Por Jomo Kwame Sundaram*
Roma, Itália, 13/11/2015 – A desaceleração do crescimento econômico a partir de 2008, e especialmente após a queda dos preços dos produtos básicos, no final de 2014, ameaça reverter os êxitos do excepcional quinquênio anterior à crise financeira mundial, quando o crescimento do Sul em desenvolvimento superou o do Norte Industrializado. Desde 2002, muitos países em desenvolvimento, incluídos alguns dos mais pobres, cresceram mais rapidamente depois de um quarto de século de paralisação na África, por exemplo.
Porém, essa não foi sua tardia recompensa por apegar-se às políticas prescritas pelo saber convencional, como afirmam alguns apologistas dos programas de ajuste estrutural nos últimos 20 anos do século 20. As principais razões foram o contexto internacional mais favorável, caracterizado pelos preços mais altos das matérias-primas, as baixas taxas de juros e os renovados fundos de ajuda, junto com o crescimento acelerado de China e Índia.
As tendências recentes devem ser vistas dentro de um contexto histórico mais extenso, para que se possa extrair as lições adequadas. O crescimento econômico nas décadas de 1980 e 1990 foi, em geral, mais lento do que nas duas décadas anteriores. Apesar do espetacular crescimento de vários países em desenvolvimento, a África subsaariana perdeu devido à sua paralisação durante mais de 20 anos desde o final dos anos 1970, e a América Latina perdeu a década de 1980, pelo menos.
As políticas estatais nesse último período – aparentemente para se ajustarem às “expectativas do mercado” – com frequência reduziram o gasto público, principalmente na área social. Como a desigualdade em nível nacional cresceu na maioria dos países nos anos 1980, as desigualdades internacionais entre os Estados continuaram aumentando.
O bem-estar econômico no Sul em desenvolvimento foi constrangido ainda mais pela pressão demográfica, incluída a rápida urbanização. A industrialização incipiente em muitos países foi abortada pelos ajustes estruturais e pela liberalização econômica. A prematura liberalização comercial exacerbou a desindustrialização, o desemprego e o déficit fiscal, sem gerar fontes alternativas de crescimento econômico.
Os países de baixa renda, bem como os Estados falidos, se caracterizam geralmente por uma reduzida industrialização que, por sua vez, retarda a transformação estrutural e o desenvolvimento sustentável mais inclusivo. As consequências adversas que as políticas e os programas impostos aos países do Sul provocam no desenvolvimento, independente das circunstâncias históricas e do contexto econômico, são bem conhecidas.
Existe um mundo de diferença entre a liberalização comedida a partir de uma posição de poderio econômico, como ocorreu na Ásia oriental de recente industrialização na década de 1980, e sua adoção forçada, para atender a Organização Mundial do Comércio ou as obrigações do empréstimo. Apesar do discurso oficial que afirma o contrário, as normas multilaterais estão bem longe de apoiar o desenvolvimento sustentável e devem ser modificadas de maneira acordada.
Desde finais do século 19, os termos de intercâmbio adversos (que favorecem as indústrias em detrimento das matérias-primas, os produtos das zonas temperadas frente aos produtos agrícolas tropicais, e os artigos industriais do Norte à frente dos do Sul) implicam que muitos países em desenvolvimento produzem e exportam mais, mas ganham relativamente menos.
Supunha-se que a liberalização financeira internacional deveria atrair os capitais privados para preencher os vazios de financiamento. Mas deu lugar a transferências de capital dos “pobres em capital” para os “ricos em capital”, maior volatilidade financeira e a desaceleração do crescimento econômico. A experiência também demonstrou que as “terapias de choque”, que frequentemente se correspondem com as grandes crises do sistema financeiro, em geral, causaram mais dano do que benefício.
Por sua maior vulnerabilidade às vicissitudes externas, os países em desenvolvimento devem ter maior espaço fiscal para garantir sua capacidade contracíclica, bem como um gasto público sustentado para os investimentos necessários em infraestrutura física e social e em recursos humanos. O fortalecimento da base impositiva, a obtenção de mais fontes confiáveis de finanças internacionais e a canalização da ajuda por meio dos orçamentos nacionais podem ser fundamentais.
Em lugar da atual obsessão pela eliminação do déficit fiscal, é necessária uma estratégia de estabilização macroeconômica mais equilibrada e adequada para reduzir ao mínimo as idas e vindas desestabilizadoras da atividade econômica e dos saldos externos, já que se fomenta um círculo vicioso de maior estabilidade macroeconômica, investimento, crescimento e geração de emprego.
Os países em desenvolvimento precisam fortalecer suas capacidades e aptidões e garantir suficiente “espaço político” para realizar reformas adequadas que favoreçam o desenvolvimento sustentável. Com frequência afirma-se que o desenvolvimento só pode ser alcançado mediante a redução do Estado. Porém, em grande parte do Sul em desenvolvimento, isso levou a democracias antiliberais que não permitem as opções, e à frustração da população, privada de seus direitos. Porém, os governos com responsabilidade democrática devem consultar a sociedade para promover os investimentos destinados à transformação estrutural e à geração de emprego.
A economia mundial corre o risco de continuar sua espiral descendente para a paralisação prolongada. Os mecanismos de vigilância melhorados do Fundo Monetário Internacional não geraram melhor coordenação macroeconômica internacional, como se apregoava. Por outro lado, o caminho para o desenvolvimento sustentável continua obstaculizado pelas limitações autoimpostas das políticas deflacionárias e pela negativa em proporcionar a ajuda necessária ou cooperar para aumentar os impostos para todos. Envolverde/IPS
* Jomo Kwame Sundaram é coordenador de Desenvolvimento Econômico e Social da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).