Opinião

O que o Barroso tem a nos ensinar? Temperança!

por Samyra Crespo – 

Fiquei muito animada de ouvir no Roda Viva as ponderações do Ministro Barroso (STF agora com mandato no TSE).

Educado e culto, já é um bálsamo num momento em que os desesperos e a ignorância militante tomam conta do País.

Segunda virtude: não se expressa em juridiquês, fala a língua dos mortais. E fala bem, pausado, sem paixão palanqueira.

Terceiro ponto a favor e talvez o mais importante agora: democrata com fundamento, guardião de uma Constituição (1988) duramente conquistada pelos brasileiros depois de amargo período de Ditadura e restrição às liberdades.
Recomendo fortemente que assistam à entrevista pela clareza das idéias ali expostas.

Sem nenhuma ambição de resumir, faço a seguir alguns highlights da fala do Ministro:

Racismo: tivemos um processo de liberação dos escravos incompleto. Cita Laurentino Gomes: quase 5 milhões de escravos foram “libertos” sem nenhum processo planejado de inclusão. Arrastamos esta dívida histórica que precisa ser enfrentada. Pelo menos deixamos de negar a existência do racismo e desenhamos algumas políticas, como as ações afirmativas (cita o exitoso programa da UERJ com as cotas raciais).

Democracia: nossa democracia é jovem, inspira cuidados mas tem fortes fundamentos e instituições que evoluíram bastante nas duas últimas décadas. O nosso sistema de “presidencialismo de coalizão ” precisa ser mudado: ele tende a produzir um presidente refém do fisiologismo – fraco na dinâmica do “toma lá, dá cá ” ou o hiperpresidencialismo – com presidentes autoritários. Ambos os resultados são desastrosos para o País.

Lava-jato: não existe corrupção de direita ou corrupção de esquerda. Existem situações criminosas e esquemas de predação do dinheiro público que precisam ser combatidos. Os agentes públicos e privados que prevaricaram têm que ser punidos. É fato e dá pena que um governo progressista – que tinha uma ótima agenda de políticas públicas tenha sucumbido à malha da corrupção – malha esta que não foi totalmente erradicada. Ela ronda ainda as instituições, e a máquina governamental, buscando oportunidades para o ilícito. A Lava-jato mais acertou mais do que errou, e mudou a consciência do país.

Forças Armadas: acha lamentável que se tente impor a narrativa de que as FA poderiam agir como poder moderador. Não é constitucional e não há exemplo disso no mundo. O que está acontecendo no Brasil é uma “chavização”: nomeia-se militares para a máquina pública e cria-se artificial e perigosamente uma “identificação” de estamentos militares com um determinado governo. As forças de segurança são aparato de Estado e não de um ou outro governo – transitório, num regime que prevê a alternância de poder. Politizá -las é um erro com graves consequências.

Maior problema do Brasil: falta de um projeto que enfrente a pobreza e as desigualdades que resultam dela, perpetuando uma dinâmica iníqua de exclusão.

Amigos e amigas. Vejam a entrevista na íntegra no YouTube:

E depois me contem o que mais gostaram. Ou não gostaram.

Fui dormir ontem embalada por palavras sensatas.

 

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.