por Alice Marcondes, enviada especial da Envolverde à COP23 –
Em debate na COP 23, especialistas apontam necessidade de revisão de modelos nos mecanismos de mercado para que o Brasil acelere na transição para uma economia de baixo carbono
O Brasil precisa incluir de maneira mais eficiente a variável do desenvolvimento econômico em seus mecanismos de redução de desmatamento. Só assim eles contribuirão de fato para que o país atinja sua ambiciosa meta de redução de 37% das emissões de CO² até 2025. A constatação é dos especialistas que estiveram no encontro Amazon Bonn, realizado ontem (14), como parte da programação da Conferência do Clima da ONU (COP 23), que acontece em Bonn, na Alemanha.
O secretário estadual do Meio Ambiente do Amazonas, Marcelo José de Lima Dutra, iniciou o debate destacando a dificuldade orçamentária para investimento em políticas públicas ambientais. “Levanto a bandeira do movimento 1%, que é uma brincadeira que fazemos para dizer que pelo menos 1% do orçamento do estado deveria vir para a nossa pasta. Na realidade o que vem é bem menos do que isso”, lamenta. O Amazonas tem o maior maciço florestal do país, com 150 milhões de hectares de floresta em pé, e enfrenta grandes desafios para conter o desmatamento ilegal.
Marcelo explicou que, além de gerar o impacto direto, o desmatador ainda promove a concorrência desleal, vendendo mais barato do que o produtor legalizado. “Este cenário dificulta muito que a gente consiga envolver a comunidade pela manutenção da mata. A gente precisa trabalhar desenvolvimento sustentável e dar às populações da floresta modos de subsistência. Assim a gente evita não só o desmatamento, mas também prostituição, crimes de grilagem, o pistoleiro, toda uma cadeia ruim”, diz.
A concessão de florestas foi apontada por Raimundo Deusdará, diretor-geral do Serviço Florestal Brasilieiro (SFB), como um possível caminho, desde que o modelo de negócio seja revisto. Atualmente o Brasil tem cerca de 1,6 milhões de hectares de florestas concedidas, onde o concessionário pode explorar a extração de madeira de forma controlada, com limite de quantidade e espécies.
Porém, para o diretor, “o modelo não ganha escala porque não é viável financeiramente. Enfrentamos dilemas que existem no Brasil desde a década de 70: logística; a questão fundiária, porque é preciso conhecer bem a terra para não gerar impactos sociais; e a concorrência desleal do desmatamento ilegal”.
Para ele, a solução passa por “desonerar ou subsidiar para que o concessionário tenha o menor custo de produção para competir. Temos uma iniciativa boa que foi o decreto de compras sustentáveis, que determina que o governo só pode comprar madeira certificada. Isso já é um avanço”.
Outra medida necessária, segundo o coordenador de mudanças climáticas e REED do Instituo de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM), Pedro Soares, é melhorar a mensuração e valorizar os serviços ambientais prestados pela floresta. “A Amazônia continua sendo o setor mais relevante para o cumprimento da meta nacional de redução de emissões. O desmatamento representa 30% das emissões. Se somarmos à pecuária, passa de 70%. Mais de cinco gigatoneladas deixaram de ser lançados pela redução do desmatamento nos últimos dez anos. Ainda assim, a floresta gera menos de 10% do nosso PIB (Produto Interno Bruto). Precisamos mudar esse desequilíbrio”, enfatiza.
Como caminhos para gerar renda, Soares lembra de financiamentos como o do Fundo Amazônia, mas ressalta que “precisamos de novas abordagens. Investimentos complementares para um economia florestal robusta na Amazônia”.
Estes novos olhares passam também pela revisão de modelos já desgastados, como os Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Para Steve Schwartzman, diretor do Environmental Defense Fund (EDF), mudanças simples podem trazer resultados de curto prazo. “O Brasil defende que tudo que é crédito (de carbono) precisa ser destinado aos projeto já existentes de MDL, sob a alegação de que esses projetos tem o carimbo da ONU (Organização das Nações Unidas), mas temos até barragens, como Santo Antônio e Girau, que foram aceitas como MDL, por teoricamente serem projetos de geração de energia limpa, que seriam inviáveis sem a adicionalidade dos créditos”.
Segundo o diretor, o isso está errado, porque não leva em consideração outras questões, como impactos sociais. “Faz tempo que a União Europeia não aceita MDL. Acredita que não tem credibilidade por conta dessas fragilidades. As obras estão sob investigação na Lava Jato, então não faz sentido mesmo. A regra de cada país definir o que vai chamar de sustentável permite que se chame qualquer coisa de sustentável”, diz.
Marcelo Furtado, facilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, concordou com a opinião de Steve e ressaltou que “transversalidade, transparência e accountability precisam urgentemente passar a fazer parte destes critérios”,
Lembrando a citação do secretário de estado de Meio Ambiente, o facilitador destacou que “não apenas a pasta precisa de mais recursos, mas também parte do orçamento de outras áreas precisa também estar ligado à agenda socioambiental”. Sobre o financiamento da floresta em pé, ele destacou que quem opera legalmente precisa ser privilegiado sobre aquele que “é bandido”.
Para isso, ele ressalta que é preciso fazer uso dos mecanismos de mercado de forma responsável. “Nenhum país e nenhum cidadão quer ver abusos com a adicionalidade. Nenhum país deve deixar de cumprir os seus compromissos para comprar crédito de outro. E como, Steve disse, tem que verificar e provar que a redução aconteceu, tem de ter ganho socioambiental. Assim a gente abre a possibilidade de integração das políticas de governo com os hábitos de consumo da sociedade, integrando essa economia de baixo carbono”, condiciona.
Pedro Soares conclui lançando um olhar mais amplo e lembrando que “não adianta basear a meta em redução de desmatamento na Amazônia enquanto a gente tem uma economia baseada em incentivo ao petróleo”. (Envolverde)