Ambiente

Clima, natureza e o nosso futuro 1.5°C

Por Manuel Pulgar-Vidal*, publicado originalmente na revista Eco21 || Foi Presidente da COP-20 em Lima. Líder da Ação Global de Energia e Clima do WWF

A natureza é essencial para a humanidade. Das congeladas regiões polares, montanhas, florestas e pradarias, aos oceanos, rios e pântanos, os ecossistemas da Terra fornecem as chaves da nossa existência, bem como habitats para os milhões de espécies de plantas e animais com as quais compartilhamos este Planeta. A natureza nos fornece alimentos, energia, medicamentos e recursos genéticos. Contamos com ela para ar fresco, água potável e solos saudáveis, e para proteção contra inundações e tempestades. As paisagens onde construímos nosso lar fornecem inspiração espiritual e formam a base de nossas identidades culturais. A terra, os oceanos e os lugares congelados do mundo ajudam a regular nosso clima.

No entanto, as mudanças climáticas estão tendo impactos irreversíveis na natureza. As paisagens congeladas estão derretendo, as florestas estão queimando e os recifes de coral estão morrendo e os impactos deverão piorar à medida que a temperatura subir para 1,5°C e além. Muitas das atividades que atualmente são centrais para a existência humana ‒ agricultura, viagens e energia – estão impulsionando diretamente a destruição da natureza e contribuindo para as mudanças climáticas, desbloqueando as reservas de carbono sequestrado no solo e na vegetação da Terra. A perda, degradação e conversão dessas paisagens estão provocando um impacto catastrófico nas plantas e animais com os quais compartilhamos este Planeta.

A rápida deterioração da biodiversidade e dos ecossistemas que estamos testemunhando hoje ressalta o fato de que, por muito tempo, a natureza tem sido uma parte periférica da conversa climática.

A natureza é um aliado crítico na luta contra as mudanças climáticas. Para ter a chance de atingir a meta de 1,5°C adotada sob o Acordo de Paris, precisamos de um sistema de energia baseado em tecnologia renovável sustentável, para transformar a maneira como viajamos e o que comemos – mas isso não é suficiente. Também precisamos colocar a natureza no centro de nossas decisões e inaugurar um futuro de florestas saudáveis, água limpa e oceanos vibrantes.

É por isso que na COP-25 em Madrid, lançamos um novo relatório, “Clima, Natureza e um Futuro com 1,5°C: uma síntese dos relatórios do IPCC e do IPBES”. Ele conecta as conclusões de quatro importantes relatórios científicos recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e do Painel Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES). Entre eles, esses relatórios destacam as mudanças sistêmicas necessárias em sistemas de energia, terra (alimentos e sistemas naturais), urbanas e de infraestrutura (incluindo transporte e edifícios) e industriais, a fim de limitar o aquecimento global a 1,5°C, além de chamar a atenção às conexões fundamentais entre natureza e humanidade.

Embora não seja um tópico de negociações, a natureza está formando muitas conversas na COP-25 deste ano, e estamos assistindo a mais de 100 eventos sobre seu papel inestimável no combate às mudanças climáticas, juntamente com as principais soluções, incluindo deixar os combustíveis fósseis no solo e reduzir o Efeito Estufa global para cumprir a meta de 1,5°C do Acordo de Paris. O resultado dessas discussões será fundamental para o sinal que a COP-25 envia ao mundo para elevar a ambição e enfrentar a crise climática.

Os impactos à natureza descritos nesses relatórios estão ocorrendo na vida real. Em Agosto, mais de 30.000 focos de incêndio foram detectados na floresta amazônica, com impactos devastadores sobre as pessoas e a vida selvagem que vivem lá. O Havaí sofreu recentemente seu terceiro grande evento de branqueamento de corais em seis anos. Em Fevereiro, o governo australiano confirmou que a mudança climática havia reivindicado sua primeira extinção de mamíferos, o Bramble Cay melomys, um pequeno roedor que vivia apenas em uma pequena ilha na Austrália que era incapaz de sobreviver à perda de habitat resultante do aumento do nível do mar.

Não estamos fazendo o suficiente para impedir essas mudanças. Embora os países tenham concordado em limitar o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C, as ações para atingir esse objetivo são insuficientes. De maneira mais pertinente para este relatório, a natureza permanece subvalorizada e subutilizada como uma solução para reduzir as emissões e se adaptar aos impactos climáticos que já estão afetando as comunidades ao redor do mundo. Ao salvar a natureza, aumentamos as chances de permanecer abaixo de 1,5°C, enquanto lançamos as bases para vidas felizes, saudáveis, culturalmente enriquecidas e socialmente conectadas. É por isso que o WWF está pedindo um novo acordo para a natureza e as pessoas colocarem a natureza no caminho da recuperação.

O apetite por mudanças está crescendo. Os cidadãos estão indo às ruas aos milhões exigindo que os tomadores de decisão ouçam a ciência.

É hora de colocar nosso mundo natural no centro dessa conversa e lutar juntos por esse futuro.

Imagem de destaque: Foto: Luis-Barreto – WWF

* Manuel Pulgar-Vidal: Foi Presidente da COP-20 em Lima. Líder da Ação Global de Energia e Clima do WWF

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