Economia

5 pontos para você entender como o sistema financeiro leva nossa economia para o buraco

Foto: Reprodução
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Por Ladislau Dowbor – 

Nunca teve uma aula sobre dinheiro? Neste artigo você pode entender como o sistema financeiro, com seus juros altíssimos, faz vazar o seu bolso.

Quando foi a sua última aula sobre dinheiro? Há muito tempo? Mais precisamente nunca? Não se incomode, ninguém nunca teve uma única aula sobre dinheiro, a não ser que tivesse estudado economia, e ainda assim terá ficado na dimensão assexuada chamada elegantemente de Moeda. Eventualmente moeda e crédito. Mas não se preocupe, trata-se apenas do principal estruturador da sociedade: papéis ou sinais magnéticos que dão direito ao que o mundo produz. Não iríamos ensinar uma coisa destas na escola. O resultado prático é que muito poucos entendem do dinheiro, e a imensa maioria da população não entende como o sistema faz vazar o seu bolso. São processos modernos e sofisticados, hoje resumidos no conceito de financeirização.

A financeirização nos toca a todos e diretamente. As pessoas tendem a imaginar a complexidade da “alta finança”, mas se trata prosaicamente da forma moderna de apropriação do produto por quem pouco ou nada produz. Com um patrão explorador se apropriando da mais valia era até mais simples. Hoje é vital, para os equilíbrios da sociedade, que muito mais gente entenda os novos mecanismos. Daí a importância do exercício que Carta Maior vem desenvolvendo, no sentido de não só destrinchar o funcionamento dos sistemas financeiros, como de generalizar a sua compreensão.

No plano internacional temos avanços importantes, com os trabalhos do Piketty sobre a financeirização, a armadilha da dívida pública e a concentração da riqueza no planeta; os estudos da Tax Justice Network sobre os paraísos fiscais; da Global Financial Integrity sobre a finança ilegal; da Oxfam sobre a articulação da desigualdade de renda e da desigualdade de patrimônio acumulado; do Crédit Suisse sobre as grandes fortunas; do Instituto Federal Suiço de Pesquisa Tecnológica sobre a rede mundial de controle corporativo, e em particular dos grandes bancos. Não somos um caso isolado, fazemos parte de um processo mundial. É vital entendermos como se dão estes processos no Brasil.

Juros: Os números aqui são estarrecedores. No plano aparentemente mais prosaico dos crediários, encontramos por exemplo juros médios para “artigos do Lar” da ordem de 100%, quando o equivalente em redes comerciais europeias é de 13%. Aqui temos a opção do crédito consignado, buscando no banco para comprar à vista no comércio com juros da ordem de 25%, enquanto o equivalente na França é de 3,5% ao ano. Juntando as diversas modalidades de crédito ao consumidor, incluindo aqui o uso do cartão de crédito, constatamos um imenso dreno sobre a capacidade de compra do consumidor, por parte de intermediários. Segundo o Banco Central, em março de 2005 a família brasileira destinava 19,3% da sua renda ao pagamento de dívidas, enquanto em abril de 2015 destinava 46,5%.

Demanda: Impacto econômico? Quando a massa da população, que constitui os que mais compram a prazo, gasta quase a metade da sua renda para pagar dívida, naturalmente não irá estimular a economia com mais demanda. O principal motor da economia trava. E quando a demanda trava, mais ainda trava o investimento empresarial, pois suspende toda ideia de expansão, até o horizonte clarear. E como ademais os juros para pessoa jurídica são da ordem de quatro vezes maiores do que nos países concorrentes, o investimento também aqui fica travado. A demanda e o investimento são os dois principais motores da economia. Ambos são hoje em boa parte asfixiados, em que pesem os esforços do governo de fornecer alternativas.

Taxas de juros sobre a dívida pública: O terceiro motor é a atividade do setor público. A perda da imensa fonte de enriquecimento dos intermediários financeiros que era a hiperinflação foi compensada, a partir de 1996, com o sistema atualmente vigente de elevadas taxas de juros sobre a dívida pública. Os bancos, mas também muitos empresários produtivos, têm a alternativa de ganhar 13,75% sobre os títulos, com liquidez e garantia total, sem precisar se envolver no processo trabalhoso de identificar, financiar e seguir investimentos produtivos. Isto trava tanto a iniciativa dos bancos buscarem fomento da economia, como trava a capacidade do governo expandir investimentos em infraestruturas e políticas sociais, tão necessárias ao país. Como ordem de grandeza, são mais de 300 bilhões de reais drenados dos nossos impostos para intermediários financeiros.

Inflação: O grande argumento aqui é que se trata de proteger a população da inflação. O que é curioso pois na maioria das economias o equivalente da taxa Selic é da ordem de 1% ou menos, e no entanto a inflação é baixíssima. E se queremos reduzir a demanda para reduzir a pressão sobre os preços, isto já foi conseguido pelos mecanismos que vimos acima, tanto assim que as empresas estão com estoques acumulados. Paul Singer diz com bom senso que são os juros que estão inflando os preços ao consumidor. Mas encher os bolsos em nome de proteger o povo da inflação, frente ao desconhecimento geral dos mecanismos, funciona.

O resultado geral é esta situação curiosa de uma economia travada pelo lado da demanda, do investimento empresarial e do investimento público, com o PIB praticamente parado, mas lucros declarados dos bancos que aumentaram entre 20% e 30% em um ano. E estão pedindo mais.

Paraísos Fiscais: Para onde vai tanto dinheiro que lucram, sem financiar a economia, sem fomentar atividades econômicas que seria o papel maior dos intermediários financeiros? Aqui vem a dimensão internacional do processo, o nosso link com a financeirização mundial. O TJN mencionado estima em 519 bilhões de dólares, equivalentes a cerca de 28% do nosso PIB, o estoque de recursos que tem o Brasil em paraísos fiscais. Portanto não só não sem reinvestidos em termos produtivos, como são alocados de forma a não pagar impostos. Só em fraudes em notas fiscais no comércio internacional, as empresas situadas no Brasil drenam, segundo o GFI, cerca de 2% do PIB ao ano.

Abrimos aqui sumariamente este leque de mecanismos, para dar uma ideia da dimensão dos desafios. A iniciativa consiste em retomar os numerosos artigos que já foram apresentados em diversas etapas de discussão, organizando para o leitor um tipo de “dossiê” destinado a facilitar a compreensão de como a financeirização funciona no Brasil. (Carta Maior/ #Envolverde)

* Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e da UMESP, e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social”, “O Mosaico Partido”, pela editora Vozes, além de “O que Acontece com o Trabalho?” (Ed. Senac) e co-organizador da coletânea “Economia Social no Brasil“ (ed. Senac) Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor.org’.

** Publicado originalmente no site Carta Maior.