Economia

Ucrânia, na mira das corporações ocidentais

Prédio da administração presidencial ucraniana em Kiev. Foto: http://pt.wikipedia.org/
Prédio da administração presidencial ucraniana em Kiev. Foto: http://pt.wikipedia.org/

 

Oakland, Estados Unidos, fevereiro/2015 – O novo governo da Ucrânia, iniciado no dia 2 de dezembro, tem o mais firme apoio das potências ocidentais e é o único no mundo: três de seus mais importantes ministros nasceram no estrangeiro e receberam a cidadania ucraniana horas antes de assumirem seus cargos.

A ministra de Finanças é Natalie Jaresko, uma empresária nascida nos Estados Unidos, que reside na Ucrânia desde meados da década de 1990 e administra o Horizon Capital, um fundo de investimentos de capitais ocidentais.

Essa incomum presença de estrangeiros no governo de Kiev é coerente com o predomínio que os interesses ocidentais adquiriram sobre a economia ucraniana.

O Oakland Institute documentou essa transformação em dois recentes informes, o primeiro sobre a presença do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial no conflito da Ucrânia (Walking on the West Side: The World Bank and the IMF in the Ukraine Conflict) e o mais recente sobre a penetração das corporações ocidentais na agricultura ucraniana (The Corporate Takeover of Ukrainian Agriculture).

O principal fator da crise que desencadeou uma onda de protestos e forçou a renúncia do presidente Viktor Yanukovich, em fevereiro de 2014, foi sua rejeição a um acordo de associação com a União Europeia (UE), concebido para expandir o comércio bilateral e integrar a economia da Ucrânia a esse bloco. O acordo estava vinculado com crédito de US$ 17 bilhões do FMI.

Após o afastamento de Yanukovich e a instalação de um governo pró-ocidental, o FMI iniciou um programa de reformas voltado a incentivar os investimentos privados no país. O pacote de medidas incluía a privatização do fornecimento de água e energia e dava enorme importância ao que o Banco Mundial identificava como “as raízes estruturais” da atual crise econômica ucraniana, em primeiro lugar os elevados custos das empresas privadas.

A agricultura foi o objetivo principal dos investimentos estrangeiros na Ucrânia e é considerada pelo FMI e pelo Banco Mundial como o setor prioritário do programa de reformas.

As duas instituições exaltam a rapidez com que o governo seguiu seus conselhos. Por exemplo, o programa de reformas receitado à Ucrânia incluía a facilitação da aquisição de terras agrícolas, a eliminação de controles e regulamentações sobre a produção de alimentos e a redução de impostos e de direitos aduaneiros.

Bastam poucos dados para descrever a magnitude da agricultura ucraniana: é o terceiro exportador mundial de milho, quinto exportador mundial de trigo, e tem 32 milhões de hectares de terra cultiváveis, equivalentes a um terço do total da terra produtiva da UE. O controle do sistema agrícola ucraniano é um fator fundamental na luta que aconteceu no último ano no contexto do maior conflito Leste-Oeste desde o fim da Guerra Fria.

A presença das corporações estrangeiras na agricultura da Ucrânia se estendeu rapidamente, já que nestes últimos anos compraram 1,6 milhão de hectares.

Embora empresas como as norte-americanas Monsanto, Cargill e DuPont estejam na Ucrânia há muito tempo, seus investimentos no país cresceram recentemente.

A Cargill produz pesticidas, sementes, fertilizantes, ampliou seus investimentos em armazenamento de grãos e nutrição animal, e adquiriu participação na UkrLandFarming, a maior companhia agroindustrial do país.

Por sua vez, a Monsanto duplicou seu pessoal no país nos últimos três anos e, em março de 2014, semanas antes da saída de Yanukovich, investiu US$ 140 milhões na construção de uma nova unidade de sementes.

A expansão da DuPont também inclui uma fábrica de sementes.

O desejo das corporações ocidentais não se detém no controle de algumas rentáveis atividades agrícolas, aspira a integração vertical do setor da agricultura, e já se estendeu ao transporte e à infraestrutura.

Por exemplo, a Cargill agora possui quatro elevadores de grãos e duas unidades processadoras de óleo de girassol, e, em dezembro de 2013, adquiriu 25% de um terminal no porto de Novorossiysk, no Mar Negro, com capacidade para processar 3,5 milhões de toneladas anuais de grãos.

Em todas as fases da cadeia agrícola, desde a produção de sementes até o transporte das exportações, está aumentando o controle por parte das corporações ocidentais.

Embora a Ucrânia não permita a produção de alimentos geneticamente modificados (GM), o acordo entre Kiev e UE inclui uma cláusula que compromete as duas partes a cooperarem para “estender o uso de biotecnologias” no país.

Essa cláusula chama a atenção por implicar uma abertura para a importação de alimentos GM na Europa, que é o maior objetivo das corporações produtoras de sementes, como a Monsanto, mas que são rejeitados pela grande maioria dos consumidores europeus.

No entanto, não se vê como essa mudança poderia beneficiar os ucranianos, como tampouco o que pode significar a onda de investimentos estrangeiros para os sete milhões de agricultores locais.

Quando finalmente terminar o conflito no “pró-russo” setor oriental, os ucranianos se perguntarão o que restou da capacidade de seu país para controlar seu fornecimento de alimentos e administrar sua economia segundo seus próprios interesses.

É de se esperar que europeus e norte-americanos por fim deixem de ouvir a ensurdecedora retórica sobre agressões russas e direitos humanos e comecem a questionar a ingerência de seus países no conflito ucraniano. Envolverde/IPS

* Frédéric Mousseau é diretor de Política do Oakland Institute.