Por Emma Bonino*
Roma, Itália, junho/2015 – Apesar de anunciada como uma estratégia para “salvar vidas”, a nova política da União Europeia (UE) em relação às multidões vindas do norte da África, que atravessam o Mediterrâneo em busca de refúgio ou sobrevivência econômica na Europa, não prevê uma missão explícita de busca e salvamento dos imigrantes em perigo de naufrágio, como tinha a anterior operação italiana Mare Nostrum, concluída em 31 de outubro de 2014.
A proteção dos imigrantes pode ser melhorada, porque, enquanto a política adaptada pela Comissão Europeia consiste em distribuir entre 20 mil e 40 mil pessoas durante este ano entre os países europeus, a demanda efetiva é muitas vezes superior.
Esse sistema de cotas, embora tardio, é, sem dúvida, um notável avanço. Porém, esperamos para ver se essa decisão sobreviverá aos cortes do Conselho de Ministros do Interior da UE, no qual estão representados os governos e onde as decisões precisa de maioria qualificada.
Já foi manifestada a oposição de grandes países como Grã-Bretanha, que, da mesma forma que Dinamarca e Irlanda, tem um peso muito importante, e da Espanha. É provável que outros países sigam o mesmo caminho, em particular Hungria e Polônia.
O maior temor é que possa ficar em pé o elemento mais questionável de toda a estratégia, a chamada “luta contra os traficantes”, isto é, os que transportam ilegalmente os imigrantes, e que se limite a atacar as embarcações.
Estou convencida de que reduzir a intervenção a uma ofensiva contra as barcaças, sem enfrentar toda a cadeia do tráfico de seres humanos, pode ser contraproducente.
Fico muito perplexa devido ao quadro apresentado pela Líbia, de onde parte a maioria dos imigrantes. Hoje em dia nesse país há dois governos, dois parlamentos e o Estado desapareceu.
O tráfico de seres humanos é disputado por muitas milícias a sangue e fogo. É um negócio extremamente lucrativo e as represálias dos traficantes para conservá-lo serão de extrema violência.
Portanto, não existe uma única solução milagrosa e será indispensável atuar nas diferentes frentes. Mas é urgente intervir porque a situação no Mediterrâneo piorou e é extremamente grave.
A nova política da UE foi encomendada, com um critério errôneo, à Frontex, que é a agência de controle das fronteiras externas da União Europeia, que improvisou a missão Tritão.
Essa missão foi um completo fracasso, como demonstra o aumento de vítimas.
Atualmente, uma missão ampla no Mediterrâneo deveria se preocupar principalmente com busca ativa e salvamento de vidas, como a fazia Mare Nostrum.
Não se trata apenas de uma questão de financiamento, embora seja conveniente recordar que a Mare Nostrum custava quase US$ 10 milhões por mês, enquanto Tritão custa US$ 3,2 milhões mensais.
O que mais conta é o mandato e não existe atualmente um mandato claro para intervir na busca e no socorro de náufragos, embora a decisão final do Conselho de Ministros de Relações Exteriores e de Defesa diga explicitamente que a Frontex deve respeitar a lei do mar e os tratados internacionais, o que implica o resgate e, indiretamente, a busca.
De fato, a guarda costeira italiana continua com a missão Mare Nostrum, porque não pode permanecer indiferente diante da perda de vidas humanas.
Durante as últimas semanas foram salvas dezenas de milhares de pessoas graças à guarda costeira, às associações de pescadores e às organizações não governamentais.
O ponto central é acalmar uma histeria difusa, que serve à política de muitos, mas não considera os fatos reais.
Antes de tudo, é necessário distinguir entre emigrantes econômicos e refugiados de guerra. Hoje em dia, milhões de pessoas estão fugindo de guerras, ditaduras, torturas e ameaças de morte, não apenas no Mediterrâneo. É um problema estrutural de dimensão mundial.
A resposta deve ser política e estabelecer como prioridade o salvamento de vidas humanas.
Agora, vejamos os fatos. A Tunísia, com 11 milhões de habitantes, acolheu um milhão de refugiados líbios, a Jordânia, com quatro milhões de habitantes, acolheu mais de 700 mil refugiados sírios, enquanto o Líbano, também com quatro milhões de habitantes, recebeu um milhão de refugiados sírios.
É vergonhoso que a Europa não seja capaz de dar esse tipo de amparo aos que fogem do horror. Lamentavelmente, esses exemplos são ignorados, aparentemente por conveniência política. Envolverde/IPS
* Emma Bonino é dirigente do Partido Radical italiano, ex-ministra das Relações Exteriores da Itália e ex-comissária da Comissão Europeia.