Por: Izabel Santos, Amazônia Real –
Pesquisa da iniciativa Green Ocean Amazon (GOAmazon) mostra que as queimadas de áreas desmatadas, entre outros poluidores, influenciam na formação de nuvens e na radiação solar (Foto: Carlos Durigan)
Manaus (AM) – A queima de combustível pelos veículos, os aparelhos de ar condicionado, a energia termelétrica e as queimadas de áreas desmatadas, presentes em Manaus e em seu entorno, são alguns dos fatores que estão elevando em até 400% a produção de aerossóis na Floresta Amazônica. Aerossóis são partículas ainda misteriosas para ciência, mas são importantes na manutenção do clima e balanço da radiação solar terrestre. No entanto, o excesso das partículas, como foi detectado em pesquisa da iniciativa Green Ocean Amazon (GOAmazon) na capital do Amazonas, pode trazer consequências que impedem a formação de nuvens e alteram o processo de fotossíntese da floresta.
As informações da pesquisa foram publicadas no artigo da revista Nature Communications: “Urban pollution greatly enhances formation of natural aerosols over the Amazon rainforest”. O pesquisador do Pacific Northwest National Laboratory, Manish Kumar Shrivastava, um dos autores do artigo, disse que, de maneira natural, a floresta produz partículas de aerossóis, que são chamadas primárias e secundárias, dependendo do processo de formação, mas em concentrações muito baixas.
“No entanto, a observação realizada através do GOAmazon mostra que a poluição de Manaus contribui para o aumento das emissões de óxidos de nitrogênio que, por sua vez, aumentam a presença de oxidantes como o ozônio e radicais hidroxila, o que acelera muito a formação das partículas secundárias”, afirma Manish Shrivastava em entrevista àAmazônia Real.
A pesquisa é resultado do trabalho da iniciativa GOAmazon, uma parceria entre o governo brasileiro e os Estados Unidos que, desde 2014, estuda processos que produzem chuva na região dos trópicos úmidos e avalia a poluição na área urbana de Manaus e sua influência no ciclo de vida das nuvens.
O estudo foi realizado com a colaboração de 36 pesquisadores de diversas nacionalidades, sendo nove brasileiros. Eles analisaram medições, realizadas com aviões do Departamento de Energia dos Estados Unidos. Dentre os dados estão as medidas em superfície, e um programa de computador que simula a química da atmosfera em escala regional para interpretar as medidas experimentais à luz da meteorologia e dos complexos processos químicos.
Já era sabido que o processo de urbanização altera totalmente a produção de aerossóis em florestas tropicais preservadas, pois tal fenômeno foi observado em outras regiões na África e Sudoeste da Ásia. Mas nunca os dados foram tão elevados como na Amazônia, onde a produção aumenta em mais de 400% e influência na formação de nuvens e na radiação solar na floresta. O dado é de extrema importância, pois em condições normais, os aerossóis primários respondem por 75% a 85% da massa do aerossol presente na floresta amazônica.
O pesquisador Manish Shrivastava acrescenta que a floresta é, provavelmente, muito mais sensível às mudanças na produção de aerossóis do que outras regiões já observadas pelos pesquisadores. Isso acontece porque ela é muito primitiva, ou seja, preservada e com pouquíssima interferência antropogênica. O cientista também alerta que o aumento na produção de aerossóis pode alterar as nuvens e os padrões de chuva.
“O efeito geral e a sensibilidade da floresta a essas mudanças não são bem compreendidos ainda. Sabe-se também que, além da produção de aerossóis, o aumento do ozônio altera a absorção de carbono e os processos fotossintéticos da floresta. Em resumo, o aumento da presença das partículas, e de ozônio, pode afetar a floresta, em aspectos de clima, ecologia e padrões de chuva, além da saúde humana”, explica Shrivastava.
Uma das contribuições do estudo diz respeito ao impacto da poluição urbana em uma floresta tropical intocada, como a Floresta Amazônica. Agora, já se sabe que as emissões de poluição provocam grandes mudanças na formação de aerossóis e que isso pode acarretar efeitos climáticos. Por isso, no momento, o mundo não pode arriscar um aumento de poluição com essa dimensão.
O Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, limitou a meta do aumento da temperatura em abaixo de 2ºC, de preferência 1,5ºC, até 2035. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), essa meta só será atingida se a humanidade cortar as emissões em 45%, nos próximos 11 anos. Mas, segundo a Agência Internacional de Energia, a demanda global por energia subiu 2,3% em 2018, aumentando as emissões de gás carbônico por queima de combustíveis fósseis em 1,7%. Isso quer dizer que as emissões de gases do efeito estufa estão aumentando, quando deveriam diminuir.
“Ainda não se sabe quais serão os reais impactos de tudo isso, mas a poluição está causando um distúrbio nos processos naturais. As partículas de aerossóis primários agem como as ‘sementes’ das nuvens. O vapor d’água se condensa nos aerossóis e as nuvens então começam a ser formadas. O excesso dele pode mudar o padrão de formação de nuvens e, consequentemente, o de chuva”, acrescenta uma das autoras do artigo acima mencionado, e pesquisadora do Max Planck Institute for Biogeochemistry, Eliane Gomes Alves.
Impactos da urbanização vão além das cidades
O meteorologista e coordenador do programa de pós-graduação em Clima e Ambiente (PPG-Cliamb), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em associação com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Luiz Cândido, destaca que a maior contribuição dos novos resultados dessa pesquisa é mostrar a importância da conservação de áreas de floresta no meio urbano. Essa conservação contribui para mitigar os impactos sobre a atmosfera das cidades, minimizando os efeitos da poluição de material particulado, aerossóis e gases do efeito estufa. A pesquisa também mostra que a vegetação circundante também pode ser afetada pelas emissões urbanas.
“Os resultados trazem informações positivas e negativas sobre a produção de aerossóis na Floresta Amazônica associada à poluição urbana gerada em Manaus. A situação influencia não só a cidade, mas também o ecossistema ao redor”, explica Cândido à reportagem.
O aspecto positivo desse fenômeno diz respeito ao aumento da radiação solar espalhada, ou seja, difusa, pelos aerossóis primários, aqueles produzidos pela vegetação; e secundários, que são associados à pluma de poluição urbana. “O efeito combinado desses aerossóis faz com que a floresta receba mais luz em camadas foliares inferiores, as mais escondidas. Isso favorece os processos de fotossíntese que deixam a floresta mais robusta, por causa do aumento da biomassa”, diz o pesquisador.
“Mas não é totalmente benéfico, pois quanto mais aerossóis na atmosfera, maior será a concorrência dos potenciais núcleos de condensação, pois aerossóis funcionam como núcleos de condensação, pelo vapor d’água presente na atmosfera. Isso significa que será favorecida a formação de nuvens mais desenvolvidas verticalmente, mas enfraquecidas. Com grande desenvolvimento vertical, mas com menos chuva”, acrescenta Luiz Cândido.
Conforme constam em outros estudos, não só a fotossíntese das árvores pode ser afetada pelos efeitos da poluição, mas o crescimento também. O biólogo Giuliano Locosselli, da Universidade de São Paulo (USP), pesquisa a reconstrução do clima e da poluição, baseada no crescimento de árvores urbanas. Ele explica que a nuvem de poluição formada sobre Manaus pode ter dióxido de carbono (CO2), que contribui para o efeito estufa, e também deve carregar óxidos nitrosos e outros elementos, que geram impacto negativo sobre o crescimento das árvores.
“É sabido que o clima tem um efeito muito grande sobre o crescimento das árvores. Se alterarmos as características climáticas regionais, ou microclimáticas, alteramos o ritmo de crescimento das árvores. Além do efeito direto da poluição, pode haver um efeito indireto pelas mudanças nas condições climáticas locais e regionais”, diz Locosselli à Amazônia Real.
Pessoas e atividades humanas são necessárias
As atividades humanas já modificaram significativamente a atmosfera terrestre em quase todas as regiões continentais. É difícil para a ciência deduzir quais seriam os níveis ideais de aerossóis presentes na atmosfera sem influência humana. Mas a Amazônia, que possui supostas condições primitivas, que representam os tempos que antecederam a Revolução Industrial, é o laboratório que mais se aproxima do ambiente ideal para se estudar o assunto. No meio da floresta está Manaus e seus mais de 2 milhões de habitantes, que produzem as características adequadas para concretizar pesquisas nesse sentido. Por isso, esse ambiente pode trazer informações mais precisas sobre o meio natural, de floresta praticamente intocada, e urbano, modificado pela atividade humana, e a influência mútua que a interação entre ambos exerce um sobre o outro.
Em Manaus, a poluição tem uma relação linear com o processo de urbanização. “A poluição está associada à expansão e incremento da cidade. Quanto maior o avanço da urbanização, maior o aumento das emissões de material particulado, que é poluição, no ar. Grande parte das emissões têm origem na queima de combustíveis fósseis, como gasolina e diesel. O nosso Distrito Industrial não é uma indústria de transformação, mas usa energia elétrica, que vem de usinas termelétricas”, diz Luiz Antônio Cândido.
“A pesquisa da GOAmazon mostra a importância de se repensar o desenvolvimento não só de Manaus, mas de outras cidades. Será que precisamos de grandes cidades? Não seria melhor primar pela qualidade do meio ambiente e de vida da população?”, provoca o meteorologista. Na opinião de Cândido, limitar o desenvolvimento de cidades e criar mais distritos e vilas seriam alternativas viáveis.
O pesquisador Charles Clement estuda há mais de 20 anos a domesticação da Floresta Amazônica. Segundo ele, ao contrário do que por anos esteve presente do imaginário da população, a floresta não é necessariamente um bioma intocado, mas sim manejado pelos indígenas, há cerca de 10 mil anos.
Ele diz que as evidências estão presentes em vestígios arqueológicos, botânicos e genéticos. Os povos originários tiravam, por exemplo, plantas do ambiente natural e as plantavam novamente em outro local, como é o caso da mandioca (Manihot esculenta), da castanha do Brasil (Bertholletia excelcia), do açaí (euterpe oleracea) e da pupunha (Bactris gasipaes).
Com base nas evidências de que a presença humana tornou a Amazônia o que é hoje, Clement defende a interiorização do desenvolvimento do Brasil, como solução para os problemas provocados pela urbanização e crescimento desordenado das cidades. Para ele, é preciso desenvolver o país, respeitando o Acordo de Paris – mesmo fragilizado pelo Governo Bolsonaro – e com a floresta em pé.
“Nas plantações de soja o que menos se vê são pessoas trabalhando. Só temos máquinas no campo. E nas cidades, o que mais se tem são pessoas precisando de emprego”, alerta Clement em entrevista à Amazônia Real.
O cientista explica que não se trata apenas de pegar pessoas e deslocar para o interior, mas de oferecer oportunidade e condições de vida digna a elas onde forem morar. “Ninguém quer viver abandonado, sem saúde, educação e emprego, como estão os nossos interiores hoje”, diz Clement.
“Para colocar o Acordo de Paris em prática no Brasil, temos que colocar gente de volta na floresta, pois é uma opção social e ambientalmente aceitável. Os indígenas nos mostram como fazer isso há séculos”, conclui ele, reforçando a importância do papel dos povos nativos na conservação e cuidado com o meio natural da floresta amazônica.
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