Estudo publicado na Nature por um grupo de cientistas polares, que inclui um português, lança o alerta: temos uma década para reduzir ao mínimo as emissões de gases com efeito de estufa. Ou o clima e o planeta vão mesmo mudar para pior
São dez anos – uma década. É esta a janela que hoje resta aos decisores políticos e económicos, mas também aos cidadãos, para fazer (ou não) um corte drástico nas emissões de gases com efeito de estufa, e com isso permitir que a Antártida e a sua imensa cobertura de gelo, com os seus três a cinco quilómetros de espessura, se mantenha mais ou menos intacta durante o próximo meio século. Só isso evitará efeitos negativos para todo o planeta, e para a humanidade. Um deles é a subida do nível do mar em mais 30 cm, que, a acontecer, vai mudar a face das zonas costeiras em todos os continentes.
O alerta é dado esta quarta-feira na revista Nature por um grupo de nove cientistas polares veteranos e premiados, entre os quais o português José Xavier, professor e investigador da Universidade de Coimbra.
No artigo “Choosing the future of Antárctica”, (Escolher o futuro da Antártida), os especialistas mostram que se as emissões de gases com efeito de estufa se mantiverem como até agora durante os próximos 10 anos, haverá grandes alterações na Antártida, como o degelo, “que a partir de certo ponto se tornam irreversíveis”, explica José Xavier ao DN. “Se continuarmos durante os próximos anos no cenário mais negativo, com o atual nível de emissões, torna-se impossível retardar o degelo, como demonstramos no nosso artigo”, sublinha. As consequências não serão bonitas.
O estudo parte de dois cenários climáticos, do conjunto de quatro elaborados pelo IPCC (o Painel Intergovernamental da ONU para as Alterações Climáticas) no seu último relatório, de 2013, e faz uma simulação do que vai acontecer ao longo do próximo meio século a todos os níveis: na temperatura, no degelo, no ecossistema e biodiversidade marinha, no próprio sistema climático e nos custos económicos disso tudo – tanto para a Antártida, como a nível planetário.
Os dois cenários do IPCC escolhidos pela equipa são os dois extremos: o mais negativo, em que as emissões de gases com efeito de estufa continuam mais ou menos como são neste preciso momento, e o mais benéfico, “em que tudo corre bem, com o Acordo de Paris a ser posto em prática sem problemas”, como explica José Xavier, notando que “uma das coisas mais importante deste trabalho é o fato de ambos os cenários serem plausíveis”.
Em vez de se lançarem em exercícios de futurismo e em estimativas, no entanto, os autores decidiram fazer o contrário. Corridos os modelos nos computadores e obtidos os dados para cada um dos dois cenários, criaram duas narrativas, a mais negativa e a menos problemática, e escrevem o artigo a partir do futuro, como se fossem observadores que, no ano de 2070, estivessem a olhar para o passado da Antártida, e do planeta. Além das conclusões propriamente ditas do estudo, esse formato acaba por dar “força e impacto ao artigo”, acredita José Xavier.
A ideia, afirma, “é alertar a comunidade política” para a necessidade de tomar as decisões que se impõem “nos próximos 10 anos, para evitar grandes mudanças no planeta, como acontece no pior cenário, com um aumento da temperatura global da ordem dos 3 graus Célsius, a subida do nível do mar em mais 30 cm, e grandes mudanças ambientais, quer para a biodiversidade, quer para os oceanos”.
No pior cenário, a diminuição da cobertura gelada da Antártica, por exemplo, sofre uma redução de 23%, e no verão, a perda de gelo oceânico no mar austral pode chegar aos 43%. Ao mesmo tempo, as águas, pela absorção contínua de dióxido de carbono (CO2), tornar-se-ão mais ácidas, afetando as espécies de carapaça, como os crustáceos. Num efeito de cascata, isso acabará por se repercutir também na produtividade dos ecossistemas e em toda a cadeia alimentar.
Evitar esse cenário próximo da catástrofe, que terá custos anuais de quase dois biliões de euros pelos cálculos dos cientistas, passa por “promover a redução das emissões de gases com efeito de estufa, através de um acompanhamento do Acordo de Paris, de uma boa gestão do Tratado da Antártida, e da adoção de tecnologias verdes, entre outras decisões”, sublinha José Xavier.
Porquê este olhar, agora, sobre a Antártida? A resposta é simples. Ao contrário do que se possa imaginar, aquele não é apenas um local remoto e quase imaculado da Terra, onde uma mão-cheia de cientistas se afadigam todos os anos a realizar estudos complexos. O que acontece na Antártida, sabe-se hoje, tem implicações globais. Ou, como afirma José Xavier, “as mudanças que ali ocorrerem podem ter efeitos importantes no clima, no nível do mar e nos ecossistemas marinhos do resto do mundo”. Por isso, sublinha, “precisamos de atuar já, é muito importante perceber que mesmo no cenário mais positivo também vai haver efeitos negativos”.
Se no pior cenário o aumento da temperatura fica uma unidade acima dos tais dois graus (em relação à era pré-industrial), que os especialistas têm considerado como o limite máximo para que o sistema climático não entre em desequilíbrio, no cenário mais positivo avaliado neste artigo, a temperatura sofre mesmo assim (até 2070) uma subida de um grau, em relação à era pré-industrial, e o os oceanos ganham mais seis centímetros de altura.
Nesse futuro melhor, a cobertura gelada da Antártida terá uma redução de 8% e a perda de gelo oceânico no verão não ultrapassará os 12%. Os custos económicos calculados para mitigar os efeitos costeiros, entre outros, serão menores neste cenário, mas rondarão de qualquer forma os 50 mil milhões de euros.
Resta saber qual dos cenários será o do futuro. Isso vai depender “do que se decidir politicamente na próxima década” em relação ao ambiente, como diz José Xavier. “Ainda é tempo de agir”, garante, mas já estamos em contagem decrescente. Um outro estudo, publicado hoje também na Nature, mostra que o degelo no Polo Sul está, neste preciso momento, a acelerar. Fonte Diário de Notícias (PT) (#Envolverde)