Por Deutsche Welle –
Cidades do Paraná e do Rio Grande do Sul já passam por estiagem. Em São Paulo, nível de chuvas é inferior ao esperado e levanta temor de repetição da crise de 2014.
No Rio Grande do Sul, 386 dos 497 municípios já decretaram situação de emergência por conta da seca — balanço consolidado no último dia 15. Em Santa Catarina, a situação é similar em pelo menos 65 cidades. No Paraná, depois de 10 meses de estiagem, a emergência hídrica foi decretada pelo governo estadual — a medida autoriza, por exemplo, rodízio no fornecimento de água.
Ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu comenta à DW Brasil que o cenário de estiagem na região sul do país afeta principalmente dois setores que dependem da água nesses estados: a agricultura e as usinas hidrelétricas — sobretudo no Paraná. “São regiões que têm seca com alguma frequência. E com [o atual contexto de] mudanças climáticas, esses fenômenos têm sido extremos”, pontua.
Ele avalia que a situação é mais preocupante no Paraná do que no extremo sul do País. “Porque o sul do Brasil tem uma característica de chuvas constantes ao longo do ano. Já o Paraná é, em aspectos climáticos, mais parecido com o sudeste”, afirma. Ou seja: tem invernos secos.
Em 9 de março, a Agência Nacional de Águas criou uma sala de crise para acompanhar a crise hídrica na região sul. De acordo com a assessoria da instituição, o grupo “reúne os principais atores ligados ao evento de estiagem em curso”, incluindo órgãos gestores, usuários, prefeituras, meio ambiente, setor elétrico e órgãos de monitoramento e previsão meteorológica.
O objetivo do comitê “é uniformizar o conhecimento sobre a situação da seca, identificar problemas existentes ou potenciais, promover a articulação entre os atores em busca de soluções para esses problemas e acompanhar sua implementação.”
Em nota, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul afirmou que vem intensificando “o monitoramento meteorológico e climatológico” e realizando ações como “suspensão de outorgas de captação de água, alterações de licenças de lançamentos e efluentes e de irrigação” e intensificando “ações de fiscalização” para diminuir o impacto da seca no Estado. Procurado pela reportagem, o governo do Paraná não se posicionou a respeito da situação.
A região sudeste também dá sinais de que o sofrimento é iminente. Principal reservatório que abastece a capital paulista, o Cantareira está em nível semelhante ao que precipitou a histórica crise hídrica de 2014 e 2015: 59,4% de sua capacidade. O índice é considerado bom. Contudo, conforme lembram especialistas ouvidos pela DW Brasil, o inverno é justamente o período de seca na região sudeste. E o nível de chuvas deste ano já está inferior ao esperado de acordo com a média histórica.
No mês de março, por exemplo, a pluviometria prevista para o sistema é de 178,8 mm. Este ano, choveu apenas 88,6. Em abril, a série histórica indica um normal de 86,6 mm. Mas foram apenas 2,2 mm de chuva. Para maio, quando a estimativa é de 77,2 mm, até o momento foram somente 11,5.
Autor do livro Faça-se a Água, o pesquisador norte-americano Seth M. Siegel avalia que, diante do atual contexto, “o risco de escassez hídrica [no Brasil] é real”. “Como não se sabe o quão ruim uma seca pode se tornar, todo governo responsável deve assumir que uma escassez de água ocorrerá e, portanto, se preparar para ela”, comenta. “Infelizmente, assim que uma crise passa, com um ou dois anos de chuva, os governos tendem a ignorar a questão, direcionando foco e financiamento em outros setores.”
Fantasma da crise de 2014
Em 23 maio de 2013, o nível do Cantareira era similar ao atual, 59,6% de sua capacidade. Vinha em queda, acentuada pela inverno. O período de verão não foi suficiente para frear a derrocada do reservatório e, em maio de 2014, o sinal vermelho estava ligado: o sistema operava com 6% de sua capacidade. Então foram dois anos de torneiras contidas e 17 meses utilizando água da reserva técnica do Cantareira, apelidada de “volume morto” — significava que o índice operava no negativo.
Para o geógrafo Luiz de Campos Júnior, do projeto Rios e Ruas, o risco de uma nova crise hídrica é resultado da falta de ajuste nas políticas voltada para a produção de água. “Os sistemas de abastecimento, em geral, só estão preocupados com a água saindo da represa, sendo tratada e distribuída”, afirma. “É preciso olhar para a produção de água na bacia hidrográfica, aquela produção que vai manter o reservatório cheio e com boa vazão. Isso significa conservar os lençóis freáticos, diminuir a erosão no entorno dos rios e dos reservatórios. Deveríamos conservar todo o ambiente produtor de água e não pensar apenas na produção como pensam as empresas [de abastecimento].”
Responsável pelo abastecimento em São Paulo, a Sabesp enfatizou que a situação atual dos reservatórios “é satisfatória”. “Houve, no entanto, registro de pouca chuva nos mananciais nos últimos 60 dias e, por isso, a companhia solicita à população que mantenha o uso consciente de água, evitando desperdício”, informou.
A empresa ainda frisou que vem investindo na “redução de perdas de água”, efetuando “troca de tubulações, equipamentos e hidrômetros”. Balanço do chamado Programa de Redução de Perdas, da companhia, indica um investimento de R$ 5,3 bilhões nos últimos dez anos — segundo a Sabesp, implicando em uma economia de 138 milhões de metros cúbicos de água.
Especialistas e ativistas cobram um olhar para a malha fluvial próxima das cidades. No caso de São Paulo, calcula-se que haja mais de 300 rios no município, boa parte deles canalizados, retificados e sem cuidados de conservação.
“As companhias vão pegar água longe e nada fazem para recuperar os rios da cidade. Temos muita água aqui. Precisamos cuidar dos recursos hídricos em nosso quintal”, cobra o ativista ambiental Adriano Sampaio, do projeto Existe Água em SP.
Siegel tem opinião semelhante. “O Brasil é um país de potencial ilimitado. Tem uma população inteligente e empreendedora em um país bonito, repleto de enormes recursos. Uma das coisas que podem impedir o Brasil de alcançar seu potencial é uma falha na proteção de seus recursos hídricos”, afirma.
Mas ele recorda que há pesquisas indicando que o aumento do desmatamento na Amazônia tem influenciado os padrões de chuva, prolongando e intensificando as estiagens.
Economia da água
Pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Gustavo Velloso Breviglieri publicou um estudo no último dia 15 no periódico RAUSP Management Journal no qual apontou um mecanismo econômico como solução para a questão hídrica brasileira.
A ideia seria aprimorar os chamados “mercados de água”, pelo qual grandes usuários de uma mesma bacia negociam seu direito de uso e exploração de determinado volume dos reservatórios, em caso de necessidade.
“Caso um usuário consiga reduzir seu consumo de água para volumes inferiores aos que possui direito, este usuário poderia transferir, temporária ou permanentemente, esse ‘excedente’ para outro usuário, que, por sua vez, tenha necessidade de aumentar seu consumo”, explica o pesquisador.
Breviglieri aponta que “mais do que auxiliar na contenção de uma crise hídrica”, tal mecanismo seria útil para que “uma situação de escassez seja menos custosa para a sociedade como um todo”. Pelo formato, o mercado “contribui para que o montante disponível de água seja voluntariamente realocado para aqueles que possuem maior necessidade e maior dificuldade em reduzir o consumo”. E os que conseguem economizar são recompensados financeiramente.
Se adotado de forma constante, independentemente de cenário de crise hídrica, o pesquisador acredita que o mecanismo aumentaria a eficiência do sistema e, consequentemente, implicaria numa economia global de água.
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