Pequenas iniciativas comunitárias podem ter um impacto positivo em problemas ambientais globais.
Por Fabiana Frayssinet, da IPS –
Corzuela, Argentina, 26/4/2016 – Em uma região semiárida da província do Chaco, no norte da Argentina, os camponeses incorporaram à sua cultura uma técnica simples para dispor de água durante as recorrentes secas: “colhem” a chuva e a armazenam em uma cisterna, dentro de um projeto de adaptação à mudança climática. É só chover e as lamacentas estradas vicinais às vezes ficam intransitáveis em Corzuela, pequena localidade rural com cerca de dez mil habitantes espalhados por seu território, a 260 quilômetros de Resistencia, a capital provincial.
Mas não é sempre assim nessa região, onde, como resume Juan Ramón Espinoza,“quando não chove, não chove nada, e quando chove, chove demais”. Este agricultor contou à IPS que “sempre faltou água, mas a situação fica pior a cada ano. Há temporadas em que por quatro a cinco meses não cai uma gota de água”.Os moradores de Corzuela atribuem a intensificação das secas aos “desmontes” (cortes de árvores) como consequência das monoculturas que chegaram à região com o novo século.
“Começaram a nos invadir com plantações de soja. Há muito desmonte. Chegam, avançam com os tratores em quatro mil ou cinco mil hectares derrubando tudo, não deixam uma única árvore”, afirmou Espinoza.Uma causa local, à qual se somam os efeitos globais da mudança climática, estendendo e intensificando as secas. Os especialistas a chamam de “déficit hídrico”, que os camponeses dessas paragens traduzem como falta de água para beber, se banhar, lavar e cozinhar alimentos, além de regar suas hortas.
“Seguramente perdíamos meio dia entre ir e voltar, encher os tachos e os tanques com água para poder lavar, cozinhar e tomar banho”, disse Graciela Rodríguez, mãe de 11 filhos, que tantas vezes a acompanharam nessa tarefa. “Agora, se precisa de água, é só ir e retirá-la em sua própria casa”, comemorou esta camponesa que, contou à IPS, agora usa o tempo que tem livre para fazer pão, limpar a casa e cuidar dos netos.
A solução era construir cisternas para colher e armazenar água de chuva, mas os camponeses não tinham recursos nem tecnologia para implantar esse sistema. Atualmente, unidos em associações de moradores, recebem esses recursos por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), no contexto do Programa de Pequenas Doações (PPD), vinculado ao Fundo para o Meio Ambiente Mundial.
O projeto é executado localmente com assessoria técnica do Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (Inti), para capacitação com vistas à segurança e àhigiene da água armazenada.“Esse projeto soluciona um problema local muito grave, que é a escassez de água na região. A solução é aproveitar os momentos de chuva para coletar e armazenar água para os momentos de escassez hídrica”, explicouMaría Eugenia Combi, do PPD.
Um primeiro programa na área foi executado entre 2013 e 2015, quando foram construídas cinco cisternas comunitárias que beneficiaram 38 famílias. Um segundo projeto começou em março deste ano, para construção de outras cinco cisternas comunitárias atendendo outras 30 famílias.
A tecnologia é simples e de baixo custo. São adaptados os tetos dos “ranchos” (moradias rurais precárias) e construídas canaletas que levam a água até as cisternas familiares, com capacidade de até 16 mil litros, ou comunitárias, que podem armazenar até 52 mil litros. “Uma vez que os beneficiários se capacitam na construção das cisternas, estas podem ser replicadas em cada casa”, pontuouMaría Eugenia.
Tradicionalmente, nesta região, a principal fonte de fornecimento de água para consumo humano ou produtivo (pecuária e pequenas hortas) é o recurso subterrâneo de alguns poços familiares. Mas, como explicou à IPS a assessora técnica do programa, Gabriela Faggi, do Inta, além da seca que causa a redução das camadas de água, muitos poços têm alto conteúdo de sais e até arsênicos, e, em casos extremos, não podem ser usados nem como bebedouros de animais ou irrigação de hortas, agravando os problemas alimentares da região.
Agora, a disponibilidade de água o ano todo contribui para aliviar esse problema. “Antes trazia água do poço público. Meu marido ia com um cavalinho e um tacho em cima e trazia água para o depósito daqui. Mas outras vezes tínhamos que comprar e em certas ocasiões até deixei de comprar carne para pagar a água”, recordou Olga Ramírez, também moradora de Corzuela.
Esses camponeses vivem da agricultura de subsistência plantando cultivos tradicionais como batata, batata-doce, mandioca, abóbora e milho, e com uma pequena pecuária ou granjas.“É uma ajuda grande para os animais. Utilizamos a água de chuva guardada para lavar, fazer mate, cozinhar, para os frangos, os animais, para a horta, para tudo”, disse Ramírez.
Para Jésica Garau, estudante de magistério e mãe de um bebê, esse é um uso da água que, diante do panorama anterior, é “um esbanjamento”. “Agora que temos a cisterna, podemos até esbanjar água. A usamos para fazer nossa horta. Antes só dava para beber e se banhar. Já não temos a preocupação de deixar de comer algo para comprar algo”, apontou.
O PPD, implantado em 120 países, nasceu em 1992 como uma forma de demonstrar que pequenas iniciativas comunitárias podem ter um impacto positivo em problemas ambientais globais. Os projetos têm um teto de financiamento de US$ 50 mil. “O que buscamos são ações locais de impacto global. Isto é, pequenas soluções para problemas ambientais mundiais, como a mudança climática”, explicou à IPS o coordenador do programa na Argentina, Francisco Lopez Sastre.
Para os especialistas do PPD, a atividade hortícola, que complementa o programa das cisternas, “promoverá o consumo de verduras e frutas, que é muito baixo entre as famílias por ser de alto custo econômico”. Dessa maneira, acrescentam, “pode-se melhorar a economia doméstica e a incorporação de alimentos sãos, que redundará em melhor saúde e soberania alimentar”.
Atualmente, o PPD desenvolve outros 13 projetos no Chaco,para os quais foram disponibilizados US$ 537 mil em doações. Dois deles estão vinculados ao abastecimento de água para consumo humano em comunidades rurais, complementado com hortas agroecológicas.
A província, com um milhão de habitantes, tem o maior índice de pobreza do país, segundo estudos independentes. No Chaco, mais de 57% das pessoas vivem em pobreza e destes 17% na indigência. Faz parte da segunda região com mais habitantes de povos originários argentinos, e onde a densidade populacional é de 10,6 habitantes por quilômetro quadrado, inferior à média nacional de 14,4 pessoas por quilômetro quadrado, em um país de 43 milhões de habitantes. Envolverde/IPS