que estes gases se acumulam no ar, debaixo das ondas ocorre uma sobrecarga energética. Uma série de pesquisas recentes constatou que o oceano foi aquecendo mais rapidamente e até uma profundidade maior do que o que tinha sido previsto pelos cientistas. E há novos sinais de que os oceanos poderiam estar começando a liberar um pouco dessa energia térmica acumulada, o que poderia contribuir para aumentar significativamente a temperatura global nos próximos anos.

O oceano vem aquecendo a uma velocidade de entre 0,5 e 1 watt de energia por metro quadrado nos últimos dez anos, até acumular mais de 2 X 1023 joules de energia desde 1990, o equivalente a aproximadamente cinco bombas de Hiroshima explodindo a cada segundo. Os vastos oceanos, cujas mudanças de temperaturas são lentas, têm uma grande capacidade de reter o calor, especialmente o fundo do oceano, que cada vez mais desempenha a função de absorção e armazenamento. “Esta é uma das principais razões pelas quais a temperatura da superfície do Planeta aumentou menos do que o esperado nos últimos doze anos, aproximadamente, tendo-se em conta o enorme aumento de GEE durante o mesmo período”, afirmou Kevin Trenberth, cientista do National Center for Atmospheric Research. O fenômeno, que alguns chamam de “hiato”, desafiou os cientistas a explicarem sua causa. Mas estudos recentes indicam que as forças que estão por trás deste suposto hiato são processos oceânicos naturais – e temporários – que podem estar mudando de rumo.

Os ventos alísios do Pacífico, por exemplo, que foram excepcionalmente fortes durante as duas últimas décadas graças a um ciclo de 20 a 30 anos, chamado ciclo de oscilação interdecadal do Pacífico, estiveram bombeando calor térmico da atmosfera para o fundo do Pacífico Ocidental. Os ventos são alimentados pela fase negativa, ou fria, do ciclo atual. Mas os cientistas explicam que quando o ciclo mudar para sua fase positiva, a cálida – o que a história sugere que poderia acontecer dentro de uma década – os ventos enfraquecerão e o bombeamento diminuirá, o que fará com que o calor afundado volte à atmosfera.

“Há indícios de que talvez isto já esteja acontecendo”, constata Matthew England, professor de ciências oceânicas na Universidade de New South Wales, Austrália. Sem a ação de esfriamento dos ventos, as temperaturas atmosféricas poderiam disparar tal como fizeram nos anos 1980 e 1990, a última vez em que a oscilação foi positiva. Durante a próxima fase positiva, acrescenta England, “é muito provável que o aquecimento seja tão rápido quanto ou até mais, porque esses gases de Efeito Estufa são agora mais elevados”.

Os cientistas também estão percebendo que a temperatura do oceano é agora mais alta, e a uma profundidade ainda maior, do que eles haviam imaginado. Tudo isto significa que o clima mudou muito mais do que acreditamos. “Se quisermos medir o desequilíbrio energético da Terra, a temperatura do oceano proporciona-nos quase toda a história”, afirma Dean Roemmich, professor de oceanografia da Scripps Institution of Oceanography, na Universidade da Califórnia de San Diego.

O aumento de calor no longo prazo nos primeiros 700 metros dos oceanos provavelmente tenha sido subestimado para a metade, segundo Paul Durack, pesquisador do Lawrence Livermore National Laboratory. As medidas anteriores de acumulação de calor estavam abaixo das expectativas devido às observações historicamente dispersas de grandes porções do oceano. Os valores foram especialmente baixos no Hemisfério Sul, que contém aproximadamente 60% dos oceanos do Planeta, mas que foi pobremente pesquisado, até que em 2005 foi implantada, no mundo todo, a Argo, uma rede de aproximadamente 3.500 sensores flutuantes.

Uma análise atualizada de Durack e seus colegas revelou que entre 1970 e 2004, os primeiros 700 metros dos oceanos do Hemisfério Sul tinham aquecido entre 48% e 166% a mais do que o que tinha sido calculado em observações anteriores. A nível mundial, seus resultados sugerem que a camada superior dos oceanos conserva entre 24% e 58% a mais de calor do que antes. “Provavelmente estivemos perdendo parte do aquecimento”, afirma Durack. Seu estudo e outras pesquisas recentes indicam que “deveríamos voltar e começar a recalcular as estimativas de sensibilidade climática da Terra”.

Ao analisar os dados da Argo, que medem o calor armazenado a 2 mil metros de profundidade, Roemmich e seus colegas descobriram que o excesso de energia também estava penetrando mais profundamente no oceano e mais ao Sul. A rede proporciona as primeiras medições completas das profundezas do oceano, quando antes as leituras só chegavam a 700 metros. Os pesquisadores descobriram que o aumento significativo de calor do oceano, de dois terços a 98%, que ocorreu entre 2006 e 2013, teve lugar bem ao Sul do Equador, onde vórtices gigantes o puxaram para baixo. E a metade do aumento ocorreu entre 500 e 2 mil metros de profundidade.

Roemmich calcula que em profundidades de entre 500 e 2 mil metros os oceanos aquecem aproximadamente 0,002 graus centígrados por ano, enquanto nos primeiros 500 metros eles estão ganhando por volta de 0,005 graus a cada ano. Ainda que possa parecer um salto de temperatura não muito grande, o resultado é uma surpreendente carga de calor quando multiplicado por todas as profundidades deste imenso sistema que cobre 70% do Planeta.

O aumento de temperatura é maior na superfície do mar, que aquece mais rápido que o conjunto do oceano. Os primeiros 75 metros esquentaram uma média de 0,01°C por ano desde 1971. Mas forças como o vento e as correntezas têm fortes efeitos sobre a superfície do oceano, onde as medições de temperatura são muito variáveis. Ainda assim, elas indicam que algumas zonas do oceano estão aquecendo particularmente rápido, como o Oceano Ártico, que este ano registrou o nível mais baixo de gelo invernal anual e está absorvendo muito mais energia solar com o derretimento da cobertura de gelo expondo novas superfícies escuras. Em algumas seções, as temperaturas estivais da superfície do mar aumentaram por volta de 1°C nas últimas duas décadas, quase cinco vezes a média mundial. Algumas partes do Oceano Índico, do Atlântico Norte e das águas que rodeiam a Antártida estão aquecendo quase à mesma velocidade.

“Uns quantos fenômenos como El Niño solucionariam o problema”, declarou England. A água morna e os ventos calmos desta periódica condição tropical do Pacífico são “uma grande forma de conseguir que o calor das profundezas regresse à superfície”. Os meteorologistas afirmam que um plácido El Niño está a caminho este ano.

Claro que os oceanos não vão expelir todo este excesso de calor de repente; a capacidade que a água do mar tem de absorver o calor é enorme e uma parte permanecerá retida aí durante milênios. No entanto, parte dessa energia armazenada será liberada no ar na superfície do oceano e a atmosfera aquecerá. Tendo-se em conta a magnitude da carga térmica do oceano, qualquer mudança, por menor que seja, tem um grande impacto. “Mas o outro ponto que quero destacar”, indica England, “é que os GEE na atmosfera se encontram em altas concentrações em comparação com 100 anos atrás, de modo que não é necessário extrair o calor do oceano para a superfície para obter um aquecimento futuro; só é preciso frear a absorção de calor pelo oceano, e os GEE farão o resto”.

As tendências climáticas recentes sugerem que os mecanismos de absorção, como o afundamento de calor debaixo da superfície do Pacífico tropical e a transferência vertical de calor para as profundezas do oceano, poderiam estar diminuindo. “É por isso que 2014 é agora o ano mais cálido registrado”, afirmou Trenberth, e acrescentou: “Em outras palavras, o calor já não está descendo às profundezas do oceano. Os padrões de vento mudaram; a superfície do Oceano Pacífico aqueceu. E isto tem consequências.” Uma das principais consequências é o aumento do nível do mar. A expansão térmica – a água ganha volume quando aquece – representa uma parte significativa do aumento do nível do mar, de modo que um oceano mais cálido significa notícias ainda piores para as já ameaçadas ilhas e costas.

Os efeitos sobre os padrões de circulação do mar e sobre o clima são complexos e difíceis de prever a partir da variação natural, já que se requer uma observação no longo prazo. Mas cada vez há mais indícios que apontam para uma alteração nos prováveis impactos. Entre eles está o rápido aquecimento das águas do Ártico, que poderia piorar as ondas de calor estivais na Europa e na América do Norte através da redução da diferença de temperatura que promove a circulação na latitude média. Também a recente série de excepcionais e intensos ciclones poderia estar relacionada com as mudanças no Pacífico tropical.

Quanto à vida marinha, o aquecimento dos oceanos já apresenta inúmeros e cada vez mais intensos perigos. A água mais quente contém menos oxigênio e outros gases. Além disso, o aquecimento aumenta a estratificação oceânica, o que bloqueia a circulação das águas de superfície ricas em oxigênio para zonas mais profundas. As zonas com baixo nível de oxigênio estão se estendendo, e os modelos climáticos preveem que poderiam aumentar em 50% no final deste século. Além de serem inóspitas para a maioria das criaturas marinhas; ao se espalharem, estas zonas estão reduzindo de forma crítica o hábitat da parte superior do oceano, segundo Sarah Moffitt, pesquisadora do laboratório marinho Davis’ Bodega, da Universidade da Califórnia. Segundo ela, “estamos perdendo este importante espaço de hábitat para os organismos que respiram oxigênio. Estamos observando indícios de perda de oxigênio em cada bacia oceânica do oceano global”.

Um estudo recente de Moffitt e seus colegas sobre os sedimentos do leito oceânico desde o final da última Idade do Gelo, entre 10 mil e 17 mil anos atrás, revelou que os ecossistemas do Oceano Pacífico, do Ártico até o Chile, “perderam grande quantidade de oxigênio de repente quando o Planeta aqueceu durante o degelo”. Os resultados oferecem um indício do que pode estar à nossa frente. Segundo Moffitt, “isto mostra que em um futuro cálido e rico em carbono, os sistemas oceânicos têm a capacidade de mudar de um modo sem paralelo” no mundo de hoje.

Uma preocupação adicional é que o aumento de temperatura poderia reduzir a função vital do oceano como sumidouro de carbono. Absorver o CO2 da atmosfera é outra forma que os oceanos têm de atenuar os impactos dos GEE, ainda que isto acarrete a acidificação das águas marinhas. Atualmente, quase a metade do CO2 produzido pela humanidade termina dissolvido na água do mar; a maior parte depositado nos oceanos do Hemisfério Sul onde os redemoinhos de vento o afundam a grande profundidade. Mas as águas cálidas também retêm menos CO2. E esses ventos cíclicos provavelmente diminuam algum dia. O resultado do aumento de temperatura dos oceanos e da redução dos ventos seria uma saturação oceânica de CO2 mais rápida e um aumento muito maior de entrada de gases que retêm calor na atmosfera − um cenário potencialmente semelhante à libertação em massa de carbono no oceano que ajudou a pôr fim à última Idade do Gelo.

“Hoje em dia dispomos da tecnologia suficiente para provocar um impacto positivo no clima, a única coisa que falta é vontade política”, comenta John Abraham, professor de ciências térmicas na Universidade de Saint Thomas, em St. Paul, Minnesota. Mas ele e seus colegas estão preocupados com o fato de que ao ocultar os efeitos da nossa longa manipulação de combustíveis fósseis, os oceanos estejam impedindo dar-nos conta do desequilíbrio ao qual o sistema climático da Terra chegou. “O oceano está nos fazendo um favor capturando 90% do nosso calor”, diz Abraham, mas “isto não durará para sempre”. (Eco21/ #Envolverde)

* Cheryl Katz  é jornalista e360 Yale, Scientific American, Environmental Health News e The Daily Climate.

* Publicado originalmente na edição 223 da Eco21.