Por Elton Alisson – Agência FAPESP –
Até 15 milhões de hectares de floresta tropical na Amazônia correm o risco de perder sua proteção e serem desmatados em razão de um artigo no novo Código Florestal brasileiro.
O alerta foi feito por pesquisadores da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), da KTH Royal Institute of Technology e da Chalmers University of Technology, da Suécia, em artigo publicado terça-feira (13/11) na revista Nature Sustainability. O estudo é resultado de um projeto apoiado pela FAPESP.
“Os 15 milhões de hectares que podem ficar desprotegidos por essa regra no novo Código Florestal equivalem a, aproximadamente e em número, todo o déficit de reserva legal que precisa ser compensado ou restaurado no Brasil e está coberta principalmente por floresta tropical”, disse Gerd Sparovek, professor da Esalq-USP e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.
“A eventual perda dessas áreas para atividades agrícolas pode anular os esforços para regularização de reservas legais no Brasil e resultar em enormes perdas de biodiversidade, no comprometimento de serviços ambientais valiosos para a socidade – como fornecimento de água – e no aumento de emissões de gases de efeito estufa”, disse Sparovek.
O pesquisador explica que o antigo Código Florestal brasileiro, vigente até 2012, estabelecia que os proprietários de terrras privadas, situadas nos estados localizados na região amazônica, podiam utilizar até 20% delas, reservando os 80% restantes como reservas legais para a preservação da natureza.
O novo Código Florestal, revisado em 2012, ganhou o artigo 15, parágrafo 5, inserido a pedido do Estado do Amapá, que permite aos estados amazônicos reduzirem esse requisito de reserva legal de 80% para 50% se mais de 65% de seus territórios estiverem protegidos por unidades de conservação ou terras indígenas.
Se esse artigo for implementado, entre 7 e 15 milhões de hectares de área de floresta ficariam desprotegidos e sujeitos ao desmatamento legal. Isso porque outros estados da região, como Amazonas, Roraima e Acre, têm cerca de 80 milhões de hectares de terras públicas ainda não designadas.
A eventual destinação dessas áreas públicas para unidades de conservação ou terras indígenas também pode permitir a esses estados reduzir a proteção de propriedades privadas. Com isso, seriam abertas grandes áreas para o desmatamento legal e para expansão agrícola, apontam os pesquisadores.
“A remoção da proteção legal não significa automaticamente que essas florestas serão desmatadas. Mas é importante prestar atenção no contexto político atual, que sugere um enfraquecimento dos mecanismos de prevenção do desmatamento”, disse Flávio Luiz Mazzaro de Freitas, doutorando no KTH Royal Institute of Technology e primeiro autor do estudo.
Modelagem de cenários
Os pesquisadores avaliaram os possíveis impactos da redução da exigência de reserva legal de 80% para 50% na proteção de áreas de florestas em terras públicas e privadas na Amazônia por meio de uma base georreferenciada da malha fundiária brasileira.
A malha abrange todo o território nacional e combina bases de dados oficiais, como as das áreas protegidas nacionais e estaduais – como áreas de conservação, terras indígenas e militares –, além das bases de imóveis e de assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e os polígonos de imóveis do Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Por meio dessa base georreferenciada, abrigada no cluster computacional Euler, no Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP –, os pesquisadores modelaram a implementação do artigo 12, parágrafo 5 do novo Código Florestal em dois cenários diferentes de destinação de terras atualmente não designadas na região amazônica.
No primeiro cenário, mais conservador, a proteção da natureza teria prioridade alta. No segundo, que seria o pior, o novo artigo seria plenamente implementado.
O potencial de redução da proteção florestal nessas duas situações foi quantificado e avaliado os riscos de conversão legal de terras não mais protegidas para o uso agrícola, usando medidas de adequação, além dos potenciais impactos dessa conversão de terra em termos de emissões de carbono e proteção da biodiversidade.
As análises dos dados indicaram que, nos dois cenários, os estados do Amapá, Roraima e Amazonas se qualificaram para reduzir suas reservas legais em terras privadas.
Na situação mais conservadora, 97% do território não destinado dos estados do Amazonas e do Amapá seriam designados unidades de conservação ou terras indígenas. Nesse cenário, o novo artigo do Código Florestal eliminaria a proteção de 6,5 milhões de hectares de floresta preservada, sendo 4,6 milhões de hectares no Amazonas, 1,4 milhão de hectares em Roraima e meio milhão de hectares no Amapá. E quando as unidades de conservação e as terras indígenas dentro desses estados atingissem o limite de 65% e a nova regra do Código Florestal fosse implementada, a área de floresta desprotegida mais que dobraria.
Os pesquisadores também estimaram que, no cenário mais conservador, cerca de metade das áreas de floresta que passariam a ficar desprotegidas (3,14 milhões de hectares) estaria situada em propriedades rurais registradas, 1,9 milhão de hectares em assentamentos e 600 milhões de hectares em áreas a serem intituladas.
Na pior situação, a maior parte da redução ocorreria em territórios atualmente não designados, onde as propriedades com titularidade teriam suas reservas legais reduzidas em mais de 8 milhões de hectares, previram.
“A criação de unidades de conservação, de proteção da natureza ou de terras indígenas nesses estados pode resultar em um efeito secundário, que é o aumentar a possibilidade de expandir o desmatamento. Isso é uma esquizofrenia”, disse Sparovek.
Os pesquisadores sugerem que medidas legais adotadas no contexto do Programa de Regularização Ambiental (PRA) dos estados podem ajudar a reduzir o risco de desmatamento extensivo.
Motivos econômicos também podem colaborar para reduzir os riscos de desmatamento, já que existe um forte compromisso internacional para evitar a compra de produtos originários de zonas de desmatamento. As exportações agrícolas brasileiras podem ser fortemente afetadas no caso de aumento do desmatamento na região amazônica, ressalvam.
“Esperamos que as constatações feitos no estudo tragam mais clareza sobre a possibilidade de aumento de desmatamento legal na Amazônia e contribuam para a elaboração de ações e estratégias públicas e privadas que visem mitigar possíveis danos ambientais e sociais desse processo”, disse Freitas.