Ambiente

Unesco avalia geoparques aspirantes no Brasil

Pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil participam dos comitês científicos e acompanharam a missão que percorreu os territórios no RS, SC e RN

A Unesco visitou no mês de novembro dois geoparques aspirantes no Brasil a receber a chancela de geoparque mundial. Entre os dias 12 e 16, a missão internacional percorreu o geoparque Caminhos dos Cânions do Sul, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O geoparque Seridó, no Rio Grande do Norte, recebeu a missão de avaliação da Unesco entre os dias 22 e 26.

Os dois territórios, um no extremo sul do país e outro no extremo norte, têm o mesmo objetivo: buscar o reconhecimento mundial do patrimônio geocientífico brasileiro. A visita ocorreu 15 anos depois da aprovação internacional do primeiro – e único até hoje – geoparque brasileiro, o Geopark Araripe, no Ceará. Caso ambos os geoparques brasileiros sejam chancelados, a América do Sul terá o total de 7 locais dentro da Rede Global de Geoparques (GGN), sigla de Global Geoparks Network.

A Missão de Avaliação da Unesco, acompanhada por pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil (SGB-CPRM), percorreu os principais geossítios que constituem o patrimônio dos geoparques candidatos. Geossítios são locais-chave para o entendimento da origem e da evolução da Terra e da vida na Terra.

Mas para alcançar o status da Unesco e ingressar na GGN, atraindo os olhos do mundo para o Brasil, o território precisa ser entendido dentro de um conceito holístico, que envolve preservação patrimonial, cultural e sustentabilidade. Ao conjunto de geossítios, onde ocorrem elementos da geodiversidade com singular valor do ponto de vista científico, soma-se o valor educativo, turístico e cultural.

O enviado da Unesco, geólogo Artur Sá, do Geoparque Arouca de Portugal, destacou que os geoparques são uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável em que na base está o conhecimento geológico e as histórias que as rochas contam sobre o planeta.

“É fundamental no projeto de geoparque, em que o território se candidata a geoparque mundial da Unesco, que o trabalho científico seja não só uma realidade no tempo de preparação, como algo contínuo dentro daquilo que é a estratégia de desenvolvimento”, ressaltou, sobre o valor da transmissão do conhecimento geocientífico para preservação do patrimônio.

Conforme relembra, o projeto Geoparques do Brasil do SGB-CPRM foi desenvolvido em uma fase anterior à definição de alguns conceitos e serve de base para os projetos em andamento. “Foi um trabalho extremamente valioso, foi pioneiro, e essa referência é merecida. Todas as pessoas que começaram a se envolver na criação de Geoparques Mundiais da Unesco, perceberam a importância desse trabalho e a necessidade que é buscar informações sobre o patrimônio natural e o patrimônio cultural desses lugares para integrar tudo isso em um projeto holístico de desenvolvimento sustentável”, acrescentou.
Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul – O Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul fica localizado próximo à zona litorânea da região Sul do Brasil. Abriga a maior cadeia de cânions da América Latina. Do ponto de vista do patrimônio geológico, essa sucessão de escarpas que atingem até 1157 metros de altura, e se estendem por 250 km configura um dos maiores eventos magmáticos ocorridos no planeta.
Os cânions são geossítios de interesse mundial ao ajudar a explicar fragmentação do supercontinente Gondwana há cerca de 130 milhões de anos
Esse capítulo importante da história da Terra começa com a fragmentação do supercontinente Gondwana há cerca de 130 milhões de anos, quando as movimentações das placas tectônicas despertaram um dos maiores eventos geológicos de todos os tempos, o vulcanismo Serra Geral. O derrame das lavas ocorreu de forma incessante por 10 milhões de anos por meio de fissuras na crosta.

Paleotoca Toca do Tatu em Timbé do Sul (SC) com registros de animais da megafauna

Nos arenitos abaixo da Formação Serra Geral encontra-se outro atributo do geoparque: as paleotocas. Além dos majestosos cânions, existem mais de 50 paleotocas dentro do território do geoparque, novidade que vem chamando atenção de muitos pesquisadores do mundo afora para a região.

Preguiças e tatus gigantes viviam em tocas escavadas nos arenitos, que materializam dunas desérticas que cobriram a porção central do megacontinente Gondwana, durante o triássico. A visita é controlada para garantir a preservação dos locais em que se pode ver registros além da presença de animais da megafauna, gravuras rupestres dos povos originários, que também habitavam a região há cerca de 10 mil anos.

De acordo com a coordenadora do Comitê Educativo e Científico do geoparque Caminhos dos Cânions do Sul, Maria Carolina Gomes, o território é singular. “Esse momento foi muito esperado. A vontade foi de mostrar um pouco de tudo em um tempo muito curto. Então, foram selecionadas as áreas que são entendidas como mais relevantes, com outros elementos que são importantes para a comunidade local, justificando esse projeto, que na verdade busca compatibilizar a geoconservação com o desenvolvimento regional”, explicou. O território integra 7 municípios. No total, 30 geossítios constituem os pontos mais representativos da geodiversidade regional.

Geoparque Seridó

O território do Geoparque Seridó faz parte do semiárido nordestino, localizado na região centro-sul do Rio Grande do Norte. Os avaliadores visitaram pontos em todos os seis municípios que fazem parte do território: Acari, Carnaúba dos Dantas, Cerro Corá, Currais Novos, Lagoa Nova e Parelhas.


Geossítio Cânion dos Apertados constituído por quartzitos da Formação Equador (Rogerio Valença Ferreira/Arquivo CPRM)

O Seridó apresenta um patrimônio geológico decorrente dos inúmeros processos naturais, cujo registro pode ser observado nas diversas formas de relevo, tais como as serras e picos, ou exposições rochosas constituídas por granitos, gnaisses, mármores, quartzitos e arenitos.

Com tamanha riqueza de recursos minerais, a mineração é uma atividade econômica importante da região. O principal destaque na exploração é a Mina Brejuí, onde a scheelita (mineral-minério de onde é extraído o tungstênio) é explorada desde a década de 40. A importância histórica dessa mina, que é a maior deste minério na América do Sul, e da exploração mineral na região é contada através das galerias subterrâneas destinadas à visitação pública, além do museu que conta a história da mineração.

No Seridó, as belezas da caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, se une aos registros paleontológicos que mostram a fauna pleistocênica da região, composta por megafauna, como preguiça, tatu gigantes e tigre dente de sabre.

Além disso, importantes registros de povos antigos, que deixaram sua presença marcada nas rochas do Seridó por meio de pinturas e gravuras, são encontrados no geoparque, evidenciando que a relação dos povos locais com a natureza remonta a milhares de anos passados.

Antiga galeria de extração de scheelita no geossítio Mina Brejuí. (Rogerio Valença Ferreira/Arquivo CPRM)

“O roteiro de visita foi montado contemplando os patrimônios naturais (geológico e biológico) e culturais (tangível e intangível), as comunidades tradicionais, os artesãos, os guias e condutores, os parceiros da iniciativa privada, dentre vários outros atores.” relatou o professor do Departamento de Geologia da UFRN e coordenador científico do Geoparque Seridó, Marcelo Nascimento.

O geólogo Miguel Cruz, do Geoparque Comarca Minera, do México, é outro avaliador da Unesco que esteve no Brasil. Ele explica que o processo de análise consiste em uma avaliação de campo dos geossítios localizados no território do geoparque aspirante a converter-se em Geoparque Mundial da Unesco. “É uma atividade intensa que envolve a equipe técnica, o território, os cientistas, os parceiros e o governo também”, destacou.

A riqueza de um geoparque é geológica, paleontológica, arqueológica, cultural, biológica, turística e educativa. É um parque, com tudo que essa palavra remete à diversão, mas vai além, busca o desenvolvimento local e regional, integra comunidades, valoriza as culturas locais e dos povos originários, e, claro, visa preservar o patrimônio geocientífico de interesse mundial.
#Envolverde