por Samyra Crespo, especial para a Envolverde – 

Ontem foi Dia da Onça Pintada, o maior felino das Américas, com ocorrência em praticamente todos os países. Ainda assim, e apesar da adaptalidade deste animal aos diversos biomas (no Brasil notadamente à Mata Atlântica, ao Patanal e ao Cerrado) ele se acha em grave risco de extinção. Ele está no topo da cadeia alimentar das florestas e matas, portanto seu predador é o ser humano: se as onças estão se extinguindo deve-se ao avanço dos assentamentos humanos sobre seus habitats naturais, desmatamento e queimadas, caça e tráfico ilegal.

Os projetos brasileiros de “conservação da onça “, principalmente no Pantanal e em Iguaçu, são muito bem sucedidos e premiados internacionalmente, contando com talentosos biólogos e ecólogos especializados. Há muita muita e diligente ciência behind the scenes da conservação. É preciso conhecer toda a ecologia da espécie: seus hábitos de alimentação e reprodução, sua dieta e sua dinâmica de população. Muitos animais são chipados e monitorados dia a dia por equipes atentas e comprometidas com a tarefa. A vida de um conservacionista de campo não é fácil. Vive quase isolado ou em pequenos grupos, em cidades pequenas ou aldeamentos avançados. Novos conhecimentos sobre a espécie a ser conservada são sistematizados continuamente, e uma larga rede – invisível para o grande público – de cooperação se estende por centros científicos, laboratórios, zoológicos e reservas, no mundo todo.

Onça do Pantanal: uma das imagens da obra ‘Serra do Amolar’, de Araquém Alcântara

É uma rede de proteção do bem, estendida por centenas de mãos e de ciência séria, contra uma dinâmica de destruição que pudemos acompanhar em tempo real este ano, pela TV e redes sociais, quando milhares de hectares da Amazônia e Cerrado tombaram, e o Pantanal ardeu – causando uma matança massiva de animais de todos os portes. A caça sorrateira, ilegal também faz vítimas e mostra que há muita vulnerabilidade na proteção de espécies e espécimes (indivíduos) ameaçados.

O conservacionismo, como amor à natureza (como se vê, por exemplo, nos clubes de observadores de pássaros) e como prática científica sistemática, não é novidade de nossos dias atuais.

Desde a experiência dos naturalistas, nos séculos XVI e XVII, quando a evolução da ciência da navegação permitiu, equipes de cientistas e artistas aportaram em terras desconhecidas, descrevendo sua exuberante fauna e vegetação. Espalharam-se no mundo todo os “museus naturais” com coleções preciosas de tudo o que foi encontrado. Até hoje estes museus exercem notável papel pedagógico. A maioria deles, como o de Londres, de Nova Iorque e nosso Museu Nacional, no Rio de Janeiro tornaram-se potentes centros de ciência. O mesmo ocorreu com os Jardins Botânicos.
Animais selvagens – como leões e tigres – eram dados de presente a reis e rainhas e os primeiros zoológicos surgiram desse colecionismo aristocrático do passado. Ao populacho restavam os circos itinerantes, com seu o exotismo de “feras” jamais vistas.

Cada ramo ou fio puxado dessa história secular mostra como os seres humanos foram se familiarizando com o mundo tido como selvagem, e com os seres que lhes causavam terror e admiração.

A história colonial está repleta de relatos terríveis desta aproximação que resultou em diminuição drástica dos animais encontrados pelos conquistadores. Até hoje espanta a matança dos bisontes, pela cavalaria norte americana, que queria assim acuar as tribos indígenas que deles se alimentavam: rebanhos inteiros sacrificados. Pilhas de animais mortos e queimados. Relatos da época fala que a quilômetros se sentia o cheiro da carne queimada. Com a morte dos animais agonizaram culturas inteiras de indígenas nativos.

A contramoeda desse fato foi o surgimento do seu contrário, o conservacionismo e a doutrina dos parques e reservas naturais, que até hoje perdura.

O conservacionismo está na raiz do ambientalismo moderno como ethos e como prática. Ele é o núcleo duro do desenvolvimento sustentável, ideologia bem mais recente e que ainda sofre duras provas para se mostrar viável.

Sussuarana

A Década da Restauração, a ser lançada em 2021, durante a V Assembleia da ONU Meio Ambiente, é o frame work para um trabalho gigantesco e crucial para a humanidade: usar toda a ciência disponível, todo bom senso e compreensão para não só deter a destruição da biodiversidade, mas repor, regenerar, garantir uma base natural capaz de sustentar a vida neste Planeta.

Muitos vão atender a este chamado.

Somos convidados a escolher um lado: o da onça. Destruir ou conservar?

Além da consciência coletiva, há nossa própria e individual inclinação. Que ela se apresente!!!
Que a vida tenha uma chance.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.