Rio de Janeiro, Brasil, 23/4/2015 – Os angolanos em geral agradecem a participação da China na reconstrução de seu país, apesar da má qualidade de algumas estradas e prédios construídos por empresas chinesas sem empregar mão de obra local.
Para recuperar sua infraestrutura destruída pela guerra civil, Angola precisava de financiamentos que foram negados pelo Ocidente, enquanto a China aportou seus créditos e sua engenharia sem impor condições impossíveis para um país que só conheceu a paz 27 anos depois de sua independência em 1975, afirmam dirigentes angolanos.
Em situações distintas, do outro lado do Atlântico, vários países latino-americanos em dificuldades financeiras recorreram ultimamente a essa espécie de janela creditícia de última instância. Argentina e Venezuela, por exemplo, sem acesso a créditos internacionais, obtiveram empréstimos elevados de bancos chineses.
Na lógica chinesa, não tem sentido tirar capacidade de endividamento de países com grande produção agrícola ou que possuam muita matéria-prima, especialmente hidrocarbonos. Não há motivo para duvidar de sua solvência se dispõem de produtos como garantia, pouco importando a razão de seu infortúnio.
No Brasil, a Petrobras pôde anunciar, no dia 1º de abril, um alívio chinês de US$ 3,5 bilhões em suas finanças, debilitadas por causa do escândalo de corrupção que desde o ano passado faz tremer a economia, o governo, gigantes empresariais e vários partidos políticos do país. O empréstimo do Banco de Desenvolvimento da China (BDC) ajuda a Petrobras a mitigar uma tempestade que também compreende erros grotescos de gestão, que elevaram em dezenas de milhares de milhões de dólares os custos de construção de duas refinarias, da compra de outra usina na cidade norte-americana de Pasadena, e em outros projetos.
As crises de possíveis provedores são oportunidades para a China, mas não são indispensáveis. O mesmo BDC já havia emprestado US$ 10 bilhões à Petrobras em 2009, quando a estatal parecia próspera com as gigantescas reservas recém-descobertas do pré-sal no fundo Atlântico brasileiro. O acordo de empréstimo assegura, como pagamento, dez anos de fornecimento de petróleo à China.
Assim, “a potência financeira da China tende a acentuar o desequilíbrio comercial”, no qual países ou regiões inteiras lhe vendem quase que somente bens primários e importam manufaturas chinesas, reconheceu Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet).
Minério de ferro e soja concentram 75% das exportações brasileiras à China, destacou Lima. Nas importações a quase totalidade é de manufaturados. Mas “trata-se de um sócio novo, com o qual há grande complementaridade e se pode construir uma situação de ganha-ganha, se soubermos conduzir bem a oportunidade”, acrescentou.
“O Brasil tem que fazer sua própria tarefa, que é definir o que quer da China, em uma estratégia de longo prazo, e negociá-lo, em lugar de ficar na posição passiva de apenas reagir às demandas chinesas”, pontuou Lima. Em sua avaliação, o momento atual seria oportuno para mudanças nesse intercâmbio desigual, porque a China vive “a perspectiva de reduzir suas exportações e estimular o dinamismo da demanda interna, enquanto no Brasil o mercado interno tende a enfraquecer, exigindo mais exportações”.
Entretanto, Lima reconhece que as dificuldades econômicas e políticas que o Brasil enfrenta não favorecem a definição de estratégias e objetivos de longo prazo para uma negociação com uma potência em ascensão.
O avanço chinês na América Latina também é exercido por meio de crescentes investimentos. A Sobeet identificou 69 projetos anunciados para o Brasil desde 2010, a grande maioria de indústrias de transformação e quantias médias, inferiores a US$ 100 milhões. Apenas três estão no pódio de financiamento de milhares de milhões de dólares, lideradas pela State Grid, a estatal de energia, com US$ 5 bilhões para a compra principalmente de linhas de transmissão elétrica. O segundo extrairá e exportará minério de ferro e a terceira processará soja.
A lista não é completa devido à dificuldade de monitorar os investimentos chineses que passam por outros países, como os europeus, antes de chegarem ao seu destino produtivo sem declarar sua nacionalidade original, explicou Lima.
A China vem aumentando seus investimentos diretos no exterior desde o começo deste século, chegando a US$ 206,874 bilhões em 2013, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgados pela Sobeet. A América Latina não foi um destino prioritário, já que apenas 4,1% desses investimentos se destinaram a região, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, (Cepal).
Mas será nos próximos dez anos, nos quais a China investirá US$ 250 bilhões na região, anunciou o presidente Xi Jinping, em janeiro, em Pequim, durante o primeiro Fórum Ministerial entre China e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Alguns projetos serão excepcionais, como o canal interoceânico da Nicarágua, que competirá com o canal do Panamá e que, se estima, custará US$ 40 bilhões, quatro vezes o produto interno bruto do país.
Boa parte do capital já aplicado é petroleira. Companhias estatais chinesas do setor já estão presentes na extração de hidrocarbonos no Brasil, Equador, Peru, Argentina e Venezuela. Mas o aumento mais espetacular nas relações sino-latino-americanas ocorreu no comércio, que cresceu 22 vezes nos 13 primeiros anos do século. O intercâmbio somou US$ 275 bilhões em 2013. E praticamente duplicará ao final desta década, segundo prognóstico de Jinping.
A expansão extremou o desequilíbrio e melhorou os termos de intercâmbio com a alta dos preços dos produtos básicos latino-americanos, que durou pelo menos até 2012. Os dados dos empréstimos chineses à região são menos destacados, mas também refletem a expansão da potência asiática em seus interesses prioritários em petróleo, minerais e produtos agrícolas.
Entre 2005 e 2014, esses créditos somaram US$ 119 bilhões, segundo o banco de dados do Diálogo Interamericano, um fórum que reúne dirigentes políticos e empresariais das Américas, incluindo ex-presidentes de vários países. Desse total, quase metade, US$ 56,3 bilhões, foi concedida à Venezuela, dona das maiores reservas de petróleo do mundo. Em seguida aparecem Brasil e Argentina, grandes exportadores de soja, com US$ 22 bilhões e US$ 19 bilhões, respectivamente.
O México, segunda maior economia latino-americana, ficou em sexto lugar na preferência dos bancos estatais chineses, com US$ 2,4 bilhões, menos de um quarto do que recebeu o Equador (US$ 10,8 bilhões) e superado inclusive pelas Bahamas (US$ 2,9 bilhões). Envolverde/IPS