Por Charity Chimungu Phiri, da IPS –
Blantyre, Malavi, 26/2/2016 – Imagine ter de fugir de sua casa por ser ameaçado pelos que, por lei, devem garantir sua proteção. E, quando finalmente encontra um lugar seguro, essas pessoas convencem seus benfeitores a mandá-lo regressar porque, na realidade, não há nada a temer. Essa é a situação de aproximadamente 5.800 pessoas procedentes de Moçambique que encontraram refúgio no Malavi.
Centenas de homens e mulheres, e até de menores sem um acompanhante adulto, fogem desde o ano passado da província moçambicana de Tete, na fronteira com o Malavi, após o reinício dos enfrentamentos entre as forças governamentais e combatentes da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo).Essa província é considerada como um reduto da Renamo, e as pessoas fogem dos ataques das forças regulares, que as acusam de apoiar a organização rebelde, segundo denunciam.
Buscaram refúgio na aldeia malaviana de Kapise, no distrito de Mwanza, a 300 metros da fronteira com Moçambique.Aproximadamente dois em cada três refugiados são mulheres e menores de cinco anos, bem como idosos. A cada dia, são mais, vivem em situação crítica em um acampamento, e competem por recursos básicos com as 150 famílias locais.
Um comunicado da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) diz que os refugiados não têm suficiente água e saneamento, moradias defeituosas e correm risco de contrair doenças. Além disso, temem ataques de soldados moçambicanos.Um bebê de dois meses morreu por diarreia no acampamento em janeiro. E, somente na terceira semana deste mês, o MSF, que montou uma clínica no lugar, atendeu mais de 380 casos de malária.
Por sua vez, o governo do Malavi sofre pressão de Maputo para que não reconheça essas pessoas como refugiados, denunciou o MSF, assegurando que Moçambique enviou vários representantes ao acampamento para tentar convencê-los e regressar, com o argumento de que não havia nenhum conflito no país.No entanto, os meios de comunicação moçambicanos denunciam que os enfrentamentos aumentaram nasúltimas semanas nas províncias de Tete, Zambezia e Sofala, onde há ataques e se ouve disparos diariamente.
O MSF, que trabalha no lugar desde novembro de 2015, pediu ao governo do Malavi que traslade essas pessoas para um acampamento maior, a 50 quilômetros de Kapise e mais longe da fronteira, como estipulam as normas humanitárias internacionais.O antigo acampamento de refugiados Luwani é uma opção melhor por ter mais espaço, uma escola, uma clínica e melhores estradas. Além disso, o traslado permitirá que outras organizações humanitárias, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), forneçam os serviços apropriados para atender as necessidades básicas.
Em sua última entrevista coletiva, o chefe da missão do MSF, Maury Gregoire, informou, em Blantyre, que sua organização atende cerca de 159 pessoas por dia, metade delas com malária e o restante com infecções respiratórias e dores no corpo. E acrescentou que há somente 14 banheiros, quando as normas humanitárias indicam como mínimo um para cada 20 pessoas ou, no pior dos casos, um para 50.Além disso, os refugiados só contam com duas perfurações de água para uso doméstico e geral.
“Cada pessoa conta, em média, com oito litros de água por dia, suficiente apenas para beber e cozinhar, e bem abaixo do mínimo de 15 a 20 litros recomendados para contextos de emergências humanitárias”, apontou Gregoire.O MSF também alertou para a pressão que sofrem os refugiados, o que poderia causar tensões com as famílias locais, especialmente pelo acesso à água. Mas as autoridades de Malavi ainda não se decidiram a trasladá-los nem repatriá-los.
O secretário principal do Ministério do Interior, Beston Chisamile, disse ao jornal The Nation que ainda discutiam a situação com as autoridades moçambicanas.“Nossos amigos de Moçambique querem que essas pessoas regressem, por isso, quando as duas partes tomarem uma decisão que lhes permita ficar no Malavi, poderemos começar a pensar em trasladá-las para outro lugar”, pontuou.
A representante do Acnur no Malavi, Monique Ekoko, chamou os doadores e as organizações humanitárias para que contribuam com mais fundos para os refugiados. Não é a primeira vez que este país oferece asilo a cidadãos moçambicanos. O acampamento Luwani alojou um milhão deles, que fugiram de seu país durante os 16 anos de guerra civil (1977-1992).
Além disso, o Malavi atravessa uma difícil situação econômica pela inflação e pelo aumento das taxas de juros, que deixaram muitas pessoas com dificuldades de subsistência. Estima-se que cerca de 2,8 milhões de malavianos necessitam de assistência alimentar após a última seca e as posteriores inundações.Um informe do Comitê de Avaliação de Vulnerabilidade do Malavi indicou que são necessários cerca de US$ 18 milhões para alimentar toda essa gente até a próxima colheita. Envolverde/IPS