Por Anelize Moreira para o Brasil de Fato –
Rede de Sementes do Xingu já recuperou mais de 6 mil hectares de floresta na bacia do rio Xingu e Araguaia
Em meio a tantos retrocessos, com o aumento do desmatamento, queimadas, ameaças aos territórios tradicionais, falta de fiscalização, construção de grandes obras, entre outros problemas socioambientais, pessoas com diferentes saberes driblam esses desafios e se articulam para plantar floresta.
Com 568 coletores de sementes nativas, a Rede de Sementes do Xingu atua há quase 15 anos unindo agricultores, indígenas, moradores das cidades do centro-norte de Mato Grosso, pesquisadores e governos na recuperação da Amazônia e do Cerrado. Até agora mais de 6 mil hectares de Floresta Amazônica foram restaurados na bacia do rio Xingu e Araguaia.
Ao longo de 14 anos, a Rede espalhou 262 toneladas de sementes de mais de 220 espécies nativas
Os coletores são de 21 municípios, sendo de 16 assentamentos rurais de agricultores familiares e de 26 aldeias de 3 terras indígenas. A maioria desses coletores são indígenas e mulheres, que representam 65% do total.
Ter a floresta em pé, não é sinônimo de romantismo, nem de esquerdismo, mas é sinônimo de sobrevivência e de prosperidade
A bióloga Milene Alves tem 23 anos e participa há nove anos da Rede. Ela mora em Nova Xavantina, no Mato Grosso (MT) e diz que a primeira etapa é observar a floração e a frutificação dessas árvores ao longo do ano.
“Faço um potencial de coleta e mando para a central administrativa. Ao longo do ano, vou para mata e coleto essas espécies. Às vezes a gente vai de carro, moto, bicicleta e faz coleta no chão ou direto na árvore. A gente utiliza vara, escada, podão, balde, saco de ráfia. A gente leva para casa, limpa, tira a semente de dentro do fruto e faz a secagem para que não venha ter a proliferação de fungos e tenha uma semente de qualidade”, diz Alves.
Na frente Milene Alves (à esquerda) e Valdevina Martins de Oliveira (à direita), coletoras do Projeto de Assentamento (PA) Nova Xavantina, beneficiando sementes de copaíba / Tui Anandi / ISA
O trabalho de coleta e comercialização tem gerado renda para essas famílias. De 2007 até 2021, a comercialização das sementes nativas para restauração gerou uma renda total de mais de R$ 5,2 milhões, repassada diretamente às comunidades. As sementes mais coletadas no ano passado foram: Jatobá da mata, pequi do Xingu, caju, mamoninha, angelim da mata, urucum, baru, entre outras.
Sem povos que cuidam dessa floresta, a gente não vai ter mais produção agropecuária, só vai aumentando cada vez mais a degradação
Milene explica que os coletores apresentam uma lista de potencial de coleta e os fazendeiros uma lista do que eles precisam para restaurar as suas áreas.
“É um casamento entre a lista de potencial dos coletores e a demanda dos compradores e isso é feito na nossa central administrativa. Depois ele vai para a mata coletar e depois entrega na casa de sementes. O comprador paga para a associação [Associação de Sementes do Xingu] que repassa para o coletor.”
O rio Xingu nasce no Cerrado e deságua no bioma Amazônico. Essa é uma região de importância primordial para o equilíbrio ecológico do Brasil. Não à toa, o Cerrado é chamado de “Caixa d’água do país”. A recuperação florestal favorece não só as florestas e os povos que vivem nela, mas também quem depende da água, pois favorece a proteção de rios e nascentes.
Mapa de abrangência coletores da Rede de Sementes do Xingu – 2022 / ISA
Fazedores de Floresta
O trabalho da Rede de Sementes virou filme “Fazedores de Floresta – Uma Aventura em Busca da Água”. O documentário é uma iniciativa do Instituto Socioambiental (ISA) e da Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX), que reuniram pessoas com diferentes conhecimentos para restaurar áreas degradadas nas bacias dos rios Xingu, Araguaia e Teles Pires, no Mato Grosso.
Festa de comemoração dos 10 anos do Movimento das Mulheres Yarang (MMY), que produz e coleta sementes nativas para o reflorestamento das nascentes e matas ciliares da bacia do rio Xingu no entorno do TIX. / Carol Quintanilha / ISA / Carol Quintanilha / ISA
O desmatamento na Amazônia cresceu 29% em 2021 e é o maior dos últimos 10 anos. A área desmatada equivale a metade de Sergipe.
Os dados são do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que monitora a região por meio de imagens de satélite. Só no ano passado foram restaurados mais de três hectares de áreas degradadas.
Rodrigo Junqueira, secretário-executivo do Instituto Socioambiental e um dos fundadores da Rede de Sementes do Xingu fala que defender a floresta e os povos da floresta é importante para evitar que os impactos sejam ainda maiores.
“Ter a floresta em pé, não é sinônimo de romantismo, nem de esquerdismo, mas é sinônimo de sobrevivência e de prosperidade. Sem floresta em pé e sem povos que cuidam dessa floresta, a gente não vai ter mais produção agropecuária, só vai seguir aumentando cada vez mais a degradação e os impactos nos territórios”, diz Junqueira.
Junqueira relembra que ao longo desses 14 anos foram inúmeras histórias de transformação, de pessoas que passaram a ter mais dignidade e um reconhecimento sobre a sua maneira de estar nesse mundo. Mas uma delas foi inusitada e chamou a sua atenção pelo reconhecimento da importância de cada elo da cadeia produtiva.
“Alguns fazendeiros que adquirem as sementes para fazer os seus plantios e disseram que não sabem cuidar da floresta, eles não foram estimulados e não aprenderam a fazer isso. Eles precisam dos indígenas, dos agricultores familiares, das organizações como ISA para ajudá-los.
A Rede de Sementes do Xingu inspirou a criação de outras redes de coletores, como a Rede de Sementes do Vale do Ribeira, em São Paulo.
Assista o documentário completo:
*Créditos da Imagem Destacada: Coleta de sementes de murici-da-mata pelas Yarang, na Aldeia Arayó – Carol Quintanilha / ISA
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