por Samyra Crespo –
Precisamos dos combustíveis fósseis para garantir nosso desenvolvimento, dizem uns…
A floresta em pé e a transição energética é que vão nos colocar na liderança do desenvolvimento sustentável no Continente, afirmam outros.
COP 30 batendo nos calcanhares e o som – nada surdo – do pano de fundo continua sendo o mesmo – o DESENVOLVIMENTISMO.
Praga, utopia ou ideologia?
“Nos anos 70 vivemos, simultaneamente, o “milagre econômico” (o capitalismo de estado), e o “Sonho do Brasil Grande – fisicamente, com a construção de Itaipu e a Transamazônica (que levaram a um endividamento vergonhoso do País).
Naqueles anos, se tivéssemos que apontar um consenso nacional era o de que todos nós, sem exceção, acreditávamos que era preciso “desenvolver’ o País: expandir a massa educada e os segmentos de classe média era parte do pacote. Industrializar também.
A essa crença que atravessou – e atravessa ainda – toda a América Latina e parte do mundo que sobrou do colonialismo, do imperialismo e do globalismo desigual (Stiglietz), chamamos de “desenvolvimentismo”.
Por ora vou dizer sem medo de errar, éramos todos desenvolvimentistas e com poucas ressalvas, ainda somos.
O vocabulário da época nos classificava como ‘terceiro mundo’; chamavam-nos subdesenvolvidos. Doía. A contrapartida dessa visão econômica era o “complexo de viralatas”, que levava por sua vez ao desprezo por tudo o que considerávamos atrasado; ou vestígios do nosso passado escravocrata e colonial.
Um xingamento? ‘República de Bananas’, menção à exportação desses frutos pela América Central, e seu expoente: Cuba. Aquela parte da América era o cocô da mosca no cavalo do bandido. Por isso, Cuba foi tão emblemática quando fez a Revolução.
Hoje, a banana é a soja, é o boi; apenas atualizamos a commoditie e ampliamos a escala.
Essa falta de orgulho do passado, ou do presente de cada década, nos levava a esse mítico ‘País do futuro’. Para os jovens era um lugar bem confortável, dava esperança, substância aos sacrifícios impostos.
Queríamos ser desenvolvidos, sem sombra de dúvida. O dilema é que a receita para fazê-lo era distinta entre a esquerda e a direita. Sempre foi.
À esquerda, estavam Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Gunder Frank contra Rostow (a idéia de que o desenvolvimento se fazia por etapas).
Os “Cepalinos”, referência à CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina, com sede no Chile), tinham uma receita: começava por romper os “laços de dependência “.
À direita, Delfim, Simonsen, Roberto Campos, alinhados com a London Economic School e com Chicago, seu bordão era: ‘fazer o bolo crescer antes de dividir’, criar uma ‘poupança nacional’.
Digamos que não importa qual a cor ou o tamanho da listra, éramos todos ‘zebras’. Não havia futuro fora do ‘desenvolvimento’.
Era este um debate que inflamava a juventude fora da universidade ou dos grupos politicamente engajados?
Acertou quem disse um redondo não.
Nos anos 70, debater ou fazer política significava estar no sindicato, num partido político, na Igreja (majoritariamente católicos) ou na universidade. A Ditadura adicionou os quartéis (na verdade, a mais alta hierarquia deles). Os secundaristas eram grupos animados pelas instituições citadas. Elite. Elites dirigentes, se quisermos adotar o conceito ampliado de Wright Mills.
Com censor nos jornais, TV e cultura de um modo geral, quase nada sabíamos da tortura, desaparecimento de pessoas, sobre os “guerrilheiros ” (assim chamados todos os que estavam na clandestinidade). Sabíamos dos exilados: ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’.
Sem liberdade de imprensa, opinião ou reunião, íamos todos ao Mappin fazer compras; às lojas de crediário comprar TV ou fazer dívida a perder de vista para comprar a casa própria. TV para ver programas de Silvio Santos e Hebe Camargo; no Rio – Chacrinha. Novelas e os “enlatados” norteanericanos que começaram chegar a toneladas.
A verticalização de são Paulo era vertiginosa; nosso desprezo pelo passado nos fazia derrubar sem dó os casarões, as árvores, as linhas de bonde. A mão de obra famélica e barata dos nordestinos alimentava o boom da construção civil.
Começamos a avançar nos mananciais, nos remanescentes de florestas e a predar o meio ambiente. Rapidamente criamos as enchentes e a poluição. Eu trabalhava na 7 de Abril, nos Diários Associados. Os olhos permanentemente vermelhos e ardendo. Dias havia que respirar era difícil. E daí? São Paulo não podia parar.
Como disse um militar na Conferência de Estocolmo em 1972, sobre meio ambiente, a primeira de cúpula da ONU: efeitos colaterais do desenvolvimento – ‘Venham nos poluir’. O capital estrangeiro aceitou de bom grado o convite.
A indústria do consumo, a cultura de massa e a destruição do meio ambiente nos acenou com sorrisos e palavras sedutoras. O Brasil embarcou.” (Trechos do meu livro ‘ Conta quem Viceu, Escreve quem se Atreve’)
Passados 50 anos, qual o legado do desenvolvimentismo à direita e/ ou à esquerda?
Quando nos livraremos desse framework que nos aprisiona e nos impede de ver que os problemas estruturais do país continuam os mesmos?
Quando abandonaremos esta régua que só nos trouxe desigualdade, concentração de renda, um ambiente degradado e uma sociedade cada vez mais intolerante?
* Samyra Crespo é ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.