Internacional

Anticoncepção sexista mata na Índia

As mulheres rurais na Índia suportam uma enorme pressão de suas famílias para não usarem anticoncepcionais orais nem injeções, optando, por outro lado, pelo método cirúrgico. Foto: Neeta Lal/IPS
As mulheres rurais na Índia suportam uma enorme pressão de suas famílias para não usarem anticoncepcionais orais nem injeções, optando, por outro lado, pelo método cirúrgico. Foto: Neeta Lal/IPS

Por Neeta Lal, da IPS – 

Nova Délhi, Índia, 12/2/2016 – As mortes por esterilização não são muito conhecidas na Índia. Mas um trágico episódio ocorrido em 2014, no qual 12 mulheres morreram após uma falida campanha estatal de esterilização em massa no Estado de Chhattisgarh, ocupou as manchetes da imprensa internacional. Cerca de 80 mulheres foram “fustigadas como gado” em acampamentos provisórios para realizarem a ligadura de trompas mediante laparoscopia sem exames prévios, o que custou a vida de muitas delas.

Em outro caso, registrado em 2013, a policial do Estado indiano de Bihar deteve três homens por praticarem intervenções cirúrgicas sem anestesia em cerca de 53 mulheres durante duas horas. Aproximadamente quatro milhões de intervenções cirúrgicas realizadas entre 2013 e 2014 deixaram cerca de 1.434 mulheres prejudicadas por essa causa, segundo o Ministério da Saúde.

Uma das principais causas desse problema é o exagerado foco posto na esterilização feminina nos programas de planejamento familiar do governo e uma lamentável falta de opções para as mulheres em matéria de controle da natalidade. Não há outras formas de anticoncepção disponíveis devido à falta de centros de saúde. Existem apenas injetáveis e comprimidos de progesterona em hospitais privados, inacessíveis para as mulheres pobres.

A esterilização masculina ainda é mal vista, e, segundo as últimas pesquisas da organização Planejamento Familiar 2020 (FP2020), a feminina representa 74,4% dos métodos anticoncepcionais modernos utilizados na Índia, enquanto a dos homens chega a apenas 2,3%. O uso de preservativos representa 11,4% e as pílulas anticoncepcionais apenas 7,5%, e não há registros de implantes ou injetáveis.

No Estado de Karnataka, por exemplo, mulheres representam 95% das esterilizações realizadas nos centros de bem-estar familiar. A situação sanitária se deve a uma grave disparidade de gênero, a uma mentalidade patriarcal e a atitudes sociais fortemente arraigadas, e, apesar de a vasectomia ser um procedimento muito menos invasivo e complicado do que a ligadura de trompas, obriga-se as mulheres a realizá-la.

“Na esterilização masculina os cirurgiões seccionam o conduto por onde circula o esperma dos testículos até o pênis. É muito menos doloroso do que a esterilização feminina, que éuma cirurgia abdominal, para ocorte e ligamento das trompas de Falópio”, explicou o ginecologista e obstetra Pratibha Mittal, do Hospital Fortis, em Nova Délhi.

O capítulo de Bengaluru da Associação de Planejamento Familiar da Índia (FPAI,) que promove a saúde sexual no país, informou que recebe entre 70 e 80 pedidos de esterilização tubária por mês. “Raramente um homem consulta sobre uma vasectomia”, concordou um dos médicos consultados.As mulheres rurais suportam a pressão de seus maridos e familiares dele para não tomar anticoncepcional oral nem injeção, por isso só lhes resta a alternativa cirúrgica. Além disso, são oferecidos a elas todos os tipos de incentivos, desde máquinas de lavar e batedeiras, até dinheiro em espécie.

Defensores da saúde feminina afirmam que os objetivos em matéria de esterilização fixados pelo governo também empurram as mulheres para a sala de cirurgia.“A insistência oficial na esterilização feminina é a alternativa preferida para evitar a difícil tarefa de educar a população sobre outras opções, ensinar as mulheres pobres sem educação formal de comunidades isoladas sobre o uso de pílulas anticoncepcionais é muito mais caro do que as campanhas em massa de esterilização”, lamentou Neha Kakkar, voluntária da Associação de Planejamento Familiar.

Para os especialistas, a preocupação está em que o número de homens interessados na vasectomia diminuiu nos últimos cinco anos. Estatísticas do governo da capital indiana mostram que, entre 2009 e 2010,eles representavam 20% das esterilizações, mas o índice caiu para 14% entre 2010 e 2011, 8% entre 2012 e 2013, 7% entre 2013 e 2014, e 5% entre 2014 e 2015.

As esterilizações em massa começaram na Índia em 1970, dentro do programa de planejamento familiar, com ajuda do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e do Banco Mundial. Mas se converteram em uma infâmia em meados daquela década, quando a primeira-ministra Indira Gandhi suspendeu o governo democrático, e organizações estatais lançaram uma campanha draconiana para esterilizar homens pobres mediante métodos coercitivos.

Centenas de homens, até jovens de 16 ou 17 anos e solteiros, foram conduzidos em caminhões e operados em acampamentos provisórios. Aqueles que se negavam a se submeter a essa prática sofriam abusos policiais. Mas a coerção nunca funciona.“É necessária uma campanha de educação sobre a esterilização masculina. Os homens acreditam que perdem potência sexual, o que não é verdade. Então, as mulheres assumem a carga do planejamento familiar e esquecem que os homens são igualmente responsáveis”, pontuou Mittal.

Segundo especialistas, é necessária uma mudança de paradigma, especialmente porque a Índia, com cerca de 1,2 bilhão de habitantes, segue para superar a China como país mais povoado do mundo em 2030, ao se aproximar de 1,5 bilhão de habitantes. Inclusive, no país nascem 11% mais meninos do que meninas a cada ano, acima da referência de 5%, o que aprofunda o desequilíbrio entre os sexos.

Um informe de 2012da Human Rights Watch (HRW), organização com sede em Nova York, pedia urgência ao governo indiano no sentido de criar um sistema de denúncias independente, para que as pessoas denunciassem a coerção e a qualidade do serviço nos centros de esterilização. Também recomendava educar os homens sobre as alternativas contraconceptivas para eles, mas não há evidências de que as autoridades tenham agido conscientemente.

A salvação pode estar no crescimento da população da Índia, que diminuiu de 21,54%, no período 1991-2000, para 17,64%, entre 2001 e 2011. Segundo dados oficiais, a fertilidade também caiu, de 2,6% em 2008, para 2,3% em 2013. Com a constante pressão dos meios de comunicação, além da esterilização, o governo tenta aumentar a oferta e a disponibilidade de anticoncepcionais no contexto do programa nacional de planejamento familiar. Há pouco a Índia incluiu o anticoncepcional injetável no programa.

“A oferta de mais opções e um acesso melhor a anticoncepcionais modernos deveria ser uma parte intrínseca dos programas de igualdade de gênero e saúde na Índia”, ressaltou a voluntária Kakkar. “As campanhas de sensibilização sobre os benefícios do planejamento familiar e a substituição das cirurgias coercitivas por um maior acesso a opções de saúde reprodutiva modernas devem fazer arte das bases de nossa estratégia sanitária”, enfatizou. Envolverde/IPS