Por Júlio Ottoboni *
Liquefação do solo. O fenômeno decorrente de tremores sísmicos é um dos argumentos de defesa da Samarco para ruptura de suas barragens de rejeitos, um nome sofisticado para inibir o que deveria ser denominado de lixo altamente tóxico e potencialmente letal.
No dia do acidente ocorreram os registros de oito abalos sísmicos na região de Minas Gerais. O Departamento Nacional de Produção Mineral, ligado ao Ministério de Minas e Energias, registrou tremores, alguns pouco tempo antes da ruptura das barragens. O Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB) e o Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP) também notaram as alterações, que foram de 2,5 até 2,7 graus na escala Richter.
A empresa, vendo o tamanho do desastre, passou a divulgar a possível ‘causa natural’, ou seja, a liquefação do solo pelo tremor. O diretor do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Ferro e Metais Básicos de Mariana (Metabase) Sergio Alvarenga de Moura contou aos repórteres do jornal gaúcho Zero Hora como a informação foi ‘plantada’, mesmo num solo pobre, infecto e infértil.
Moura disse aos jornalistas, que repetiram a informação numa reportagem, que a mineradora Samarco lhe informou que foram registrados dois abalos sísmicos na região. Isso teria ocorrido por volta das 14h, duas horas antes do acidente e teriam atingido a marca de 2,38 graus na Escala Richter.
Para o sindicalista, também na busca por respostas, contou que “a origem dos abalos ainda não foi identificada, mas há a hipótese de eles terem causado o rompimento”. O caso dos pequenos tremores com reflexos na superfície do território mineiro foi alvo de inúmeros comentários, que foram se avolumando com o decorrer o tempo e na aflição por se encontrar alguma explicação plausível que superasse a negligência e o descaso criminosos.
Minas Gerais, como é de conhecimento no meio científico, é uma região propensa a esse tipo de fenômeno natural. Uma das consequências dos tremores de crosta terrestre é a liquefação do solo. Por alguns momentos, o solo que contém muita água e se encontra em terrenos arenosos ou argilosos – como o caso da barragem – separa sua massa líquida da massa mais densa, composta de terra. A água então aumenta a pressão na superfície e acaba por vazar para a superfície ou romper o dique, no caso de represas.
O que surgiu como uma estratégia perfeita para alimentar uma hipótese natural e diminuir as responsabilidades da Samarco no desastre. Entretanto, aos poucos, começou a ruir quando os fatos começam a ser investigados e contestados cientificamente, inclusive.
No primeiro momento, havia inclusive solidez científica para se alardear o em enxurrada de 62 milhões metros cúbicos. Um estudo de 2010, sobre Liquefação Estática Mineração, foi desenvolvido tendo como caso a barragem de Germano, da Samarco, de Mariana (MG). O trabalho foi realizado para o Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (Cobramseg).
Foram autores do trabalho científico quatro pesquisadores, um deles funcionário da própria mineradora. Participaram Lorena Romã Penna, do Ministério da Integração Nacional, Waldyr Lopes de Oliveira Filho e Luiz Gonzaga de Araújo, ambos da Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto/MG e o engenheiro da Samarco Mineração, de Mariana, Francisco Eduardo Almeida.
Enquanto o Ministério Público anunciava que colocaria em pauta, dentro das investigações, a possibilidade dos tremores terem rompido as barragens, os pesquisadores da USP deram a primeira estocada contra o que se encaminhava para ser uma muralha contra a negligência e ganância desmedida por produção e resultados. As magnitudes atingidas são muito pequenas e sequer seriam capazes de romper as estruturas.
A derradeira mostra que algo de muito errado ocorria nas contenções do lixo barrento e repleto de metais pesados da Samarco vem na conclusão do próprio estudo apresentado em 2010. A transcrição literal diz: “Apesar de demonstrado o potencial de liquefação, foi indicado no trabalho claramente que medidas preventivas podem inibir a deflagração do fenômeno da liquefação, evento de uma natureza por demais perigosa para estruturas de reservação como barragens de rejeitos”.
Em comunicado divulgado no Facebook na sexta-feira, um dia após a enxurrada de lama, a companhia afirmou que “não há confirmação das causas e a completa extensão do ocorrido” e que “investigações e estudos apontarão as reais causas”.
Segundo a Samarco, a última fiscalização das barragens pela Superintendência Regional de Regularização Ambiental (Supram) foi realizada em julho deste ano e indicou que elas estavam em “totais condições de segurança”. E, inclusive, que o lamaçal era composto de material inerte. Ou seja, não trazia risco a vida ou a saúde. (#Envolverde)
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós graduado em jornalismo científico. Tem 30 anos de profissão, atuou na AE, Estadão, GZM, JB entre outros veículos. Tem diversos cursos na área de meio ambiente, tema ao qual se dedica atualmente.