Internacional

Asilados irrompem com movimentos por seus direitos na Alemanha

Solicitantes de asilo em Berlim desafiaram uma ordem de despejo municipal em junho de 2014, com uma greve de fome de nove dias no telhado de um prédio escolar vazio com o lema “Não se pode desalojar um movimento”. Foto: Denise García Bergt
Solicitantes de asilo em Berlim desafiaram uma ordem de despejo municipal em junho de 2014, com uma greve de fome de nove dias no telhado de um prédio escolar vazio com o lema “Não se pode desalojar um movimento”. Foto: Denise García Bergt

Por Francesca Dziadek, da IPS – 

Berlim, Alemanha, 26/5/2015 – Com o intenção de serem ouvidos no debate sobre a migração na Europa, os solicitantes de asilo da Alemanha percorreram o país de ônibus durante um mês com o lema “Não se pode desalojar um movimento”.

“Queríamos levar uma mensagem de solidariedade a todos os cantos da Alemanha, para conhecer outros refugiados e dizer-lhes para não terem medo, que assumam suas vidas em suas próprias mãos e, sobretudo, que não sejam delinqüentes”, disse à IPS a ativista sudanesa Napuli Görlich, após um mês de viagem.

Napuli, mais o ativista Turgay Ulu, um jornalista turco que foi torturado e ficou preso durante 15 anos, e o jornalista de Gâmbia Muhammed Lamin Jadama, estiveram em 1º de abril neste mesmo lugar, diante do Ponto de Informação para Refugiados de Berlim, que foi alvo de um dos vários ataques incendiários este ano, incluindo um contra uma casa de asilados em Tdöglitz, no Estado da Saxônia.

Ponto de Informação é uma base de solidariedade social no coração da praça Oranienplatz, em Berlim, também conhecida como O’Platz, que tem uma importância simbólica com bastião central do movimento de solicitantes de asilo em todo o país. “Esse foi um momento muito triste para nós. Estes ataques brutais nos atingem onde mais dói, em nosso sentido de vulnerabilidade, precariedade e invisibilidade”, disse Napuli.

Uma das personalidades mais conhecidas do movimento de refugiados alemão, Napuli nasceu no Sudão e estudou nas universidades de Ahfad e Cavendish, em Kampala. Ela sofreu torturas e perseguição por dirigir uma organização de direitos humanos em seu país, tendo que fugir para a Alemanha.

Desde o início se vinculou ao “acampamento de protesto” em O’Platz, que se converteu em sua casa e na de outros 40 ativistas em outubro de 2012. Ali instalaram barracas após realizarem uma marcha de 600 quilômetros desde o centro de recepção de refugiados em Wurzburgo, na Baviera. Finalmente, o conselho de distrito local ordenou o despejo do acampamento em abril de 2014.

O movimento de refugiados alemão começou após o suicídio de um jovem iraniano solicitante de asilo, Mohammad Rahsepar, que se enforcou em seu quarto no centro de recepção de Wurzburgo no dia 29 de janeiro de 2012.

Em sua marcha para Berlim os manifestantes se detiveram em outros centros de detenção, se sensibilizando pelas condições desumanas de isolamento que sofrem os refugiados e convidando-os a se unirem à marcha pela liberdade até a capital alemã.

Desde então, o movimento exige a abolição da política de residência forçada da Alemanha, que nega a liberdade de movimento aos solicitantes de asilo. Também pedem o fim das deportações, direito à educação, possibilidade de trabalhar legalmente e acesso à atenção médica de emergência, coisas que os solicitantes de asilo não têm.

Depois do despejo do acampamento de protesto em O’Platz, muitos dos refugiados, majoritariamente africanos, ocuparam um prédio escolar vazio em Berlim, o Gherhardt-Hautmann-Schule, onde realizaram atividades socioculturais até junho do ano passado.

As autoridades pretenderam desalojá-los com 900 efetivos policiais, que proibiram a entrada de visitantes, meios de comunicação, organizações de voluntários e inclusive grupos religiosos e também a entrega de alimentos. Os refugiados se negaram a abandonar o edifício e alguns subiram ao telhado para realizar uma greve de fome durante nove dias, enquanto agitavam cartazes onde se lia “Não se pode desalojar um movimento”, que agora é o lema dos ativistas.

Alguns, como o blogueiro sudanês Adam Bahar e o jornalista Ulu continuam vivendo na escola, com a esperança de que o distrito concorde em instalar no lugar um centro internacional de refugiados e que possam receber visitas.

Angela Davis, conhecida ativista norte-americana pelos direitos humanos, tampouco pôde passar quanto tentou visitar os refugiados recentemente. “O movimento de refugiados é o movimento do século XXI”, afirmou Davis, se referindo à difícil situação dos migrantes em todo o mundo.

“A polícia pode vir a qualquer hora da noite e nos levar. Estamos sob constante ameaça de deportação. Me sinto muito estressado. Não consigo dormir direito”, contou um refugiado à IPS, afirmando que só contam com um chuveiro frio e defeituoso para 40 pessoas.

O problema é que o trâmite para solicitar asilo na Alemanha tem um longo prazo de espera. A Organização das Nações Unidas (ONU) informou em 2014 que o país tem atualmente o maior número de solicitações de asilo desde a guerra da Bósnia em 1992. Calcula-se que haja 200 mil solicitações de asilo pendentes e se prevê que superarão os 300 mil até o final deste ano.

O blogueiro Bahar disse à IPS que seu sonho de uma vida melhor, de liberdade e riqueza evaporou quando chegou à Europa, onde logo se deu conta de que a liberdade e os direitos humanos não são para todos. “Nas ditaduras os jovens sofrem a repressão sistemática por uma simples crítica ao regime. Diante da falta de trabalho e de liberdade de expressão recorrem à emigração legal ou ilegal atraídos pela isca dos meios de comunicação estrangeiros com seus slogans vazios de justiça e liberdade”, acrescentou.

Hoje em dia, “o colonialismo, que nasceu em Berlim em 1884, se aplica com o fomento das guerras e a venda de armas”, continuou Bahar, que dá seminários na Universidade Humboldt, na capital alemã.

O movimento de refugiados parece ter conseguido alguns progressos, ainda que limitados. O sistema de residência forçada, por exemplo, foi levantado em vários Estados federais, e o Senado de Berlim anunciou recentemente que até 2017 concluirá o alojamento para 7.200 refugiados em 36 localidades da capital, ao custo de 150 milhões de euros. Envolverde/IPS