Internacional

A encruzilhada da agricultura cubana

Uma mulher paga a compra de produtos agrícolas em um mercado administrado por trabalhadores autônomos, onde são vendidas frutas e verduras da cooperativa Nicomedes Corvo, no bairro de El Vedado, em Havana, capital de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Uma mulher paga a compra de produtos agrícolas em um mercado administrado por trabalhadores autônomos, onde são vendidas frutas e verduras da cooperativa Nicomedes Corvo, no bairro de El Vedado, em Havana, capital de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Por Patricia Grogg, da IPS – 

Havana, Cuba, 19/2/2016 – As medidas para transformar a agricultura cubana continuam sem dar os frutos esperados, para descontentamento dos consumidores, devido à carestia dos alimentos, e também das autoridades, que querem urgência no aumento da produção local, para reduzir o custo das importações.Os altos preços da cesta alimentar nos mercados agropecuários regidos pela procura e oferta, mais as medidas governamentais para deter essa tendência à alta desataram fortes debates, refletidos inclusive pelo jornal oficial Granma em sua edição digital e em outros meios da imprensa igualmente estatais.

Uma libra de tomate (425 gramas) chegou a custar até 25 pesos (US$ 1) durante as festas de ano novo. “Em um dia de trabalho não ganho isso”, queixou-se à IPS uma mulher de idade média que fazia suas compras em um mercado agrícola do bairro El Vedado, na capital, Havana. Este mês, em um estabelecimento estatal, com preços regulados, podia-se adquirir o mesmo produto por seis pesos a libra. “Houve pouca produção. Perdemos três semeaduras de tomate devido às chuvas fora de época”, explicou à IPS um agricultor dos arredores da capital cubana.

O tema dos preços altos que corroem os bolsos cubanos foi levado, no final de dezembro, às sessões do unicameral parlamento cubano, por um deputado que considerou urgente baixá-los para combater a especulação e conseguir que os produtores sejam mais acessíveis para a maioria da população.Nesse período, houve dias com postos estatais de venda semivazios, enquanto outros de comercialização privada ofereciam menos produtos do que o habitual, mas tão caros como sempre.

“Chegaram poucos caminhões com mercadorias, dizem que eram impedidos de passar se não tivessem seus documentos em ordem”, contou à IPS um vendedor de hortaliças e frutas.Como parte das transformações na agricultura cubana, que começaram em 2008 com a entrega de terras ociosas em usufruto a pessoas dispostas a trabalhá-las, foi adotado um sistema de comercialização no qual coexistem Mercados Agropecuários Estatais, varejos privados, cooperativas não agropecuárias e trabalhadores independentes.

Dois vendedores ambulantes organizam seus produtos agrícolas para serem vendidos em uma rua do bairro de Playa, em Havana, capital de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Dois vendedores ambulantes organizam seus produtos agrícolas para serem vendidos em uma rua do bairro de Playa, em Havana, capital de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Em 2014, no conjunto dessas reformas de mercado, os preços subiram 27% em relação ao ano anterior, segundo pesquisa do jornal Juventud Rebelde. Não se conhece a estatística correspondente a 2015. O gasto com alimentação consome cerca de dois terços da renda familiar.Para o economista cubano Armando Nova, o ponto de partida dessa situação está em que não se produz o suficiente e a demanda sempre é maior do que a oferta.

“Foi descentralizada a gestão de preços, mas não a produção, que é o primeiro elo da cadeia produtiva e de valor”, apontouNova à IPS.Para ele, énecessário aplicar um enfoque sistêmico que analise e considere cada passo do ciclo (produção, distribuição, câmbio e consumo), evitar medidas restritivas e não ignorar o comportamento do mercado. “Trata-se de instaurar um modelo de gestão econômico-empresarial totalmente novo”, acrescentou.

Nova pontuou que essa modalidade asseguraria o direito do agricultor a decidir o que produzir, a quem vender sua produção e por qual preço, além de dispor de um mercado atacadista de insumos, meios de produção e serviços necessários para seus trabalhos, algo que até agora não existe por falta de recursos, segundo explicaram as autoridades.

No setor agropecuário cubano coexistem várias formas de exploração, que incluem Cooperativas de Créditos e Serviços e de Produção Agropecuária, Unidades Cooperativas de Produção Agropecuária e agricultores privados, incluídos os usufrutuários, donos do que colhem, mas não da terra.Conseguir a participação dos camponeses, seja qual for sua organização produtiva, ao longo da cadeia, seja de maneira direta ou por intermédio de seu representante no mercado, evitaria que um produtor que tenha domínio do mercado imponha preços, ressaltou Nova.

Atualmente, a quantidade de terras de uso agrícola em Cuba gira em torno de 6,2 milhões de hectares, dos quais 30,5% estão em mãos estatais, 34,3% pertencem a cooperativas, e o restante é operado por pequenos agricultores privados e usufrutuários. A partir de 2009, foram 279.021 pessoas os receptores de terra em usufruto sob o compromisso de torná-las produtivas e rentáveis.

Durante 2015, a agricultura manteve modesto crescimento de 3,1%, considerado insuficiente para atender a demanda interna e substituir as importações de alimentos, que rondam os US$ 2 bilhões ao ano. O governo espera reduzir essas compras externas durante 2016 para US$ 1,94 bilhão.

Em um artigo sobre este assunto, José Luis Rodríguez, ex-ministro da Economia, considerou evidente que, diante de mercados cujos preços não estão regulados centralmente, o Estado deve competir com uma oferta crescente para estabilizar ou minimizar os aumentos. Também desaconselhou impor preços máximos de venda sem a suficiente oferta para mantê-los. Envolverde/IPS