O Brasil vive um momento em que necessariamente todos voltam seus olhares para a gestão dos recursos hídricos. Mas até que ponto a cobertura jornalística dá conta da complexidade envolvida até que a água chegue (ou não) às nossas torneiras? Esse foi o tema central do “Diálogos 4”, no VI Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, nesta quinta-feira (22), no Teatro do Sesc Vila Mariana, em São Paulo.
Maria Zulmira, jornalista da Planetária Soluções Sustentáveis e criadora do Repórter Eco, se mostrou preocupada com a abordagem do medo, tomada pela mídia tradicional para tratar de temas como mudanças climáticas, que, no lugar de mobilizar, aterroriza, paralisa e desinteressa o leitor / espectador.
“O jornalista não tem que se preocupar muito com o que a sociedade quer ouvir. A partir do momento em que produzirmos algo relevante, ela vai se interessar. Quando a gente se importa com o que faz, as coisas fazem mais sentido”, resumiu.
Ela destacou, ainda, que, diante de um universo de informações desconexas, está cada vez mais raro, na grande mídia, o profissional com conhecimento e capacidade de análise, capaz de dar a visão do contexto e não apenas reproduzir informações sem potencial transformador da sociedade.
Também, para dialogarmos com outros públicos, Zulmira ressaltou a importância de readequar os currículos dos cursos de Comunicação a esse mundo em transformação que vivemos. “Esse é um momento coletivo, de mostrar que existem outras formas de pensar e o jornalista que não mudar vai virar um fóssil”, concluiu.
Interesse pelo tema
Assessora de comunicação social da Agência Nacional de Águas (ANA), com experiência em diversos grandes veículos , Cláudia Diani mostrou, com números, que a grave crise hídrica fez disparar a média mensal de inserção da Agência na mídia. Enquanto, em 2008, a média era 43,83, em 2014 saltou para 873,25.
Qualitativamente, ela destacou que o Semiárido já se destacava no acompanhamento dessas informações independentemente da crise atual pelas suas próprias condições climáticas, muito embora não tenha a mesma projeção que a mídia do Sudeste, o que, na sua visão, também está mudando.
Disse, ainda, que a complexidade da governança da água no Brasil, que complica o acesso à informação, assim como a cultura da abundância são algumas das causas dessa desmobilização do tema na chamada grande mídia.
Para Cláudia, o ser humano está em transformação e o jornalismo está produzindo com mais qualidade. Citou como prova as reportagens destacadas há pouco, no Prêmio Exxon Mobil tratando desta temática.
Mudança de paradigma
Também participou desse diálogo Nelton Friedrich, diretor de coordenação executiva da Itaipu Binacional e também coordenador do Programa Cultivando Água Boa. Ele contou a história do impacto da construção da hidrelétrica e o seu avanço no sentido de se tornar uma empresa cidadã por meio do processo participativo.
Ele lembrou que o mundo dá sinais da necessidade de construir a sustentabilidade e que, para isso, é preciso mudar o paradigma e, no caso, passar a trabalhar a bacia e não apenas o reservatório. “O ser humano consegue não olhar o que a natureza propõe”, afirmou ao destacar que a bacia é fundamental para a manutenção da vazão de um reservatório.
O Cultivando Água Boa, iniciado em 2003, hoje contempla 297 microbacias, em 29 municípios, buscando fazer conexões, não apenas entre água e energia, mas solo, cidades, produção e consumo de alimentos, segundo suas informações. Para isso, foi necessário estabelecer uma governança inovadora, a partir do trabalho local com a visão global e responsabilidade compartilhada, resgatando na sabedoria indígena o ser parte da natureza.
“Educação transformadora se faz com opinião pública e não apenas com reprodução de conteúdo. É preciso virar a página dos releases, retomar a conversação, deixar de trabalhar de forma pontual. Tecnologia não resolve tudo”, declarou, ao mesmo tempo em que criticou o excesso de especialização.