Marcelo Furtado e Severino Ribeiro*
A assinatura do decreto presidencial criando a Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg), em janeiro, é fundamental para o cumprimento dos compromissos internacionais e nacionais assumidos pelo Brasil em favor da mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e da proteção à biodiversidade. É um sinal positivo em direção à implementação efetiva do Acordo do Clima, da Convenção da Biodiversidade, das adesões ao Desafio de Bonn e à Iniciativa 20×20 e da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, conhecida como novo Código Florestal.
Em comum, esses acordos e a Proveg compartilham o objetivo de restaurar milhões de hectares de florestas. Além disso, a nova política contribuirá para a regularização ambiental das propriedades rurais, gerando ativos para os proprietários e permitindo que o Brasil lidere mundialmente ações de restauração e reflorestamento para mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Do fortalecimento da atividade florestal, advêm vantagens ambientais e sociais, como a preservação de nossa rica biodiversidade, a interligação de remanescentes naturais, a recuperação de solos degradados, o aumento da segurança hídrica e a geração de empregos, renda e tributos.
A Proveg determina a criação de um Conselho – sob liderança do Ministério do Meio Ambiente (MMA) – que integra Casa Civil e outros quatro ministérios (Agricultura; Planejamento; Fazenda; Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), representantes de órgãos públicos das esferas estaduais e municipais e organizações não governamentais. Prevê também que, nos próximos seis meses, um Plano Nacional de Recuperação de Vegetação Nativa (Planaveg) seja elaborado.
Sua missão é acelerar o cumprimento de políticas públicas já existentes, estimular a criação de incentivos financeiros e de tecnologias de recuperação, promover a adoção de boas práticas agropecuárias e o estabelecimento de mercados para produtos e serviços gerados a partir da recuperação da vegetação nativa. A elaboração do Planaveg em um período tão curto parece um objetivo difícil de ser alcançado. E seria, se a discussão e ações concretas já não estivessem bastante adiantadas.
Desde 2013, mais de 45 organizações não governamentais e instituições de ensino e pesquisa vêm avaliando os fatores-chaves e construindo estratégias para o primeiro esboço do Planaveg, em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente. O resultado foi submetido à consulta pública em 2015, quando recebeu quase 200 contribuições técnicas vindas de centros de pesquisa, coletivos, instituições empresariais e ambientais. O resultado consolidado fornece uma base segura para a elaboração do Plano Nacional.
A boa execução da Proveg depende, por exemplo, da aplicação de instrumentos do Código Florestal, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), e de programas como o de Regularização Ambiental (PRAs), do Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas e Alteradas (PRADAs), das Cotas de Reserva Ambiental (CRAs), de conversão dos recursos originados de multas para Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e da possibilidade de restauração com fins econômicos para Reservas Legais (RLs) e Áreas de Preservação Permanente (APPs) de pequenos proprietários rurais. Tais medidas consolidam a visão de que preservar e restaurar valem a pena, tanto por aspectos ambientais quanto por benefícios econômicos e sociais.
O desenvolvimento de mecanismos financeiros e econômicos como suporte às políticas públicas de restauração de vegetação nativa é outro pilar para o sucesso da Proveg e deve estar contemplado no Plano. A recente adesão brasileira ao Desafio de Bonn e à Iniciativa 20×20 criou um ambiente favorável para a captação de investimentos e recursos de fundos dedicados à economia de baixo carbono, como o Green Climate Fund. Nesse cenário, o Plano ABC (Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), juntamente com o Plano Safra, que inclui o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), podem constituir passaporte para o desenvolvimento de arranjos institucionais e acesso a linhas de crédito voltados à restauração e ao reflorestamento em pequenas e médias propriedades rurais. Também há a perspectiva de cooperação entre BNDES, KfW, investidores de impacto e grupos internacionais de fomento para adequação ambiental e agrícola de propriedades produtoras de commodities, como soja, cana-de-açúcar e carne.
Outro desafio imediato será o desenvolvimento de políticas públicas que fortaleçam os elos produtivos da cadeia da restauração florestal. Significa assumir uma atitude proativa para a abertura de novos mercados e o incentivo à produção e ao comércio dos produtos e serviços gerados por ela. Uma das medidas mais estratégicas é o aprimoramento dos mecanismos de rastreamento online, coibindo a competição desleal de produtos oriundos do desmatamento ilegal. Investimentos em pesquisas de longo prazo e tecnologias também serão fundamentais para uma Política consistente e bem-sucedida, propiciando diminuição de custo, aumento de produtividade e qualidade e otimização dos sistemas produtivos. Um plano de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para esse fim está em fase adiantada de construção pela Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura.
A criação da Proveg coloca o país na direção de uma nova economia de restauração, reflorestamento e baixo carbono. Os próximos passos serão ainda mais importantes para que, futuramente, nossos netos olhem para trás e nos reconheçam como “a geração da restauração”.
*Marcelo Furtado, facilitador da Coalização Brasil Clima, Florestas e Agricultura, e Severino Ribeiro, coordenador nacional do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica