Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 20/10/2016 – Quando António Guterres, ex-primeiro-ministro de Portugal, assumir como secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1º de janeiro de 2017, sua equipe de direção estará integrada principalmente por candidatos das cinco potências com direito a veto no Conselho de Segurança (China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia).
Segundo a tradição, a equipe atual, integrada em sua maioria por subsecretários-gerais (SSG), apresentará sua demissão para dar liberdade de ação a Guterres antes de assumir o cargo.“Creio que existe uma tradição entre a maioria dos funcionários de alto escalão, como os SSG, de apresentarem suas renúncias”, disse o porta-voz adjunto da ONU, Farhan Haq. Porém, os diretores das agências da ONU “são aprovados pelas juntas diretoras dos respectivos organismos por períodos fixos, que não necessariamente acabam agora”, acrescentou.
Outra tradição de longa data diz que as cinco potências garantem o controle de alguns postos mais poderosos da ONU, à frente dos departamentos de Assuntos Políticos, Manutenção da Paz, Assuntos Econômicos e Sociais, Gestão e Assuntos Humanitários. “As grandes potências consideram esses postos de alto nível seus direitos políticos e intelectuais inatos”, afirmou um diplomata asiático que pediu para não ser identificado.
James Paul, ex-diretor executivo durante 18 anos da organização Global Policy Forum, que analisa a política da ONU, apontou à IPS que as cinco potências exercem grande influência na escolha dos altos cargos na Secretaria Geral desde os primeiros dias de existência das Nações Unidas.Teoricamente, o secretário-geral preenche os cargos de forma independente, a partir dos melhores candidatos de todo o mundo, acrescentou. A Carta da ONU exige que seu pessoal seja independente de toda interferência governamental.
Ban Ki-moon, atual secretário-geral, disse no passado que preenche os cargos “de forma transparente e competitiva, segundo o mérito, considerando o equilíbrio geográfico e de gênero”. Na prática, os postos são distribuídos de forma muito diferente.As potências analisam meticulosamente os candidatos e, para determinados cargos, nomeiam literalmente seus próprios funcionários. “Com esse sistema, os departamentos são feudos virtuais, controlados por um período prolongado”, indicou Paul.
Durante os primeiros 46 anos da ONU, até 1991, o SSG à frente do Departamento de Assuntos Políticos sempre foi um cidadão da antiga União Soviética. Após o final da Guerra Fria, a Grã-Bretanha assumiu esse cargo por 13 anos. Agora os Estados Unidos o controlam nos últimos oito. “Claramente existe um feudo dos Estados Unidos em progresso”, destacou Paul. E acrescentou que a Grã-Bretanha dirige o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários desde 2005, e “o feudo britânico está, sem dúvida, consolidado”.
“Os secretários-gerais tendem a designar seus confidentes mais próximos para os melhores postos do gabinete interno. Portanto, é difícil imaginar que um novo secretário-geral queira continuar com a mesma equipe de diretores de Ban”, opinou Palitha Konoha, ex-diretor da seção de tratados da ONU.
Segundo Konoha, que também foi embaixador do Sri Lanka junto à ONU,cabe destacar que é possível terem feito promessas a países influentes em troca de seu apoio à designação do secretário-geral, e esses compromissos deverão ser cumpridos.“Apesar de todos os esforços para garantir uma representação mais igualitária dos Estados membros da ONU em postos de responsabilidades, alguns tendem a ser entregues a nacionalidades específicas ou a certos grupos regionais”, enfatizou.
Como exemplo, Konoha citou os casos da manutenção da paz edos assuntos políticos, legais e humanitários. “Embora as pessoas designadas no passado possam ser qualificadas de competentes, não há nenhuma razão lógica para perpetuar um monopólio em um órgão que pretenda ser verdadeiramente representativo”.
A prática atual também permite aos países ou grupos interessados influir nas atividades da ONU para que reflitam seus próprios interesses, apesar da necessidade de se manter a neutralidade. E, embora o mérito não possa ser o único critério, deve-se respeitar a representatividade, indicou Konoha.“No caso do ex-secretário-geral Kofi Annan (1997-2006) se poderia dizer que foi mais sensível aos desejos do pessoal do que Ban Ki-moon. Mas ambos trataram de reformar a administração e ambos conseguiram um êxito limitado. Há muito por fazer”, observou.
Guterres deverá ter como prioridade a reforma da Secretaria, ressaltou Konoha. Não há dúvida de que a Secretaria deve refletir as necessidades do mundo contemporâneo, e que suas atitudes e práticas devem se atualizar para garantir uma prestação mais eficiente de serviços, afirmou o ex-embaixador. A escolha de diretores apropriados será um elemento crucial na implantação das mudanças necessárias, acrescentou.
Paul recordou à IPS que a França dirige o Departamento de Manutenção da Paz há quase 20 anos. “É um cargo muito desejado, já que a manutenção da paz é uma operação maior do que todos os departamentos da ONU juntos. Paris está contente em ter esse posto sob seu controle”, assegurou. Esses feudos não implicam que os encarregados sejam sempre menos competentes. Algumas pessoas, no entanto, se encaixariam nessa discrição. O rendimento geral é misto, ponderou.
“O sistema em seu conjunto aumenta a injustiça e a falta de sinceridade do sistema de nomeações, reforça em grande parte o controle das cinco potências e tendem à mediocridade nos postos mais elevados da ONU”, destacou Paul. Na comunidade diplomática da ONU, o poder exercido pelas potências sobre a nomeação dos cargos superiores é um segredo e às vezes é irritante, opinou. Envolverde/IPS