Por Sucena Shkrada Resk, do Blog Cidadãos do Mundo –
Quando em 25 de setembro de 2011, a queniana Wangari Maathai faleceu, devido a um câncer, escrever no dia seguinte um artigo a respeito de sua trajetória de vida, como manifestação de respeito ao importante legado que esta ativista deixou ao continente africano, ou melhor, ao planeta, foi algo natural. Praticamente sete anos depois, nas proximidades do Dia Internacional da Mulher e neste mês das “Águas”, retomar os propósitos desta cidadã resiliente, que focou sua vida em ações voltadas à justiça socioambiental, se torna mais uma vez, coerente, diante de uma contemporaneidade, na qual há flagrantes de um esquecimento histórico sobre elos de aprendizados que tecem essa rica teia de historicidade.
“Se você destruir a floresta, então o rio deixará de fluir, as chuvas se tornarão irregulares, as lavouras falharão e você morrerá de fome…”, dizia Wangari, que era uma mulher negra, de origem camponesa, ativista dos Direitos Humanos, bióloga, mestre em Ciências e PhD em Anatomia Veterinária. Ela unia esta multiplicidade de olhares em ações concretas locais e de relevância internacional, e tinha como princípio que a chave para o auto-empoderamento e a conservação reside nos valores espirituais tradicionais: amor ao meio ambiente, auto-aperfeiçoamento, gratidão e respeito, e um compromisso com o serviço. Este vídeo traz esta mensagem de forma objetiva – https://youtu.be/BQU7JOxkGvo.
Como será que Wangari se sentiria, ao constatar em 2018, que nos últimos anos, seu povo continua a sofrer com a subnutrição em muitas partes de seu país atingido por uma seca persistente associada ao desmatamento, que é ainda um desafio a ser superado? São cerca de três milhões de pessoas ameaçadas pelos eventos climáticos extremos. Países vizinhos, como a Somália, também enfrentam esta situação grave. Para superar este estado de escassez, alguns camponeses começaram a criar insetos para poder se alimentar e voluntários chegam a percorrer dezenas de quilômetros para fornecer água a animais isolados.
Certamente esta realidade não seria aceitável, para esta mulher que sustentava suas ações na premissa de gestão ambiental sustentável, governança democrática e cultura de paz. Por meio do Green Belt Movement (Movimento Cinturão Verde), que ela criou, desde 1977 até hoje, já foram plantadas em sistema comunitário mais de 51 milhões de árvores, dentro do conceito de recuperação de bacias hidrográficas e de promoção de geração de renda das comunidades locais. Uma ideia que faz sentido de aplicação em qualquer país no mundo, mas que precisa ser introduzida como uma renovação cultural e de valores.
Em fevereiro deste ano, Marion Kamau, atual presidente do Green Belt Movement foi convocada para presidir uma força-tarefa para fiscalizar a gestão dos recursos florestais e de exploração madeireira, no Ministério do Meio Ambiente do Quênia. Nas entrelinhas, isto representa que a inspiração de Wangari continua presente e serve como objeto de reflexão em países sul-americanos, como o Brasil, onde o desmatamento pode culminar uma situação irreversível na Amazônia, conforme artigo do pesquisador americano Thomas Lovejoy e do brasileiro Carlos Nobre, na revista Science Advances.
Retrospectiva – 26/09/2011 09:47
Wangari Maathai: um exemplo a seguir, por Sucena Shkrada Resk
“Você não pode proteger o meio ambiente, a menos que capacite as pessoas, as informe e ajude a entender que esses recursos são próprios e devem protegê-los”. Essa frase de Wangari Maathai, criadora do Green Belt Movement (Movimento Cinturão Verde), traduzida em ações, nos incentiva a melhorar, pelas mais diferentes razões. Pode-se dizer, sem dúvidas, que ela é um ícone da comunidade africana, ou melhor, mundial, ao se dedicar à implementação dos princípios da sustentabilidade.
Essa mulher queniana formou-se em Biologia e fez Mestrado, por meio de bolsa de Estudos, nos EUA e foi a primeira mulher a conquistar o PhD em Anatomia, na África central e oriental, na Escola de Medicina Veterinária da Universidade de Nairobi. Nessa trajetória de emancipação, se tornou pioneira também ao presidir um departamento da Universidade e a ser nomeada professora. Uma conquista muito importante, na questão de gênero e de direitos humanos, mas transpôs a sala de aula e se dedicou à realidade do campo, da população vulnerável.
Na sua extensa biografia como ativista, comandou a Cruz Vermelha queniana nos anos 70 e foi ministra-assistente do Meio Ambiente entre 2003 e 2005. A sua agenda tinha como diretrizes o reflorestamento, proteção das florestas, e a restauração de áreas degradadas; como também projetos educacionais, com bolsas de estudo para órfãos devido ao HIV / AIDS; e acesso à nutrição aos portadores.
Uma de suas iniciativas de maior relevância foi o trabalho desenvolvido, por meio de sua organização, a partir de 1977, que resultou no plantio e replantio de cerca de 47 milhões de árvores no país, com a participação das comunidades, constituindo o sentido do empoderamento. A iniciativa nasceu, ao se defrontar com a realidade principalmente de mulheres do campo, que enfrentavam todos os tipos de dificuldades. Wangari propôs que as soluções viessem por meio de planos de manejos. Ao mesmo tempo, os camponeses deveriam proteger as bacias hidrográficas e estabilizar o solo, melhorando a agricultura.
A ideia que semeou nos anos 70 superou as fronteiras, e em 1987, já tinha seguido pela Pan African Green Belt Network , para a Tanzânia, Uganda, Etiópia, Zimbabwe e Lesoto.
As bandeiras foram ampliadas e ela se uniu a outros movimentos contra regimes ditatoriais, que acentuavam a pobreza em seu país. Uma das campanhas que iniciou, foi contra a construção de um arranha-céu em Uhuru (“Freedom”) Park no centro de Nairobi, e o desmatamento de terras públicas. Durante essa militância, foi presa e espancada com outros ativistas.
Mais um trabalho relevante que não pode ser menosprezado, é que Wangari e seu movimento tiveram um papel importante na nova constituição do Quênia, ratificada pelo voto popular em 2010. O documento incluía o direito de todos os cidadãos a um ambiente limpo e saudável.
Ela colocava em prática o conceito de sustentabilidade em um contexto geopolítico e socioambiental de adversidades gritantes. Dedicou-se à proteção da selva da bacia do Congo na África central, segundo maior maciço florestal tropical do mundo…Contribuiu, em 2006, para o lançamento do Programa Um Bilhão de Árvores ao Redor do Mundo, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnuma), que já ultrapassou a casa de bilhões.
Contribuiu também ao deixar uma bibliografia importante, calcada em suas experiências:
-The Green Belt Movement: Sharing the Approach and the Experience (2003);
– Unbowed (2006), uma auto-biografia;
– The Challenge for Africa (2008);
– Replenishing the Earth: Spiritual Values for Healing Ourselves and the World (2010).
Em 2009, ela foi designada como mensageira da paz, pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A ativista, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz 2004, morreu neste domingo (25), aos 71 anos, devido a um câncer, em Nairóbi.
A sua partida nos entristece, mas a sua obra é tão sublime, que serve como um ‘tapa com luva de pelica’ à nossa inércia diante de tantas práticas erradas na condução socioambiental e, na verdade, das relações humanas…
Ao fazer a leitura de matérias a respeito, multiplicadas por agências de notícias internacionais, e ao conhecer um pouco mais de sua biografia, percebo o quanto ainda nos intitulamos mais do que realmente somos na prática.